Agradeço aos colegas pelas respostas, que ensaio compilar aqui. Numa
comunidade que preza de forma muito relevante o raciocínio crítico,
discussões como esta certamente são muito reveladoras. Por favor me
corrijam se interpretei mal qualquer coisa que tenham dito.
Por um lado, confesso que achei curioso que a palavra "boicote" tenha
aparecido de forma tão central no fio de respostas, tendo em vista que
ela não apareceu na minha mensagem original. Se eu por qualquer
motivo decidir não comer carne, digamos, no almoço de hoje, será que
estarei "boicotando" os pecuaristas brasileiros? Se, por outro lado,
eu decidir comer carne, sim, no almoço de hoje, será que com isso
estarei dando suporte ao desmatamento da Amazônia? Por outro lado,
confesso também que o uso reiterado da palavra "imoral" no fio de
respostas me pareceu essencialmente retórico, e não creio ser capaz de
elaborar melhor sobre isto no contexto argumentativo abaixo... Mas é
possível que este suposto uso retórico esteja apenas nos meus olhos.
Mas vamos lá.
WAC defendeu que:
(1) "boicotes" seriam ineficientes
(2) ciência não se deveria misturar com política internacional
(3) Valentin Goranko (não citado na minha mensagem original) teria
interesses escusos na promoção do dito "boicote"
WS defendeu que:
(1) ter laços acadêmicos com a Rússia (e, em particular, participar de
eventos na Rússia?) não implicaria "ser criminoso"
(2) moral não se confundiria com política
JS defendeu que:
(1) o "boicote" de cientistas russos ou instituições científicas
russas não se justifica sob nenhuma hipótese
(2) a atitude de exigir "este ou aquele posicionamento político" é
"arrogante e autoritária"
(3) a "política de cancelamento indiscriminado" seria "contra-produtiva"
VdP defendeu que:
(1) "boicotes" acadêmicos, esportivos, culturais ou econômicos podem
funcionar, sim
IMLD defendeu que:
(1) Não há equivalência entre o boicote ao Apartheid, na África do
Sul, e a decisão de não tomar parte em "atividades acadêmicas
relacionadas a países envolvidos na guerra em curso na Ucrânia"
JF defendeu que:
(1) A ciência brasileira teria sofrido muito (mais) se o resto do
mundo tivesse decidido boicotar instituições e pesquisadores nacionais
durante o último governo que tivemos.
(2) Boicotes não são sempre eficazes ou desejáveis.
(3) É incorreto defender a equivalência entre a "não-participação em
um boicote" e o "apoio às atitudes bárbaras da Rússia na guerra".
EO defendeu que:
(1) Há situações em que o boicote (é justificável e) funciona.
Por fim, ao que foi dito acima, acrescento pessoalmente que:
(1) Tendo participado muito ativamente de um evento "partisão"
(
https://events.illc.uva.nl/Logic4Peace/Organisation/), no ano
passado, e tendo ido a um evento na Ucrânia pós-invasão da Criméia
(
http://tlpd2016.knu.ua/invited%20speakers.html), não posso dizer que
eu esteja adotando uma posição neutra sobre o assunto ora em
discussão.
(2) Conheço alguns colegas estrangeiros que optaram por não participar
de eventos no Brasil durante o governo Bolsonaro. Conheço muitos
colegas que se recusam a participar de eventos em Israel por conta da
política (cada vez pior) do governo israelense. Não conheço muita
gente que defenda boicote aos Estados Unidos ou à Europa --- mas
conheço quem tenha se empenhado em tal boicote, em particular, durante
a invasão do Iraque em 2003.
(3) Eu próprio fui convidado este ano a participar de um evento na
Rússia e optei por não fazê-lo. Tenho pena, pois nunca estive lá.
Mas... é fato que não me doeu nada tomar esta posição.
Abraços,
Joao Marcos