Silêncio é bom fora do corpo e dentro da
mente
Profissionais de várias áreas falam da importância da quietude interna e
de como as pessoas têm dificuldade de ficar em silêncio
GUSTAVO PRUDENTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA - 24/06/2004
Quando o ser humano lascou a primeira
pedra, começou a história do ruído,
que não parou de crescer mais até se
tornar hoje uma das piores fontes de
poluição. Os cidadãos das grandes
cidades que o digam. Nos fins de semana e
feriados, eles fogem para a casa de
campo ou de praia, para o spa, para o
retiro ou se recolhem em casa mesmo.
Tudo em busca de tranqüilidade e
silêncio. Mas nem sempre a medida surte
efeito.
Existe um tipo de silêncio, além do externo, que é pouco explorado e
até
mais poderoso e eficiente. É o chamado silêncio interno.
Religiosos,
médicos e psicanalistas, entre outros profissionais, falam sobre
essa
experiência, cada um a sua maneira. Resumindo, trata-se de um estado
de
quietude da mente em que você "ouve" os seus pensamentos e sentimentos
e
também escuta os barulhos externos sem se sentir perturbado. Fugir
do
burburinho da cidade, literalmente ensurdecedor, só colabora para
encontrar
esse silêncio interno. "Ruído tem a ver com agitação e movimento
que leva
para fora. Já o silêncio externo favorece a contemplação, o que
ajuda a
pessoa a se voltar para si mesma, dando-lhe tranqüilidade e
segurança", diz
Gabriela Bal, terapeuta corporal que defendeu na PUC-SP uma
tese de
mestrado sobre o silêncio. "As pessoas têm necessidade de se
aquietarem, o
que implica pensarem sobre si mesmas, serem fiéis ao momento,
mas elas não
foram educadas para isso", diz o escritor e rabino da
Congregação Judaica
do Brasil Nilton Bonder. "Nós fomos adestrados para o
barulho." Querendo ou
não, o cidadão tem de encarar, sem escolha, o barulho
nos lugares mais
inusitados: da TV dentro do ônibus interestadual ao rádio ou
à fonte de
água com motor barulhento na sala de espera do médico. Os ruídos
distraem e
impedem o efeito do silêncio: descobrir e aceitar a própria
singularidade.
"Vivendo numa sociedade consumista, essa experiência de ser
único é
esmagada. O que acaba acontecendo é que parecemos e cheiramos como
todos os
outros", escreve o monge beneditino inglês Laurence Freeman, em seu
livro
"Os Olhos do Coração - a Meditação na Tradição Cristã". Na busca
por
tranqüilidade e descanso, muitos dos estressados urbanos pegam a
estrada,
mas levam o barulho junto -aparelho de som, TV, uma turmona de
amigos. Para
o psicanalista Élcio Mascarenhas, autor de uma monografia sobre
a
importância do silêncio no processo analítico, isso acontece
porque,
"quando ficamos quietos, o eco que se escuta pode ser menos agradável
que o
do mundo externo, então escolhemos o barulho". Aliás, do ponto de
vista
psicanalítico, sujeitos tagarelas ou que adoram ambientes barulhentos
podem
estar evitando o contato consigo mesmos. O medo de se ouvir existe,
"mas o
silêncio não é nada estratosférico", diz Bal. Já indivíduos metódicos
que
precisam de silêncio absoluto podem justamente estar sufocando um
intenso
turbilhão interior. "Nesses casos, o ruído externo faz lembrar o
interno,
detonando todas as emoções reprimidas", diz Mascarenhas.
Por essa
perspectiva, passam a ser mais compreensíveis ações como a do
aposentado
carioca que atirou contra adolescentes que faziam algazarra no
playground de
seu prédio, alegando que não suportava o barulho.
Pela ótica médica, o homem
está preparado para enfrentar a maior parte dos
sons da natureza. O barulho,
no caso, é definido pela presença dos ruídos
artificialmente produzidos -o
silêncio, por sua ausência.
"A poluição sonora começou com as ferramentas de
pedra, passou pelo bronze
e pela pólvora até chegar na Revolução Industrial",
diz Yotaka Fukuda,
professor de otorrinolaringologia da Unifesp. Porém, diz o
médico, há
pessoas que são capazes de se adaptarem à poluição sonora e até de
alcançar
momentos de silêncio, independentemente do barulho externo. O
estado
psicológico é que vai determinar o quanto isso é possível..
A
fonoaudióloga Claudia Cotes conta que um dos seus momentos mais
criativos
ocorrem no congestionamento da cidade. "As pessoas me perguntam
como
consigo cumprir tantos trabalhos e ainda escrever livros. Minhas
histórias
surgem justamente quando estou no trânsito, quando fecho as janelas
do
carro e fico em silêncio." Cotes é autora do livro infantil "O Som
do
Silêncio", em que uma criança surda ensina para seus colegas a
importância
do silêncio. Uma das idéias do livro é mostrar que o silêncio não
impede a
comunicação. "É no silêncio que vêm os sentimentos que você pode
então
transformar em palavras", diz a fonoaudióloga.
Mas hoje ainda impera
a idéia equivocada de que silenciar equivale a se
submeter à opinião alheia.
O mundo valoriza a palavra, o posicionamento e a
auto-afirmação por meio do
verbo. O professor de teologia da PUC-SP
Fernando Altemeyer destrói essa
idéia. "O silêncio é revolucionário, e não
reacionário, tanto que Gandhi fez
uma revolução e resistiu aos
colonizadores sem atitudes barulhentas", diz
ele.
Apatia, resignação ou escravidão são conceitos ligados à alienação, e
não
ao silêncio. "A pessoa silenciosa é aquela que está além das palavras",
diz
o teólogo, citando um ditado: "Só se deve falar quando o que se tem a
dizer
é mais precioso que o silêncio".
Para quem ainda crê que para ficar
na história é preciso fazer barulho,
Altemeyer conta que foi a partir do
silêncio que quatro personagens
notáveis fundaram as principais religiões do
mundo: Moisés, Cristo,
Muhammad e Buda. Para todos eles, os ensinamentos de
suas doutrinas vieram
à tona durante períodos de silêncio. Muhammad, por
exemplo, só ouviu o
Alcorão porque ele ficou quieto enquanto o arcanjo
Gabriel lhe ditava dos
céus. "Jesus recolhia-se periodicamente para ouvir
Deus e depois pregar",
conta Altemeyer.
Silêncio tem a ver mesmo com
proximidade e intimidade. "Você pode perceber
que, quando queremos dizer algo
muito íntimo, baixamos o tom de voz", diz a
monja Cohen, zen-budista.
O
silêncio, em seu sentido filosófico, também tem sido pensado desde
a
Antigüidade por teóricos como o grego Pitágoras, Dionísio
Aeropagita,
teólogo cristão de origem incerta, e o chinês Confúcio, para quem
"o
silêncio é um amigo que nunca trai".
Já o barulho pode fazer "misérias"
com você.
Formas simples de alcançar o silêncio
interno
Descanso: viaje para locais com pouco barulho ou freqüente
lugares
relaxantes, como templos religiosos, spas e retiros; o silêncio
externo
convida à contemplação e ao silêncio interno.
Foco: concentre
totalmente a atenção na atividade que está realizando ou em
um pensamento,
sem se deixar dispersar. Focando o essencial, sua mente fica
mais
tranqüila.
Meditação espontânea: desligue as fontes de barulho, como
telefone, rádio e
TV, que atraem a sua atenção pelo som. Depois, procure se
aquietar,
deitando-se na cama para relaxar ou tomando um banho quente, por
exemplo.
Meditação orientada: há vários tipos de meditação praticados por
religiões
e filosofias orientais e ocidentais, que utilizam técnicas
corporais e até
sons para alcançar e manter o silêncio interno.
Música:
ouça o tipo de som, não importa o gênero, que você sente que é
capaz de
aquietar sua mente; a música funcionará como instrumento para
você
experimentar o silêncio.
Oração: a função das preces das diferentes
religiões, em princípio, é fazer
a pessoa se voltar para si e para a sua
espiritualidade, o que a leva à
experiência do silêncio
interno.
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Fontes:
Nilton Bonder, rabino e escritor; Gabriela Bal, terapeuta corporal,
e monja
Cohen
Quando o barulho detona o corpo
Nada de novo acontece
com o corpo quando a pessoa está na quietude, mas,
quando está sob barulho,
sim. "Momentos de meditação são necessários para a
saúde, senão a pessoa fica
eufórica e os reflexos se tornam mais rápidos, o
que altera o metabolismo e
gera estresse", diz Fernando Pimentel,
neurofisiologista da Universidade
Federal de Minas Gerais.
A exposição à noite a ruídos superiores a 30
decibéis (dB) -até esse
limite, o som equivale ao de uma tranqüila noite no
campo- pode levar
pessoas mais sensíveis a ter um sono superficial, gerando
sonolência e
cansaço ao longo do dia. O pior tipo de ruído é o intermitente,
que ocorre
por alguns segundos, como o de um alarme de carro ou de uma
ambulância
passando.
Sob a ação de ruídos de 50 dB (uma conversa normal) a
85 dB (um
liqüidificador em funcionamento), o corpo começa a sentir efeitos
de
estresse. Os sintomas variam de um constante estado de alerta até
a
acentuação de problemas cardiovasculares e digestivos e diabetes.
"Um
estudo feito em Berlim, na Alemanha, mostrou que, em locais com ruído
de
fundo de 70 dB, a ocorrência de infarto de miocárdio é 20% maior",
diz
Pimentel. Outros efeitos são a diminuição da resposta imunológica e
da
capacidade de cicatrização dos tecidos.
Há também a liberação de
endorfina, substância que gera sensação de
bem-estar e pode causar
dependência. Isso explicaria, segundo alguns
especialistas, por que algumas
pessoas precisam de barulho mesmo quando
deveriam preferir o silêncio -caso,
por exemplo, de pessoas que só
conseguem dormir com a televisão ou o rádio
ligados.
Os ruídos perturbam a capacidade de concentração e de
desenvolvimento
intelectual. Há estudos que relacionam o baixo desempenho de
estudantes ao
barulho do ambiente (da escola ou da sala de aula, por
exemplo).
Porém, nessa faixa de som, os efeitos nefastos são relativos,
porque
dependem da interpretação pessoal e do tempo de exposição ao ruído.
Ou
seja, há quem fique irritado com a música do caminhão de gás, e há quem
não
se importe ou até goste dela. Um exemplo a respeito do tempo de
exposição:
um papo animado pode ser revigorante, mas encarar um falatório
durante
horas seguidas é capaz de deixar a pessoa estafada.
A partir de 85
dB (um show de rock), não importa se o som é agradável, ele
é,
necessariamente, prejudicial ao corpo, em especial à audição: as cerca
de
2.000 células da cóclea de cada ouvido começam a se degenerar. Essas
células
são responsáveis por transformar as vibrações sonoras nos impulsos
elétricos
que vão para o cérebro. Quando há sobrecarga de energia, elas
começam a
morrer.
Para ter uma idéia, a cada 3 dB, a quantidade de energia que essas
células
recebem dobra. Aumentar o volume de 90 dB para 93 dB pode ser mais
grave do
que se imagina.
Quando a exposição a sons altos é curta e pouco
freqüente, pode acontecer o
chamado zumbido temporário, além de uma sensação
de abafamento do som. Isso
significa que as células foram afetadas, mas se
regeneraram.
Quando o estilo de vida é muito barulhento, elas podem se
extinguir aos
poucos, sem que a própria pessoa note. Segundo Sady Selaimen,
presidente da
Sociedade Brasileira de Otologia, é comum pacientes irem aos
consultórios
com queixa de zumbido e então descobrirem a perda de audição ou
vice-versa.
"As duas coisas, em geral, ocorrem juntas", afirma Selaimen.
O
zumbido contínuo, em geral, é um aviso antecipado da surdez e pode durar
a
vida toda, mesmo quando a pessoa perdeu completamente a audição. Ambos
os
problemas também podem ser causados por sons curtos e muito intensos,
como
os de explosões.
Lei protege o silêncio
Se você
desconfiar que o barulho externo (causado pelo vizinho ou pela rua,
por
exemplo) passou do limite aceitável de decibéis, o recomendado é
procurar a
Secretaria Municipal do Meio Ambiente ou a entidade
representativa no
município, orienta Elisa Rosa dos Santos, técnica do
Ibama, órgão responsável
pelo Programa Nacional de Educação e Controle da
Poluição Sonora (Programa
Silêncio). A polícia também pode ser chamada
tanto para dar fim ao barulho
quanto para fazer registros para um futuro
processo penal. As punições para
os responsáveis pela poluição sonora
variam. Contravenções leves, como
provocar gritaria, exercer profissão
ruidosa, abusar de instrumento sonoro ou
de sons de animais, podem resultar
em multa ou de 15 dias a três meses de
prisão. Para crimes ambientais, em
que a vítima é uma comunidade ou toda a
sociedade, como no caso de uma
indústria que perturba um bairro inteiro, pode
levar a reclusão de um a
quatro anos, mais uma gorda multa. "Em qualquer dos
casos, o infrator é
sempre uma pessoa física -por exemplo, o dono da
empresa", explica Waldir
Arruda Miranda, advogado e autor de um livro sobre
poluição sonora. Ele
explica que, além disso, é possível abrir processos por
danos físicos e
morais quando a saúde é afetada por ruído no trabalho, por
exemplo. Mas os
órgãos fiscalizadores são lentos e a desinformação é grande.
"Já liguei
para uma delegacia para fechar uma boate e precisei convencer o
delegado de
que se tratava de caso de polícia", afirma
Arruda.
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