Marcos Silva <
marcos...@gmail.com> escreveu:
> Olá, Hermogenes,
Olá, Marcos.
> eu acho "plausibilidade" e "naturalidade" critérios frágeis para o
> desenvolvimento de (quaisquer) visões filosóficas. Além disso, eu não
> tenho problemas com cenários céticos. Acho que a filosofia se
> enriquece muito justamente em reação a argumentos céticos. A história
> da filosofia oferece vários exemplos seminais deste diálogo.
>
> Me arrisco em uma generalização perigosa: talvez toda grande filosofia
> é um levar a sério e se confrontar com desafios céticos. Dois exemplos
> marcantes: Descartes e os argumento do sonho e do gênio maligno e Kant
> acordando do "sono dogmático".
Sim, plausibilidade e naturalidade não são lá grande coisa. No que
diz respeito a esse primeiro, contudo, o autor do texto que tanto lhe
agradou não parece concordar conosco (minhas ênfases):
"Machines seem to be getting smarter and smarter and much better at
human jobs, yet *true AI is utterly implausible*. Why?"
"Like all faith-based views, Singularitarianism is irrefutable
because, in the end, it is unconstrained by reason and evidence. *It
is also implausible*, since there is no reason to believe that
anything resembling intelligent (let alone ultraintelligent) machines
will emerge from our current and foreseeable understanding of computer
science and digital technologies."
"True AI is not logically impossible, but *it is utterly
implausible*. We have no idea how we might begin to engineer it, not
least because we have very little understanding of how our own brains
and intelligence work."
"Unless, that is, someone provides evidence to the contrary, and shows
that there is something in our current and foreseeable understanding
of computer science that should lead us to suspect that the emergence
of artificial ultraintelligence is truly *plausible*."
Mas isso não importa, pois, caso você não tenha notado, meu argumento
não está baseado em plausibilidade ou naturalidade. Ele começa logo
após a citação textual da passagem que considero problemática e vai,
mais ou menos, até "*E é por isso* que o paralelo que o autor do texto
faz com a lava-louça não é apropriado."
Na minha mensagem original, o que se segue depois disso são tentativas
caridosas de compreender o porquê de negar, *por princípio*, conteúdo
semântico e intenções a agentes artificiais. Caridade era tudo o que eu
tinha à disposição, uma vez que Floridi (no seu sono dogmático ;-)) não
oferece muitos argumentos para afirmações como "No conscious,
intelligent entity is going to emerge from a Turing Machine" ou "The
point is not that our machines are conscious, or intelligent, or able to
know something as we do. *They are not*" Exceto, é claro, considerações
de plausibilidade que, você concorda comigo, são "critérios frágeis para
o desenvolvimento de quaisquer visões filosóficas".
É interessante observar como Floridi, após criticar o dogmatismo dos
"AItheists", não resiste a tentação de asserir categoricamente a
profissão de fé dos mesmos. :-D
Quanto ao ceticismo, concordo que, historicamente, tenha sido
estimulante para a filosofia. Não obstante, creio que a imunidade à
ataques céticos é sinal da robustez de uma posição filosófica, e não
da nossa covardia frente ao cético[1]. Afinal, é dever do cético
atacar as nossas posições dogmáticas, mas não somos obrigados a
assumir a posição mais conveniente ao ataque.
O mais desagradável no ceticismo é mesmo o próprio cético, pois ele
geralmente não acredita realmente nas posições que defende nem duvida
realmente das posições que ataca. Decartes começou duvidando da
existência de si mesmo (como ser corpóreo), mas terminou demonstrando
a existência de Deus. Hume era certamente muito mais agradável em
volta da mesa de sinuca, onde estava completamente satisfeito com a
indução, do que sentado à sua escrivaninha, onde mantinha que
argumentos indutivos eram infundados.
É praticamente impossivel reduzir um cético ao absurdo (embora muitas
vezes ele mesmo concorra, senão verbalmente, ao menos pragmaticamente,
que a sua posição é absurda) pois suas asserções, assumindo que sequer
assira algo, não são acompanhadas do mesmo compromisso que acompanha
as asserções dos demais mortais: é como um jogo de linguagem perverso
no qual o seu interlocutor não está constrangido pelas mesmas regras
que você.
Uma figura comumente contada entre os grandes filósofos que você
menciona escreveu o seguinte, caricaturando filósofos que "levam a
sério" os desafios céticos (Da Certeza, §467):
"Estou sentado com um Filósofo no jardim; ele diz, repetidamente: 'Eu
sei que isto é uma árvore', enquanto aponta para uma árvore nos
arredores. Um passante o escuta e eu digo a ele: 'Este sujeito não
está louco: estamos filosofando'."
Mas vai saber. O escárnio e a chacota certamente estão entre os
"critérios frágeis para o desenvolvimento de visões filosóficas".
Talvez até mais frágeis que a plausibilidade e a naturaildade...
Abraços,
P.S. Para aqueles que acompanham a discussão e porventura estejam sob
influência pesada da mentalidade hollywoodiana "mocinho vs bandido":
Eu gostei do artigo do Floridi. Como disse o Marcos, o artigo é bem
escrito, bem humorado, bem argumentado e agradável. Caso contrário,
não seria possível criticá-lo tão pontualmente. Também aprecio muito
os trabalhos de Searle, alguns dos quais li com cuidado. Na minha
opinião, ambos são instâncias do que se pode chamar de boa filosofia.
++
[1] Exceto, obviamente, se assumirmos a posição mais robusta apesar de
não acreditarmos nela, com o único propósito de evitar o cético. Eu
não aprovo essa estratégia, mas seria um deleite observar alguém
adotar o método do cético e fazê-lo provar um pouco do próprio
remédio. :-)
--
Hermógenes Oliveira