Samuel Gomes escreveu:
> Oi Hermógenes,
Oi, Samuel. Obrigado pelos esclarecimentos! Ainda tenho algumas
questões, se não for abusar demais da sua paciência (e da lista).
> --> A coisa dos "modelos pensantes" é simplesmente um jargão. Dizer
> que um modelo M "pensa" uma certa asserção phi é simplesmente
> dizer que M modela phi, i.e., que phi é válida em M, que phi é
> verificada em M.
Hum. Acho o jargão meio esquisito, mas tudo bem.
Então, baseado nas suas explicações abaixo, a frase "this model must
think that ZFC has no model" significa que um certo modelo M de ZFC
modela, ou satisfaz, a sentença gödeliana ⌜φ⌝ que "expressa" a
inconsistência de ZFC. É isso?
> Exemplo: por Lowenheim-Skolem "pra baixo", a teoria dos reais (em
> primeira ordem) tem modelo enumerável. Então podemos ter uma estrutura
> enumerável M no qual todas as sentenças sobre os reais são válidas,
> quando relativizadas a M (existe x = existe x em M, para todo x = para
> todo x em M, e assim por diante).
>
> O que choca inicialmente as pessoas é: como pode existir um modelo
> enumerável de algo que é não-enumerável ? Esse seria o tal do Paradoxo
> de Skolem...
>
> Pois é, o que ocorre é que o tal modelo enumerável "pensa" que é
> não-enumerável. Pois todas as funções que sobrejetam os naturais em M
> estão FORA do modelo: eu olhando de fora sei que ele é enumerável, mas
> "lá dentro" as tais funções que o enumeram não estão, essas funções
> não pertencem a M. "Na opinião dele", ele é enumerável - pois a
> sentença "Não existe bijeção entre a estrutura e os naturais" é
> verificada, é válida lá.
Imagino que aqui você quis dizer: "Na opinião dele, ele *não* é
enumerável — pois a sentença "Não existe bijeção entre a estrutura e os
naturais" é verificada, é válida lá."
Ou eu perdi alguma sutileza?
> (É a velha historinha de que a formiguinha que está andando sobre a
> mesa não consegue enxergar a terceira dimensão: ela "pensa" que
> o mundo é bidimensional, porque o modelo onde ela vive é assim).
>
> --> você pergunta "por quê" estamos usando o Teorema de Completude
> para ZFC, então não tenho certeza
> se realmente a sua pergunta é sobre "por quê" ou "como", então vou
> aproveitar a oportunidade para
> dar respostas rápidas para ambas...
>
> "Por quê ?": se a pergunta foi essa, talvez você esteja confundindo
> completude SEMÂNTICA (= "se é consistente, tem modelo") com
> completude SINTÁTICA (="toda sentença pode ser provada ou refutada").
De fato, eu estava pensando em completude sintática.
Quando o Noah Schweber começou uma frase com "by completeness" e a frase
seguinte com "by incompleteness", minha cabeça girou...
Por isso, prefiro chamar o primeiro teorema de Gödel de teorema de
*indecidibilidade*, pois, caso contrário, sempre acabo metendo os pés
pelas mãos com a distinção que você faz acima.
> [...]
>
> ZFC não prova Con(ZFC) - ou seja, Con(ZFC) não é consequência
> sintática de ZFC. ("Claro que na verdade não prova nem refuta, mas
> sigamos só disso")
>
> Por Completude, se não é consequência sintática então não é
> consistência semântica.
>
> Então não é verdade que Con(ZFC) seja válido em todos os modelos de
> ZFC.
>
> Portanto, existe um modelo de ZFC no qual Con(ZFC) não é válido. Esse
> é um tal modelo que "pensa que não existe" - pois, dentro dele, a
> asserção "existem modelos de ZFC" (que é equivalente a "ZFC é
> consistente", por Soundness + Completeness) não é verificada.
>
> ... Notar que, também por completude, deverão existir modelos de ZFC
> onde Con(ZFC) é válido e também deverão existir modelos de ZFC onde
> Con(ZFC) não é válido ("se todos os modelos concordassem, existiria
> uma prova", essencialmente é isso que Completude diz). Aí podemos
> aplicar Soundness e chegar em Con(Con (ZFC)) e Con(não Con(ZFC)), ou
> seja, Con(ZFC) é independente de ZFC.
Achei a sua explicação bem melhor do que a do Noah. Ademais, talvez por
causa da dissolução do jargão, sua explicação não soa tão misteriosa.
Além do jargão, algo que me escapou na resposta do Noah e que ficou mais
claro na sua é como usar consistência, que Gödel mostrou como codificar
para dentro da teoria, e completude semântica (consistência ≡ existência
de modelo) para "expressar" noções como "(não) tem modelo" dentro da
teoria.
Agora, devo admitir que essa conversa toda de "modelo pensante" e
"modelo de ZFC dentro do qual ZFC não tem modelo", me soa *muito*
suspeita: terminologia, alegações e asserções tão misteriosas (eu diria
até mesmo místicas) para expressar algo tão simples. Deve ser por isso
que eu fujo de teoria dos modelos que nem o diabo da cruz...
> ... Espero que ajude,
Ajudou bastante. Obrigado, novamente.
Abraços,
--
Hermógenes Oliveira