Tony, e demais colegas:
[Começo outro assunto, já que este especificamente não tem nada a ver
com "lógica modal".]
Não estou esperando que todos concordem comigo (e não lançaria
provocações numa _lista de discussão online_ se quisesse apenas falar
o que penso e não ouvir a opinião dos outros a respeito). Estou
apenas fazendo uma profecia :-), qual seja: não vai passar muito tempo
até que o equivocado termo "consequência sintática" caia em completo
desuso, junto a tantos outros. Anote aí.
Apenas uso o termo "sintaxe" no sentido que ele tem em computação, e
que de fato herda da linguística. Se você não gosta disso, vai ter
que encontrar outro termo que separe, por um lado, a tarefa
exclusivamente linguística que consiste na construção da _álgebra de
termos_ que constitui a sintaxe lógica, da tarefa, por outro lado,
específica de cada lógica, de dizer "o que segue de quê". Você pode
preferir chamar a segunda tarefa de "gramática", por exemplo, no
sentido segundo-wittgensteiniano. Tudo bem. Observe contudo uma
coisa: a construção da sintaxe de uma linguagem também envolve
_regras_, as chamadas *regras de produção*. Estas regras, contudo,
são _completamente diferentes_ das regras que usamos para fornecer uma
_interpretação_ para os signos linguísticos, e dizer, por exemplo,
qual a _função_ da conjunção no uso da linguagem na argumentação.
Estas segundas regras, interpretativas, não se identificam de modo
algum com a "sintaxe". Mesmo se você insistir em usar um termo que
inclua ambos os tipos de regras, pode igualmente sentir falta de
termos que as distingam.
Exemplo: podemos ter uma regra de produção que diga que uma palavra
AcB é _sintaticamente bem construída_ se ambas A e B forem
sintaticamente bem construídas e c for um construtor binário, usado em
notação infixa. Por outro lado, podemos dizer que AcB é _derivável_ a
partir de A e B pelo uso da "regra de introdução de c". Se "c" for a
conjunção clássica, de fato, ambas as regras acima fazem sentido; mas
se "c" for qualquer outro conectivo, a segunda regra pode se revelar
desinteressante, excessiva, ou mesmo equivocada.
É claro que a gente pode passar a vida repetindo sem cessar o que
encontra nos nossos alfarrábios preferidos, textos sobre Frege,
Aristóteles ou Carnap (são estas as referências que aparecem na seção
"syntactic consequence" do verbete "Syntax (logic)" na Wikipédia).
Mas a gente também pode acordar deste torpor e adotar uma terminologia
que faça mais sentido após o desenvolvimento da "proof theory" ou da
"proof-theoretic semantics" hodierna (e já lá se vão quase 80 anos que
a coisa começou).
Agora, por favor não diga que o termo "consequência sintática" tem 400
anos, ou invoque "tradição" para ir contra o progresso natural da
ciência...
Como eu já disse, é claro que estas coisas que eu afirmo refletem
apenas a _minha opinião_, e eu posso me revelar um mau profeta. Que
venha o progresso, que venha o futuro!
Joao Marcos
2011/10/16 Tony Marmo <
marmo...@gmail.com>:
> João,
> Acho que você se comunica melhor que eu. Mas, não é tudo que todo mundo vai
> concordar com você, mesmo você tendo mais competência que muitos de nós.
>
> O termo sintaxe na linguística não tem exatamente o mesmo sentido de sintaxe
> na lógica e na teologia. Você de fato parece usar o termo "sintaxe" no
> sentido dos linguistas. Mas, não é bem isso o que os lógicos querem dizer:
> há mais coisas do que, por exemplo, questões de boa formação.
> Mas, a distinção entre derivação sintática e consequência semântica não é só
> comum na literatura lógica: ela é acertada e necessária, e enraizada
> profundamente nos estudos lógicos. Somente se pudéssemos apagar os últimos
> 400 anos de pesquisa em lógica seria possível eliminar essa distinção.
> Em todo caso, os reducionistas a que me refiro querem, no fundo, consciente
> ou inconscientemente, justamente ficar apenas com a derivação sintática e
> negar a consequência semântica. Tratam uma lógica modal como um cálculo
> qualquer, com axiomas sem se importaram com as propriedades.
>
> Em 16 de outubro de 2011 01:42, Joao Marcos <
boto...@gmail.com> escreveu:
>>
>> Tony:
>>
>> Não pretendo estender esta conversa indefinidamente. Você pode ter
>> certeza de que conheço a fundo os capítulos 2 e 3 deste livro, do qual
>> sou de fato revisor... Mas isso não vem ao caso.
>>
>> Entendo que você incorre basicamente em duas confusões: (1) a confusão
>> entre "sintaxe" e *derivabilidade lógica*; (2) a suposição de que a
>> impossibilidade de uma *semântica matricial finita* para uma lógica
>> implica a adoção de uma "semântica de mundos".
>>
>> A confusão (1) não é exclusiva sua --- embora me espante mais no seu
>> caso, por se tratar de um linguista --- mas ainda é, infelizmente,
>> demasiado comum na literatura lógica. A *sintaxe* diz respeito à
>> construção das sentenças bem-formadas da linguagem, não mais. Um
>> *formalismo dedutivo* (ou uma *semântica*), por outro lado, é capaz de
>> definir uma noção de consequência / uma lógica.
>>
>> (Em particular, defendo que o termo "consequência sintática" é uma
>> bobagem.)
>>
>> Assim, _sintaticamente_ não há diferença entre as lógicas modais
>> usuais, assim como não há diferença _sintática_ entre a lógica
>> clássica e a intuicionista. Para fazer um paralelo: em um *jogo* (ou
>> na Lógica), a "sintaxe" diz respeito ao tabuleiro e às peças; o
>> movimento das peças, por sua vez, está para ser explicado/justificado
>> pela "teoria das demonstrações" (ou pela "semântica formal", ou pela
>> "álgebra" ou... ou...).
>>
>> Quanto à confusão (2), não sei se tenho muito mais a acrescentar ao
>> que eu já expliquei repetidas vezes: uma coisa simplesmente não
>> implica a outra.
>>
>> Outra coisa: a observação que você citou sobre a deficiência dos
>> "métodos sintáticos" (mais propriamente, na terminologia que sugeri
>> acima, "formalismos dedutivos") na justificação da
>> *não-derivabilidade* deve ser lida no contexto do livro em questão, no
>> qual os tais métodos sintáticos se referem a axiomáticas hilbertianas
>> para as lógicas modais. Troque (e eu não afirmo que esta "troca" seja
>> fácil de fazer, em geral) este cálculo axiomático por um bom cálculo
>> de sequentes, ou um bom sistema de tableaux, e a coisa se resolve
>> pacificamente tanto para um lado (o da derivabilidade) quanto para o
>> outro (o da não-derivabilidade).
>>
>> * * *
>>
>> Para tentar entender a impossibilidade da nossa comunicação,
>> recordo-me que sobre estas coisas você escreveu, numa outra mensagem
>> recente:
>>
>> > Algumas correntes lógicas, assim como no matemática, enxergam as
>> > verdades
>> > lógicas ou matemáticas básicas como consequências de um nada. São
>> > verdades
>> > por si mesmas e achar modelos ou semânticas para uma lógica é algo que
>> > vem
>> > depois. Já do ponto de vista da lógica modal, o correto é primeiro
>> > vislumbrar os
>> > modelos e depois vermos que verdades lógicas lhes correspondem.
>>
>> Não sei em quais "correntes lógicas" você me filiaria, ou o que
>> exatamente você quer dizer com "verdades lógicas". Mas certamente eu
>> me identificaria com alguém que não vê motivo para dizer que o correto
>> é começar por tal semântica ou tal outra, ao estudar lógica. E olhe
>> que eu fui prioritariamente um semanticista durante toda a minha
>> carreira! A explicação para a minha discordância é prosaica: eu
>> simplesmente não acredito no "correto". E, ao mesmo tempo, acredito
>> que uma mesma lógica pode frequentemente ser estudada com proveito a
>> partir de vários pontos de vista completamente diferentes.
>>
>> Abraços, e bom trabalho!
>> Joao Marcos
--
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