PessoALL:
Agradeço bastante as múltiplas e diversas respostas enviadas à minha
pergunta, tanto dentro quanto fora desta lista. Na falta de uma
"resposta certa", tudo que me compete fazer é comentar brevemente as
respostas dos colegas.
(Estou preparando slides para um curso de duas semanas que oferecerei
sobre lógica paraconsistente em Pequim agora em junho, e a minha
quarta aula está dedicada ao tema da dualidade, que é onde o
entendimento intuicionista do significado da negação pode ter algum
interesse. Não deixa de ser curioso que *do ponto de vista
construtivo* tanto a implicação quanto o absurdo tenham interpretações
não-problemáticas, mas que um conectivo definido pela composição
destes outros dois seja frequentemente tido como problemático...)
> na verdade, a bi-implicação na lógica clássica (e em varias
> outras) corresponde à soma no anel Booleano onde a conjunção é o
> produto. Dessa forma, fica claro porque a bi-implicação, sendo soma,
> é associativa, comutativa, tem elemento neutro (o top), etc. A
> coisa se generaliza bem naturalmente para lógicas multivaloradas,
> modais, etc.
Compreendo isto, Walter, mas esta é uma resposta que seria prontamente
classificada como aquilo que chamei de "a posteriori": ela apenas
explica porque as coisas são como são... Isto serve para fazer
continhas, claro, mas não contribui conceitualmente à pergunta que eu
fiz, ou tentei fazer!
> Aqui vai uma opinião talvez muito simplista de um não-especialista.
> A propriedade meta-logica que me parece relevante para sua questão é a comutatividade com “é demonstrável que”.
>
> Em um contexto construtivo usual, conjunção, disjunção e implicação comutam com “é demonstrável que”. Por exemplo, é
>
> demonstrável que A\vee B sse é demonstrável que A ou é demonstrável que B.
>
> Como se “é demonstrável que” fosse um morfismo da lógica na metalógica.
>
> Isso não vale para a negação, claro. De modo mais geral, entender a negação em termos de condições de demonstrabilidade, como é tentado em contextos construtivos mainstream, é sempre complicado porque as condições de demonstrabilidade de \neg A não são as condições de não demonstrabilidade de A.
Não vou esconder que esta é a minha resposta favorita entre todas que
recebi, Rodrigo.
Uma interpretação verificacionista encontra dificuldades quando
encontra conectivos que expressam o conceito de falsificação, tais
como a negação intuicionista ou a co-implicação. Uma saída possível
seria pensar na negação como fazendo a ponte entre demonstrabilidade e
seu dual (chamemo-lo refutabilidade): \neg A é demonstrável sse A é
refutável, \neg A é refutável sse A é demonstrável. As propriedades
de demonstrabilidade obviamente se dualizam apropriadamente: é
refutável que A\wedge B sse é refutável que A ou é refutável que B.
Não por acaso, esta é a abordagem da lógica bi-intuicionista.
> Eu acho, (e espero que isso seja junto com o Gentzen e o Prawitz ) que a
> gente quer pensar nos conectivos constructivos de forma que eles sejam tao
> independentes uns dos outros quanto possivel. a gente sabe que precisa ter
> conjuncao, disjuncao e implicacao independentes em logica intuitionista
> proposicional.
> e me parece que isso 'e bom. a independencia dos conectivos mostra que eles
> correspondem a intuicoes diferentes, que devem ser modulares. e a gente
> sabe que a negacao *pode* ser definida em termos de implicacao no falso. em
> termos de que teoremas sao provados, a gente precisa de pelo menos esses
> ingredientes.
Mas e se a negação fosse outra, Valeria? Alternativamente, e se eu
quiser estudar um fragmento da lógica intuicionista em que a
implicação ou o falso não estejam presentes, mas a negação esteja?
> o que eu gostaria mesmo era de ter era uma versao de logica proposicional
> intuicionista onde a negacao das proposicoes basicas fosse atomica, e a
> gente comecasse sempre de uma versao onde as coisas fossem verdadeiras e
> falsas.
De acordo!
> eu gostaria muito de uma versao da logica do Nelson N4 onde eu soubesse que
> substituicao de variaveis proposicionais funciona e onde eu conseguisse
> provar as coisas basicas tipo cut-elimination, propriedade de sub-formula,
> interpolacao, etc. mas eu nao sei fazer isso.
Talvez não seja impossível?
> e sobre a bi-implicacao, eu nao me preocupo com ela. acho que a matematica
> de algebras de todos os tipos 'e legal, gosto de aneis, de espacos
> vetoriais, de corpos , de modulos, de espacos topologicos, de fiber bundles,
> de feixes, de homotopias, de variedades diferenciais, etc.. mas nao acho
> que bi-implicacao seja muito importante logicamente nao...
Bem, sem bi-implicação e suas generalizações não há relações de
equivalência... ou lógica algébrica!
> Antes de mais nada, devo avisar que os meus preconceitos, ahã, perdão,
> *convicções* filosóficas se alinham com a "impressão de que tais
> conectivos assim introduzidos não existem de verdade". Isto é, creio
> que a negação, caso insistirmos seja mesmo um conectivo lógico, não está
> no mesmo patamar dos outros conectivos, mas se relaciona primariamente
> com restrições externas e/ou globais (trivialidade), mais do que com
> restrições internas e/ou locais (contradição).
E como um inferencialista faria para estudar a negação intuicionista
se a implicação for extirpada da linguagem, Hermógenes? (o teorema de
Mints faz sentido neste contexto, né?)
> Bem, de qualquer maneira, o Luca mencionou algumas coisas interessantes
> (ele também estava interessado, por outros motivos, na questão da
> negação como abreviatura): na axiomatização pioneira de Heyting (1930) a
> negação era primitiva; Gentzen (1934) teria sido o primeiro a propor
> explicitamente um sistema com a negação definida em termos da implicação
> e do absurdo, embora a ideia já estivesse presente implicitamente em
> escritos anteriores de Brouwer e outros precursores intuicionistas.
Sem dúvida, Gentzen é o culpado! Se a lógica minimal de Johánsson
(1936) tivesse levado a melhor, contudo, era possível que a ideia da
negação como abreviatura tivesse logo caído em desuso...
> Eu penso que a proposta abreviativa Gentzeniana com respeito à negação
> não é gratuita. Uma concepção primitiva de negação apresenta
> dificuldades consideráveis com respeito à harmonia dedutiva e resultados
> relacionados (normalização e etc.)[1][2], apesar do cálculo de sequentes
> sugerir aqui uma saída sofisticada[3][4]. Contudo, embora de caráter
> técnico, essa limitação pode ser relegada à uma mera questão pragmática
> de métodos e resultados, e, para os que preferem, em todo caso, métodos
> semânticos, talvez mesmo uma questão inócua. Ademais, como indico
> acima, para os que não compartilham das minhas convicções religiosas,
> digo, filosóficas, pode ser mesmo que razões metalógicas conduzam à
> posição oposta. Por razões históricas, no entanto, as matérias técnicas
> que preocupavam Gentzen ainda carregam um peso considerável nas
> investigações em lógicas construtivas, de maneira que ainda é comum
> encontrar a negação abreviada na literatura.
Sim, "razões técnicas" são frequentemente ideologizadas...
> PS: só para registrar, como você sabe, o A -> ⊥ funciona também como
> definição da negação clássica. E há vários motivos, mas que eu saiba todos
> ad hoc, para usa-la.
Como você sabe, Daniel, também A <-> ⊥ poderia ser usado, e as
consequências (e inferências válidas) seriam outras...
> De fato, ~A nao tem sentido construtivo, ao passo q A -> \bot parece ter.
Só "parece", não é, Abílio?
> Só uma pequena observação en passant, trivial, porém,
> se for esquecida, pode levar a confusões. As definições
> que costumam ser escritas por A -> bot nas lógicas
> clássicas e intuicionista são de fato duas distintas,
> uma vez que -> tem dois diferentes significados, ok?
Corretíssimo, Andrea. E na lógica minimal, na qual o bot "não é
nenhum absurdo", a definição seria ainda outra...
> Pensando na afirmação da Andrea Loparic:
> "Fora da linguagem, à negação só creio ter
> sentido associar o gesto de rejeição-ou o ato de destruição
> - seja lá do que for. Como alguns de vocês já insinuaram! "
>
> A fome não pode ser considerada evidencia (ou proba) de não ter comido (ou
> não ter comido o suficiente)?
>
> Em matemáticas, o fato de que 6 = 3 x 2 é evidencia suficiente para deduzir
> que 6 não é primo.
Talvez por isso seja conveniente falar construtivamente em dois tipos
de "evidência" (para *verificação*, e para *refutação*)?
> Acho sim que a negação pode ser tratada de maneira construtiva, e acho que a
> negação intuicionista não é a melhor maneira de formalizar a negação desde
> um ponto de vista construcivista.
Isso. Você sugeriria alguma alternativa específica, Juan?
> Como o Abilio mencionou acima, seria melhor (na verdade, seria a única
> maneira realmente construtiva) tomar um ponto de vista paraconsistente
> (igual originalmente o Brouwer e o Kolmogorov pensavam) quando se define a
> negação como A --> 0. Minha sugestao seria colocar termos em 0. Afinal, é
> assim que se pensa na matemática. Qualquer contradição deveria ser um termo
> canônico de 0.
Quando você fala em tomar um ponto de vista paraconsistente, Fernando,
está querendo dizer que de A e A --> 0 não se seguiria uma fórmula
qualquer?
Abraços a todos,
Joao Marcos
--
http://sequiturquodlibet.googlepages.com/