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Sexta feira, 12 de março de 2010 |
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Programação Visão Acadêmica
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Editoriais, artigos e opiniões
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Matérias |
3. ORGULHO DO RESULTADO | ||
Nem
sempre o prazer de aprender vem da paixão por algo específico. Muitas
vezes, trata-se do prazer de fazer bem feito, uma espécie de orgulho de
ter realizado algo. Esse perfeccionismo move Gabriela Vergili, de 13
anos. Na primeira semana de aula, no mês passado, ela e a irmã mais
nova, Geovana, chegaram em casa, em São Paulo, com a mesma tarefa
(embora estejam em séries diferentes, ambas têm um professor em comum).
Elas tinham de descobrir em que data cairia o Carnaval deste ano. Como
sempre, as duas sentaram no mesmo horário para fazer o dever (a regra,
na casa de dona Mércia, sua mãe, é fazer a lição logo depois do
almoço). Geovana, eficiente, descobriu logo a data pedida: 16 de
fevereiro. E foi brincar. Gabriela demorou mais. Pesquisou na internet,
na enciclopédia Larousse, voltou para a internet. E escreveu um longo
texto sobre Quaresma, Equinócio, fases da Lua e concílios religiosos.
“A disciplina e a organização da Gabriela a ajudam a ‘aprender a
aprender’ qualquer coisa”, afirma Luís Junqueira, professor dela no ano
passado. “Por isso ela é tão versátil: tem texto redondo, sabe fazer um
documentário em vídeo, vai bem na aula de artes e até na educação
física.” Essa disciplina é um ponto de honra para Mércia. Ela sempre foi rigorosa com os estudos das filhas. Além do horário da lição, à noite ela e o marido chegam do trabalho e tiram dúvidas das crianças. Quando a escola passa uma pesquisa, manda ler um livro, Mércia acompanha por telefone se as obrigações foram cumpridas. Essa rigidez – acompanhada do exemplo, senão o efeito pode ser o oposto – cria comprometimento com o estudo. “Quase sempre a criança vai buscar em casa como ela vai se relacionar com a vida acadêmica”, diz Débora Vaz, pedagoga e diretora de um colégio particular de São Paulo. Gabriela é concentrada para fazer seus deveres, cumpre o combinado com os professores, respeita o sinal da escola, devolve o livro da biblioteca dentro do prazo. Como mostra a pesquisa do MEC de 2007, o dever de casa é outro ponto em comum entre os bons alunos. Vários estudos comprovam que a lição de casa ajuda a assimilar conteúdos. Também é a forma mais fácil de verificar o aprendizado dos filhos. Por isso, os pais devem se envolver – mas não muito. A lição de casa tem de ser feita apenas pelo aluno. “É quando a criança está sozinha para lidar com todo o conhecimento que adquiriu em sala e vai decidir o que fazer com ele”, diz Harris Cooper, um acadêmico da Universidade Duke, Carolina do Norte, que há mais de 20 anos estuda a relação dos pais com a lição de casa. |
4.
RESISTÊNCIA A FRUSTRAÇÕES - Outra forma de a disciplina se manifestar é
na resiliência. O termo designa a propriedade de um corpo de voltar à
forma original depois de sofrer uma deformação. Por extensão, passou a
ser usado por psicólogos como a capacidade de uma pessoa se recobrar de
episódios ruins ou resistir a dificuldades. Em geral, a resiliência é
alimentada pela determinação, uma característica encontrada em grande
parte dos bons alunos. Um exemplo é Leandro Siqueira, de 16 anos. Ele
acorda às 4h30. Pega um trem em Cosmos, Zona Oeste, a região mais pobre
do Rio de Janeiro, rumo ao Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Fukow Fonseca (Cefet), uma das melhores escolas técnicas do país. Sai
de casa sem tomar café – ou não chegaria a tempo à primeira aula, às 7
horas. Leandro faz a primeira refeição do dia às 12h30, no intervalo do
período integral. Chega em casa às 20h30, janta e estuda até as 22
horas. Como seu quarto é pequeno, e a sala geralmente está ocupada,
Leandro usa a varanda para ter a concentração de que precisa.
A maratona massacrante se justifica. Quando entrou na escola técnica, numa vaga que disputou com 50 candidatos, Leandro sentiu um baque. Ele sempre havia sido bom aluno, mas o desnível em relação à escola pública de onde vinha era grande demais. Pegar recuperação em três disciplinas não foi o pior. Pelas regras da escola, quem é reprovado duas vezes é expulso. Leandro teve medo de perder sua conquista. “Eu me cobrava muito e ficava pensando no dinheiro que meu pai gasta para eu estar aqui todo dia e almoçar”, afirma, logo depois do almoço num restaurante a quilo, onde gastou R$ 11. Suas notas se estabilizaram acima da média graças à severidade de seu plano de estudos, que inclui mais algumas horas de caderno aos domingos, assistido por uma tia professora de matemática. Os pais de Leandro, um instalador de gás desempregado e uma dona de casa, estudaram até a 8a série. Não conseguem ajudá-lo com os estudos. Mas não poderiam dar lição melhor que o sacrifício que fazem para lhe dar a oportunidade de um bom estudo. Será possível incutir determinação em alguém? Em termos. A resiliência é, provavelmente, uma característica da personalidade. Mas os pais podem influenciar. Em geral, fazem isso para o lado errado. “Vemos muitos pais lenientes, enchendo seus filhos de facilidades”, afirma Maria Lúcia Sabatella, uma educadora especialista em crianças superdotadas. O resultado são crianças mimadas, com pouca resistência a frustrações. E uma tendência a |
desistir
ante as dificuldades. Por isso, em seu programa dedicado a localizar
bons alunos na rede pública, os pais também recebem aulas. Eles
aprendem a estimular seus filhos e, especialmente, a não boicotá-los.
“Temos de ensiná-los a formar indivíduos autônomos, independentes”, diz
Sabatella. 5. O GOSTO DA COMPETIÇÃO - Os trigêmeos Joeverton, Joemerson e Joebert de Oliveira Maia, de 12 anos, foram medalhistas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) no ano passado. Joeverton foi medalha de ouro. Joemerson e Joebert ficaram com o bronze. Não é preciso dizer que eles são o orgulho do pai, José Jorge Maia, chefe da família de classe média baixa que vive na periferia de João Pessoa. Professor de matemática da rede pública da Paraíba, tudo o que José conseguiu até hoje foi com esforço: a casa onde mora e ter criado os três filhos só com seu salário, já que sua mulher, Selma, também professora, parou de trabalhar para cuidar dos bebês. “Sobrevivo com tudo o que aprendi na escola. É só isso que eu tenho e é isso que eu quero garantir para meus filhos”, diz. Não é só discurso. José e Selma dão aos trigêmeos, todos os dias, três horas extras de aula, além da lição de casa. É como um treino de atletismo, com esforço repetitivo. José copia provas de olimpíadas de matemática antigas e dá como treino para os meninos. A vontade de vencer, atingir metas mais altas, destacar-se é um poderoso incentivo para os estudos. “Os melhores alunos não têm medo do desafio”, fiz Suely Druk, diretora da OBMEP. As aulas, no terraço da casa simples da família, não são apenas de matemática. Incluem ciências, português e história. Os meninos não se incomodam em suar a camisa. “Sempre foi assim aqui em casa”, diz Joemerson. O reforço ajuda a compensar as deficiências da escola municipal onde estão matriculados no 8o ano do ensino fundamental. “Queria que a escola puxasse mais. Estamos sem professor de história e de inglês”, diz Joebert. A postura de José faz com que os filhos não enxerguem a escola como um fardo, mas como solução. Os três querem se formar em engenharia da computação. Informática passou a ser a paixão dos meninos depois que Joemerson ganhou um computador num concurso de redação, há dois anos. De lá para cá, têm como passatempo navegar em redes de relacionamento, bate-papo e sites de jogos, como qualquer pré-adolescente. A diferença é que eles só fazem isso depois dos estudos. |
6. PENSAMENTO SOLTO | ||
Um
caminho alternativo, quase oposto ao da persistência dos trigêmeos
Joebert, Joemerson e Joeverton, é a aposta na criatividade. Trata-se
de, em vez de perseguir notas, liberar a imaginação. Pode-se construir
uma argumentação forte contra a ênfase do sistema de ensino nas notas.
Quando uma pessoa (criança, jovem ou adulto) se concentra em demasia no
grau que receberá por um trabalho, deixa de apreciar o valor intrínseco
dele. Em boa medida, a importância dada à nota é subtraída da alegria
de aprender. Por isso é tão revitalizante observar crianças como
Larissa Silvestre, de 9 anos, descobrindo o mundo, formulando
conceitos, brincando. “A Larissa sempre foi criativa”, afirma sua
professora de artes, Maria Luisa de Godoy. “Se eu pedia para ela
recortar uma árvore, numa aula sobre contornos, ela me vinha com um
varal cheio de roupas. Se eu ensinava a fazer uma peteca de sucata, em
cinco minutos a peteca virava outro brinquedo.” Sua mãe, Arlete de Epifânia, estudou até a 4a série e é cozinheira há 13 anos em uma casa de um bairro nobre de São Paulo. No ano passado, entrou pela primeira vez em um museu, quando a escola de Larissa convidou os pais a acompanhar os filhos numa visita ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Nunca imaginei que existisse um lugar como aquele e que minha filha fosse capaz de fazer o que ela fez ali”, diz Arlete. De lá para cá, quando tem tempo livre, ela tenta fazer programas que envolvam algum tipo de atividade artística. Se não dá, ajuda a filha a costurar roupinhas para suas bonecas. Parecem atividades que têm pouco a ver com as disciplinas escolares. Não é assim. A sensibilidade de Larissa para as artes faz dela uma criança observadora – o que a favorece na hora de resolver um problema de matemática ou associar fatos históricos. Segundo Maria Lúcia Sabatella, especialista em crianças superdotadas, gente criativa é extremamente concentrada. “Os grandes inventores, os maiores estrategistas, nos negócios ou na guerra, não fazem a sequência lógica de raciocínio”, diz. “Eles são criativos. Seu caminho para chegar à resposta pode até ser mais longo. Mas é singular.” Esse argumento é contrário à má imagem dos alunos que ficam “rabiscando o papel” em vez de estudar a sério para a prova. “A produção artística exige do aluno um esforço que pode ser maior do que nas outras disciplinas”, afirma Paulo Portella, coordenador do Serviço Educativo do Masp. “A criatividade das artes exige construção de conhecimento – e não a simples repetição deles.” Uma criança com pendor para as artes pode ter um caminho de sucesso até maior que o de um aluno “certinho”, em áreas menos convencionais. Ou pode levar vantagem no próprio campo do estudo. Larissa, por exemplo, diz que não quer ser artista quando |
crescer.
Ela quer ser veterinária. 7. A INSPIRAÇÃO DE ALGUÉM - Todo mundo tem alguém que admira.
Pode ser a mãe, um professor, uma personagem histórica. Essa figura nos
faz almejar ser melhor. Isso também é verdade nos estudos. Quase todo
bom aluno tem um professor inspirador, um parente que quer imitar, um
bom exemplo. Felipe Brum, de 10 anos, morador de Brasília, tem dois:
seu avô materno, Ribamar Ferreira, e Bruno, seu irmão mais velho.
Ribamar é engenheiro e serve de inspiração para Felipe desde que, numa
visita à construção de uma pousada da família na Bahia, mostrou-lhe que
a matemática serve para construir coisas. “Quero construir robôs para
ajudar a salvar a humanidade do desmatamento”, diz o menino. “Para
fazer meu robô, sei que vou ter de estudar engenharia.” Bruno, seu
irmão mais velho, também segue a carreira do avô. Passou no vestibular
com 16 anos. “Eu também quero passar na UnB”, diz Felipe, sem saber
direito o que significa a sigla, da Universidade de Brasília. Seu plano
para conseguir a vaga já está em prática. Estuda duas horas todos os
dias e tem como meta a nota mínima 8. A rotina de estudos de Felipe foi organizada pela mãe, Isabella, para que o menino superasse suas dificuldades de aprendizado. Há dois anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção (TDA). Isabella, que é médica, mudou seus horários para se dedicar aos estudos do filho. O irmão mais velho também ajuda. “Ele me estimula a aplicar os cálculos em tudo o que faço”, diz Felipe. “Nunca imaginei que para construir computadores a gente usava matemática.” Ter o avô e o irmão como heróis é a motivação de Felipe. “São muitos os casos em que ter um referencial, um exemplo a ser seguido, é determinante para a motivação do aprendizado”, afirma Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Estimular isso é válido, mas com o cuidado de respeitar a individualidade da criança.” Porque pode acontecer o contrário: a criança se sentir intimidada pela figura de sucesso e se frustrar ao não conseguir ser como ela. Não parece ser o caso de Felipe. No ano passado, ele tirou 9,6 em matemática, disciplina em que tinha ficado em recuperação no ano anterior. “Agora só quero boas notas, sei que isso ajuda a passar rápido no vestibular, como foi com o Bruno.” 8. PLANOS DE MUDAR O MUNDO - Para que serve a escola? Em parte, ela é a instituição conformista por natureza. É lá que aprendemos os meios e modos do mundo, as tradições de nossa cultura, o que devemos fazer para ter sucesso, de acordo com as expectativas da sociedade. Mas ela é, também, o lugar do exercício das possibilidades. É nela que aprendemos a pensar por conta própria. Uma |
boa
educação
inclui a capacidade de questionar, experimentar, criar. Um traço comum
entre maus alunos é que seus interesses estão fora da escola. Mas esse
é também um traço comum entre os bons alunos. A única diferença é que
os maus alunos perseguem seus interesses em detrimento do estudo. Os
bons mesclam suas atividades ao estudo. Com isso, ganham capacidade
crítica, vivência, experiência. No ano passado, Marcelo Monteiro, de 16 anos, dedicou boa parte de seu tempo livre a um projeto especial: recuperar a imagem do grêmio estudantil do colégio onde cursa o 3o ano do ensino médio, em Porto Alegre. Sua função como primeiro secretário era negociar com a diretoria atividades para os alunos e melhorias na escola, tarefa complicada dada a reputação do grêmio até então. As gestões anteriores deixaram a organização quebrada. Ao assumir, Marcelo e seus colegas de chapa encontraram a sede pichada, sofás depredados, computador quebrado. “Tivemos de reconquistar a confiança do diretor e dos coordenadores para emplacar nossos projetos”, diz ele. Para reformar a sede, arrecadou dinheiro com os alunos (cobrando pelo serviço de fazer carteirinhas de estudantes) e pais de alunos (enviou cerca de 1.500 boletos opcionais no valor de R$ 20 para o endereço residencial dos colegas. Mais da metade dos pais depositou o dinheiro). Também organizou uma campanha para mobilizar o colégio a participar de uma espécie de gincana. O prêmio, dado para a escola com o maior número de inscritos, era um computador. Levou. No final do ano, já com a sede reformada e o prestígio do grêmio recuperado, Marcelo conseguiu autorização da diretoria para fazer um festival de música. Cada convidado levou 1 quilo de alimento, doado para entidades carentes. “Não sei quanto deu no final, mas lotamos a Kombi que a escola nos emprestou para fazer a entrega.” Mesmo tão ocupado com articulações estudantis e organização de eventos, Marcelo está no topo das notas de sua turma. Vai tentar o vestibular para Direito. “Ele não tem medo de se meter em encrencas”, diz um de seus professores, Ivanor Reginatto, no colégio há 25 anos. “Nem todo bom aluno questiona tanto quanto Marcelo, mas essa sua capacidade o coloca entre os melhores.” De certa forma, Marcelo segue os passos de seus pais, Marisa e Rui. Ambos participaram de grêmios estudantis no colégio e na faculdade. Durante cinco anos, presidiram a Associação de Pais e Mestres onde Marcelo estuda. “Tentamos passar a ideia de que se engajar em atividades fora da sala de aula daria a ele a base que vai definir seu futuro profissional e pessoal”, diz a mãe. “Eles me ensinaram a priorizar o diálogo, a discutir questões que acho importantes”, diz Marcelo. É para isso que serve a educação. Para atuar no mundo. |
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