Em segunda-feira, 12 de abril de 2021, às 13:23:55 -03, Joao Marcos escreveu:
>
> Hummm, você poderia talvez explicar _aqui_ esta "aplicação simples",
> ao invés de me mandar ler (mais) um artigo?!
>
> Recordo que eu levantei um desafio bastante simples: mostrar a
> _inequivalência_ entre (A) e (B) no contexto de uma aritmética
> _qualquer_ que valide (C). Aparentemente, este é, aliás, um
> raciocínio usado pelas pessoas de bom senso. Seria possível
> detalhá-lo aqui mesmo, na lista de Lógica, para a ilustração geral das
> pessoas que não necessariamente partilham das mesmas faculdades de
> julgamento? (Se não for _possível_, tudo bem: o artigo ganhará seu
> lugar embaixo da minha pilha de estudos...)
Ah, trata-se de um desafio! OK. Estou mordendo a isca. Vamos ver até onde me
leva. ;-)
Relendo as mensagens anteriores, parece que há algumas camadas envolvidas no
desafio proposto. A mais rasa delas, aquela que está formulada de maneira mais
explícita, pede um desenvolvimento formal no qual A e B não fossem
equivalentes. A alegação aqui, me parece, era que as objeções ao condicional
clássico estavam apoiadas apenas em análises informais e apelos ao "bom
senso", seja lá o que isso signifique.
Atender a esta camada mais rasa, de fato, é bem simples, conforme já indicado
pelo JM:
> PS: A implicação empregada usada acima é intuicionista, "normalzinha".
> Vale talvez notar, ainda, que a explosividade da negação (intuicionista) é
> usada nos lemas acima, o que certamente introduz um passo "não-relevante"
> na argumentação.
Pois bem, seria suficiente, portanto, formular um sistema que não admita ECQ,
ou outro(s) princípio(s) equivalente(s), para bloquear a derivação da
equivalência. Lógica mínima, por exemplo. Simplesmente remova a regra do
absurdo intuicionista da formulação padrão em dedução natural.
Claro, a réplica seria que a lógica mínima é incapaz de abarcar certos
raciocínios intuitivos, do âmbito do "bom senso", envolvendo, por exemplo, o
uso da negação.
Esta me parece uma boa réplica, pois há tradicionalmente escolhas difíceis
relacionadas à formulação de sistemas relevantes. Talvez seja este o ponto que
JM estava no fundo tentando salientar. Aqui há diversas abordagens. Anderson &
Belnap escolheram abrir mão do chamado silogismo disjuntivo. Tennant chama a
atenção como o sujeito que escolheu abrir mão da regra do corte (e manter o
silogismo disjuntivo).
Apontei aos sistemas de Tennant, pois ele se preocupa em argumentar que os
seus sistemas seriam suficientes para dar conta das inferências lógicas
empregadas nas ciências e na matemática na qual elas se apoiam. Talvez não
sejam adequados à áreas mais abstratas da matemática, como aquelas que usam
cardinais inacessíveis e coisas do tipo (que fique estampada a minha ignorância
nessas áreas no próprio uso da expressão "cardinais inacessíveis e coisas do
tipo").
Assim chegamos numa camada um pouco mais profunda do desafio, aludido por JM no
uso da expressão "Aritmética Relevante". Infelizmente, não me proponho fazer
uma reconstrução dos argumentos e resultados de Tennant numa mensagem para a
lista. Terá que ficar como tarefa de casa mesmo. Perdão. :-)
Não obstante, elaborando um pouco mais algumas obervações que fiz numa mensagem
anterior, creio que esta demanda é injusta. Afinal, uma vez que na lógica
clássica sacrifica-se uma adequação melhor à nossa prática inferencial em favor
de ganhos matemáticos, me parece desproporcional exigir os mesmos ganhos de
uma lógica relevante que não se permite o mesmo sacrifício.
E assim, chego no que me parece o ponto crucial da nossa discussão. O
condicional clássico é um desastre. A implicação intuicionista também é ruim.
Creio que isto é incontroverso, principalmente quando entendemos lógica como
teoria da argumentação, entendimento este que supostamente justifica a sua
inclusão como conteúdo obrigatório em cursos de graduação como o de filosofia.
Matemática e computação é outra história, pois contêm campos tradicionais de
investigação nos quais a lógica clássica de primeira ordem é disciplina base.
Ora, quem de nós não enfrenta dificuldades com os alunos, sejam de filosofia,
computação ou matemática, ao ensinar o condicional clássico? Não se trata,
obviamente, de limitações cognitivas dos alunos, ainda que alguns estudos de
psicologia experimental do início do século XX associassem implicitamente a
falha em aquiescer ao condicional clássico como sinal de "irracionalidade" (me
poupem!).
Quero enfatizar que não estou defendendo que um tópico não deva ser ensinado
pelo simples fato de ser contraintuitivo ou difícil. Afinal, cálculo é uma
disciplina também notoriamente difícil, mas há várias razões porque é
importante que um graduado em física, digamos, domine o conteúdo de cálculo.
Não estou certo de que temos razões tão robustas com respeito à filosofia e a
lógica clássica de primeira ordem.
Recentemente, elaborei a prova de um processo seletivo para alunos de
graduação. Todos já tinham aprovação num curso introdutório de lógica, com
notas excelentes. Havia uma questão na prova explorando as características
mais nefastas do condicional. Ninguém acertou. Digo mais. Enviei a prova para
um colega, que tem doutorado em lógica, o qual respondeu rapidamente. E também
errou. Se eu estivesse no lugar dele, também teria errado. Não aquiescer ao
condicional clássico não é defeito, é virtude.
Estou disposto a fazer a seguinte alegação: Ninguém emprega, independente do
contexto, o condicional clássico, em toda a sua glória, na argumentação
informal, seja no cotidiano, nas ciências, ou mesmo na matemática.
Agora, que justificativa então tenho eu para subtrair pontos nas notas dos meus
estudantes de filosofia pelo fato de não terem completamente capturado essa
atrocidade arcaica, relíquia de um projeto fracassado de fundamentação, cujos
principais proponentes estavam mais preocupados com facilidade nas continhas
do que com argumentação? (Aff. Até eu achei este parágrafo demasiado
hiperbólico e melodramático, mas estou com preguiça de reformular)
Enfim, me parece muito mais proveitoso aos meus alunos de filosofia o aprendizado
de aspectos informais da argumentação, tais como explorados no projeto Lógica
Viva, por exemplo. Acho que vale a pena refletir para que ensinamos lógica de
primeira ordem, completude, correção, e o restante da parafernália para alunos
de graduação em filosofia. Não sei a quantas andam os cursos de graduação por
aí, mas aqui na UFPB, Lógica I e II (isto é, lógica de predicados e seus
metateoremas) são obrigatórias na filosofia, o que me parece completamente
insano.
Fim de sermão.
Eita, este peixe usou muita linha do carretel!
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Hermógenes Oliveira