Eu posso estar falando sozinho (ou pode ser que ao menos um ou dois dos
meus jogadores passem aqui para olhar o que escrevo de vez em quando),
mas não tem problema. Este é um bom lugar para publicar e guardar os
meus escritos abertos (aqueles que não representam conhecimento
privilegiado sobre a minha Crônica) sobre Changeling no Brasil.
Esta é uma palestra de um Pooka a respeito da origem dos Kiths. Há
muita discussão a este respeito, e todos sabemos que os Pooka não tem
um grande apreço pelos fatos ou pela verdade, mas é um bom registro
sobre algumas idéias a respeito da origem dos Sonhos.
Aos meus jogadores, gostaria de reiteirar que esta palestra é proferida POR UM POOKA!
-=-
Os sonhos que deram origem aos Sonhos.extraído da palestra "A Origem das Espécies Sonhadas", de
Sir Roderick Lee-Corak; historiador, cozinheiro, observador de vida selvagem humana e corvo, cavaleiro da
Casa Liam, vencedor do Desafio Concordiano de Canto Arrotado nos anos de 2002 e 2003, membro honorário da Corte Esmeralda de Uisneagh
e vice-campeão do
Campeonato Kéltico de Gineteamento Quimérico, Fundador, Reitor, Professor e único membro da Sociedade Corvinal de Estudos Imaginários.
Como todos sabemos, cada um de nós, Kithain, é filho de algum tipo
de sonho. Vocês sabem disso, não sabem? Deveriam saber. Eu sempre soube
disso.
De qualquer forma, com todos os anos de observação tanto da natureza
feérica quanto da história humana, fui capaz de apreender a origem
onírica de cada um dos Kiths que conhecemos.
No princípio, quando tanto a humanidade quanto nós, os Sonhos,
estávamos surgindo e começando a brincar com nossos dedinhos, não havia
distinção entre o mundo dos sonhos e o mundo físico. Tudo aquilo que se
sonhava, ou que se acreditava, de certa forma era real. Tão real quanto
nós, eu diria. Eu sou real e você também, eu posso provar isso.
Acreditem na minha palavra. Pooka nunca mentem!
Os sonhos sobre os animais, sobre o frio, sobre os raios que caíam dos
céus. Os sonhos sobre a força dos guerreiros e a sabedoria dos shamans,
os sonhos sobre as viagens e os viajantes, os sonhos sobre as doenças,
sobre a escuridão e sobre a luz. Todos os sonhos, todas as imagens,
todas as visões criavam não apenas forma naqueles tempos. Elas criavam
vida.
Quando os homens olharam para os animais, os animais grandes e pequenos
(e também os animais não tão grandes nem tão pequenos), e os viram
brincando, correndo, livres, tão certos de seu próprio lugar no mundo e
tão adaptados a tudo, detentores de tão enorme sabedoria, tanta força,
tanto vigor, tanta beleza. Quando os homens viram os animais, eles
sonharam com isso. Dos sonhos dos homens e dos animais, nasceram os
Pooka. Sim... dos sonhos dos homens e dos animais, oras! Eu já
conversei com gatos e com gralhas, e conversei com macacos e com ratos
e até com peixes (que são um bocado estúpidos, mas ao menos sabem o
significado da palavra sonhar), e posso dizer com certeza. Os animais
também sonham. Se vocês duvidam, sussurrem com aquele cãozinho que
estiver passando por você na rua. Ele vai poder te dizer coisas
interessantes...
De qualquer forma, como eu estava dizendo, os sonhos primitivos
lançaram no Sonhar uma semente que é a origem de todos nós. Nas noites
frias, muito frias, daqueles tempos. Antes do domínio do fogo e do
ambiente, o homem (e a mulher também, claro) primitivo se encolhia em
sua caverna e passava a noite desperto entre assobios, chiados,
sussurros e gritos na completa escuridão. Neste ambiente, cansado,
assustado e rachando de frio, o homem pensava em coisas terríveis que
viriam da escuridão para devorá-lo. Será uma grande surpresa para vocês
se eu disser que este é o ancestral dos Redcaps? Puxa... eu queria
fazer uma surpresa, mas aquele menino ali estava mastigando o braço da
cadeira e eu fiquei tenso. Ei! Tirem ele dali! Temos que devolver este
auditório razoavelmente intacto no final!
Não me admira que os Redcap tenham nascido de sonhos tão terríveis.
Eles são um pesadelo de vez em quando. E não me olhem assim, seus
bocudos. Eu sei voar, vocês não! :)
Vamos continuar, enquanto ainda não sofri nenhum atentado...
Origem semelhante, em alguns aspectos, tiveram os Sluagh. Nas mesmas
noites escuras, desde o início dos tempos até os dias de hoje, o homem
(e, claro, e talvez, principalmente, a mulher) escutava as sombras
sussurrando entre si e contando segredos. Tomado de pavor e ao mesmo
tempo curiosidade, o homem tentava esticar os ouvidos para ouvir estes
segredos mas não se atrevia a olhar para trás. Foi assim, nas sombras,
vendo tudo que acontecia sem serem vistos e sussurrando aquilo que
sabiam, que nasceram os Sluagh. Não me admira que eles pareçam mais
agradáveis no escuro...
Mas nem só de sonhos de encanto ou de medo vieram os Kithain. Quando os
homens decobriram que tinham mãos bem legais e que poderiam fazer
coisas reeeeealmente legais com elas, surgiu a engenharia e o know-how.
Do sonho de fazer as coisas e modificar o mundo, e conseguir com isso
uma vida melhor (sem contar com a oportunidade de tirar onda com o
vizinho pq seu machado de sílex é mais afiado do que o dele) surgiram
os Nockers. Desconfio que eles eram mais felizes no princípio. Era tudo
muito novo, e quando quase ninguém tinha SABIA que tinha habilidade
manual para fazer sequer um estilingue, eles eram sonhos naturalmente
valorosos e brilhantes. Nestes dias atuais em que a ciência, esta coisa
abstrata e malemolente, nos dá a impressão de que tudo é muito fácil e
as grandes empresas fazem para nós a preços anunciadamente irrisórios
qualquer tralha que desejarmos, o ofício de artesão não tem mais tanto
brilho. É claro que isso não é uma desculpa para tamanho mal humor, mas
sempre disseram que os artesãos se dão melhores com as ferramentas do
que com os clientes. Isso me lembra a história de uma Nocker alemã que
se especializava em fazer "instrumentos eróticos" quiméricos. Seu sex
shop fez algum sucesso em Colônia durante algum tempo, eu acho. Dizem
que ela Desvariou quando descobriu que os pintos de verdade sempre
seriam melhores do que os seus pintos quiméricos. É impressionante o
que a falta de sexo pode fazer com uma pessoa... e principalmente com
os Nockers, heheheheeh.
Por falar em sexo, vamos falar dos sátiros. Eu gostaria de começar esta
parte da apresentação elogiando aquelas duas sátiras que estão sentadas
na primeira fila. Está sendo um grande estímulo para mim ter um insight
tão grande sobre seus decotes. (N. do T. a expressão "insight over your
cleavages" é mais engraçada no texto original)
Como eu estava falando, a origem dos sátiros tem muito a ver com o
sexo. Mas ela tem também muito a ver com a música e este sonho ganhou
grande força quando os seres humanos se lembraram que podiam fazer
vinho e cerveja. O vinho (e todos os outros estupefaciantes) estão para
os sátiros, e sua natureza, como o Whiskey e o Ishkabara estão para os
Clurichaun. Mas os Clurichaun também adoram vinho. Aliás, os Clurichaun
gostam de vinho tanto quanto os sátiros, só que os Sátiros ficam
ALEGRES quando bebem. Opa... vocês três aí de verde são Clurichauns,
né? Bem, é melhor eu segurar minha língua. Como vão os times de vocês
nos campeonatos de Hurling e de Rugby, "mates"?
Err... Voltando aos sátiros. De um caldeirão exótico (e eu deveria
dizer "erótico") de instintos, ebritude, sabedoria natural, vida
selvagem, Buttman (sim, o Buttman caminha entre nós desde o início dos
tempos. Eu vou provar isso a vocês algum dia) e... bem... bodes,
surgiram os sonhos que deram origem aos sátiros. Do sonho de dominar...
não, err, dominar não, mas englobar o espírito instintivo e a alegria
natural que vivia dentro deles, os homens (e, vc advinhou, as
mulheres!) sonharam com a paixão e a intensidade que queimava em seus
corações. E foi deste sonho que surgiram, com pintos em riste e mucosas
entumescidas, os sátiros e as sátiras. Poucos Kith são tão dados, e tão
adequados, à sátira quanto os Sátiros, e poucos entendem melhor o
quanto é engraçado. Eles, assim como nós Pooka, com a adição talvez dos
Clurichaun (dependendo do dia e da quantidade de Ishkabara e Vinho) e
dos Eshu (quando não estão tentando convencer aos Sidhe que eles são
sérios), perfazem o espectro FELIZ dos sonhos. Dizem que os Redcaps são
felizes também, mas é frequentemente com a desgraça alheia, e então não
conta.
O quê? Estão dizendo que nós Pooka também gostamos da desgraça alheia?
Não, não... isso é só para quem não tem senso de humor. Se eu coloco
uma casca de banana no seu caminho e você cai de cara na lama, e ainda
suja todo o seu Voile novinho, isso é engraçado e você pode aprender a
rir disso. Se eu tivesse dentes grandes e feios em vez de um bico e
mordesse e arrancasse a sua mão, isso não seria engraçado. Isso iria
doer em você e eu certamente ainda teria o mau gosto de rir com a sua
mão dentro da minha boca...
Mas eu estou divagando. Vamos voltar à apresentação. Eu vou falar mais
sobre os Pooka depois, pois parecemos ser muito mal compreendidos.
Dotados de não menos paixão, mas de um gosto não menos banal pelo
conflito, e de um coração cheio de sonhos de glória, força, virilidade
e camaradagem, alguns homens (e, desconfio que, já naquele tempo,
algumas mulheres) resolveram se auto-entitular guerreiros e viver uma
vida realmente emocionante defendendo a vida e seu grupo (e, diga-se de
passagem, ameaçando a vida de outros guerreiros e de seu grupo). Desta
forma curiosa de diversão surgiram os sonhos de guerra. Mas não eram os
sonhos de guerra de hoje em dia, sonhos de uma guerra feita para se
vencer e humilhar o inimigo. A guerra antiga era ainda uma guerra, mas
era uma guerra digamos... mais afável. Destes sonhos de uma guerra
quase doce (temos que agradar os azulôes, né?) surgiram os Trolls.
Grandes, fortes, hábeis, corajosos, quase invencíveis (tá, já agradei
demais os Trolls), limitados em sua esperteza e dotados de uma senso de
humor quase tão desenvolvido quanto seus cérebros, os Trolls eram (ou
gostavam de pensar que eram) os sonhos que mantinham a segurança para
que outras pessoas pudessem sonhar com sexo, artes, artifícios, vinho,
frio, sombras, fogueiras, viagens...
Se queremos aprender alguma coisa sobre honra, devemos perguntar aos
Trolls. Eles são, sem dúvida alguma, os sonhos mais honrados. Nunca vi
um Troll que quisesse me matar depois de ter prometido que não o faria.
Por outro lado, se perguntarem algo aos Trolls, tenham paciência.
Alguns deles tem os egos ainda maiores do que eles, e aqueles que foram
tão banalizados e entediados pelo serviço de defender a vida de alguém
que ninguém quer matar podem ser ainda piores. De qualquer forma, temos
que ser legais com eles. Não há ninguém melhor para se ter por perto
quando algum pesadelo resolve rondar sua porta.
De sonhos menos felizes mas não menos adoráveis, surgiram os Boggan. As
origens destes estiveram envoltas em mistérios durante muito tempo.
Vários Eshus já saíram por aí espalhando teses muito esquisitas sobre a
origem destes adoráveis e hospitaleiros (e fofoqueiros) gordinhos, mas
todo mundo sabe que os Eshus são grandes mentirosos. Já ouvi da boca de
um deles que é fácil chegar na lua através de Trods. Pense nisso... se
um Trod levar a uma Estrada de Prata que chegue até a Lua, ele chega
até Arcádia. Se fosse fácil, vc acha que ainda teria algum Sidhe por
aqui?
Sim, sim, vamos falar dos Boggans. Depois eu falo sobre os Sidhe e
sobre os Eshu. Enquanto alguns sonhavam com vinho e diversão, e outros
sonhavam com a guerra valorosa, e outros morriam de medo do escuro ou
do frio, ou dos outros, algumas pessoas sonhavam com a vida tranquila
que uma sociedade que começava a se organizar (mas ainda não era
organizada demais e portanto entediante). Estes sonhos falavam de uma
casinha arrumada, comida que não faltava, bebida boa para ser bebida
moderadamente, camas quentes e bons amigos à volta da fogueira. Destes
sonhos surgiram os Boggan. É... é verdade... eu tenho minhas fontes, e
não foi nenhum Eshu que falou isso. Qualquer um de vocês que SEJA um
Boggan ou conviva com algum deles a ponto de ser visto como um amigo
sabem que não tem casa mais aconchegante, lareira mais agradável,
bebida mais doce e comida mais saborosa do que aquelas que cercam os
Boggans. São bem chegados no bem estar, os Boggans. Pena que depois de
construir toda esta infra estrutura para si e para os amigos
(principalmente para os amigos), eles ficaram meio entediados. A gente
nunca pensa que pode ficar entediado com os sonhos. Digo-lhes, até os
sonhos de bem estar e segurança se entediam consigo mesmos. Talvez seja
por isso que eles gostem tanto de uma fofoca. Ao menos a vida
interessante dos outros distrai eles da função constante de espanar,
varrer, preparar comida, rodar garrafas na adega, alimentar o fogo e
ser extremamente simpático até com as quimeras mais chatinhas.
Por falar em quimeras chatinhas, vocês já viram algum mosquito
quimérico? Onde quer que eu more, há vários. Eu detesto mosquitos,
principalmente os quiméricos. Ouvi falar de um Clurichaun que tinha o
mesmo ódio que eu. Ele se divertia caçando mosquitos reais e quiméricos
com as mãos cheias de sabão...
Puxa, vocês são tão divertidos que me pego sempre divagando. Alguém
aceita vinho? Claro né? Ei, algum dos Clurichauns ou dos Sátiros trouxe
vinho? Eu aceito! :)
Agora que temos vinho, vamos falar um pouco de Eshu. Obrigado pelo
vinho, querida... Mas voltando aos Eshu. Muito cedo os homens e as
mulheres perceberam que moravam em um mundo imenso. Muito antes dos
mapas, das agências de notícias e de viagens e do Google Earth nos
darem a impressão de que o mundo é pequeno e fácil de se conhecer,
viajar era algo realmente emocinante. Alguns tinham a coragem de
colocar seus pertences nas costas (dizem que foi um Eshu que inventou
as mochilas, mas até aí nenhuma novidade. Todo mundo sabe que foi um
Pooka que inventou os chapéus. Chapéus e mochilas tem tudo a ver, não?)
e sair viajando para além daquela montanha, e daquele vale que fica
depois da montanha... em suma, sair por aí viajando e acumulando histórias. Alguns apenas sonhavam com isso.
Dos sonhos dos viajantes, e daqueles que queriam ser viajantes mas não
eram, surgiram os caminhantes Eshu. Como na maior parte das vezes eles
iam a lugares que não havia mais ninguém para ver o que viam, os Eshu
também inventaram a mentira. Nós os Pooka também tínhamos a inclinação
para viajar, mas não fazíamos tanto alarde a respeito. Afinal, viajar
não é lá grande coisa quando vc tem asas, ou guelras, ou... whatever.
Este vinho está mesmo ótimo. Você pode encher outra taça para mim,
gatinha? Ahn... obrigado. Se gatos tivessem chifres e cascos, vc seria
certamente uma gata, baby. ;)
Acho que é hora da falar sobre os Clurichaun, não é? Ahn... vocês
querem saber a origem dos Selkie? Depois! Ahn?! Mas é claro que eu sei
a origem dos Selkie e dos Galebh-Dhu. Eu sou cidadão honorário da Corte
Esmeralda de Uisneagh, eu sou amigo pessoal da Rainha Ceynwyn, e eu
conversei com muitos Clurichaun e com alguns Selkie. É claro que eu não
perguntei a origem dos Galebh-Dhu para eles mesmos. Eles começam a
chorar quando falam do passado, é muito triste. Mas vamos falar
primeiro dos Clurichaun...
"Contam as lendas que quando a Ilha do Poder era ainda jovem" (os
Clurichaun adoram começar suas histórias com "Contam as Lendas"...
heheeh) reinava sobre ela a estirpe dos Sidhe da Casa Danaan. Em
constante guerra com outras casas, e principalmente com os temíveis
Fomorianos, eles tinham pouco tempo para se dedicar a prestar atenção
no que estava acontecendo nas ilhas FORA DE UM CAMPO DE BATALHA. É
claro, eles sempre tinham tempo para dar suas festas e seus bailes, mas
isso também era um campo de batalha quando se lembra que haviam
Gwyidyons e Eiluneds e até membros disfarçados das casas Unseelie
nestas festas. Como eu estava dizendo, naqueles tempos gloriosos de
festas e espadas e coisas muito verdes, começou a surgir uma estirpe de
sonhos que era ainda desconhecida de todos.
Altos, fortes e absurdamente ruivos, estes novos sonhos eram valorosos
em batalha, honrados na convivência e muito divertidos. Dizem estas
mesmas lendas que estes sonhos vinham do povo das ilhas, que com o
passar dos tempos começava e se identificar cada vez menos com os
gloriosos e pretensiosos sonhos Sidhe. Um Clurichaun me disse certa vez
que este era um sonho de um outro povo que chegara nas ilhas naquele
momento: O sonho dos Milesianos, que por fim acabaram entrando em
guerra com o Povo de Dana e com os outros povos aliados.
Surpreendentemente eles venceram, e os povo Sidhe acabou sendo
confinado a suas colinas ocas. Os Clurichaun começaram então a reinar
sobre as planícies muito verdes da Ilha do Poder, estabelecendo seu
trono na colina de Uisneagh.
Mas os Sidhe, em seu castelo na Colina de Tara, não ficaram satisfeitos
e resolveram começar uma outra guerra, depois de se reunirem para este
fim. Esta é uma longa história, mas para fazê-la um tanto mais curta,
esta nova guerra nunca aconteceu. A Ruptura começou e todos tinham
problemas demais para se preocuparem em guerrear. Durante a ruptura os
Clurichaun passaram por momentos duros, mas a enorme capacidade de
sonhar do povo Milesiano (hoje, o povo Irlandês) os manteve vivos.
Claro que isso fez com que eles ficassem cada vez mais... hmmm...
parecidos com os seus "sonhadores cativos". Foi assim que os
Clurichaun, antes altos e fortes, ficaram baixinhos e, bem, um bocado
menos atléticos. Nenhuma força da terra, nem a ruptura, nem a
banalidade, pôde fazer com que eles ficassem menos ruivos ou suas
roupas menos verdes, contudo. Os problemas com a bebida são, por
definição, também uma maldição que paira sobre o povo irlandês. Nada
demais. Ao menos eles se divertem, diferente do povo alemão e seus
Trolls de estimação, ou seus Nockers...
Argh... detesto alemães!
Ei? Por que vocês estão me olhando assim!? Nem todos os Concordianos
são tão politicamente corretos, sabia? Eu também sou gente, e sou
bicho, e sou um sonho crescido e...
Bem, é hora de falar um pouco mais sobre a origem dos Pooka, para que
vcs possam entender melhor nosso Kith tão mal compreendido. Quando eu
disse que os Pooka se originaram dos sonhos que os homens tiveram sobre
os animais, isso foi uma simplificação. Eu diria que foi uma
meia-verdade, algo que meu Kith entende como ninguém. Só uma mente
muito banal acha que uma meia-verdade é uma mentira. Contudo, gostaria
de acrescentar que nós Pooka descendemos não apenas dos sonhos que os
homens tiveram ao ver os animais, mas em certo aspecto dos sonhos DOS
animais...
O quê? Eu já disse isso? Puxa vida, esta palestra está ficando longa e eu nem sequer sei o que já falei. Mas vamos em frente.
Como eu estava dizendo, nós surgimos de uma mistura de sonhos de
espécies tão diferentes quanto os menores roedores, os maiores
predadores das aves, dos peixes (que tem sonhos estúpidos, imagino, mas
não menos oníricos por isso) e dos seres humanos. Desta união surgiram
sonhos que conseguem ver o mundo não apenas com os olhos de gente,
compreendendo e explicando e conceituando o mundo à sua volta (o que, a
meu ver, é um bocado banal às vezes), mas também pelos olhos dos
animais. Para aqueles entre vocês que não estão acostumados com os
sonhos animais, eu os digo. São sonhos bem menos complicados e muito
mais honestos. São sonhos de amor à natureza e aos seus, sonhos de
fartura e sobretudo sonhos de alegria. Animais são, em sua maioria (e
com a excessão de alguns poucos), muito alegres. Animais em cativeiro,
contudo, são terrívelmente tristes. Mas, assim também somos nós Pooka
quando nos sentimos em cativeiro. Nossas brincadeiras, quando as
fazemos, se devem justamente a isso: libertar a mente dos homens e das
fadas de seus cativeiros imaginários. Eu já havia dito que somos um
Kith sábio e maravilhoso, não havia?
Tem mais vinho? Eu vou concluir a palestra agora falando sobre os Sidhe
e sobre alguns outros sonhos que são menos comuns, mas que já encontrei
por aí. Há inclusive uma grande quantidade de sonhos das quais eu só
ouvi falar, e é por isso que viajo o mundo. Ouvi falar há um tempo
sobre alguns sonhos brasileiros e andinos que devem ser muito
interessantes. Embora desconfie que os Chupacabras são apenas Redcaps
com um certo senso distorcido de humor, como lhes é de costume, tenho
verdadeira paixão pela idéia de encontrar com os tais Botos e Caaporas.
Ouvi falar também que há uns tais de Uirápuru que se parecem um bocado
com os Pooka. talvez encontre alguns primos perdidos...
Hey... obrigado pelo vinho, gatinha. Agora acabou, né? Tudo bem, serei
breve. Como dizem lá em Eire, "quando a bebida acaba é bom que se
termine logo seus assuntos, pois a paciência de todos acabará logo em
seguida".
Vamos aos Sidhe. No princípio dos tempos, em meio a tantos outros
sonhos, os homens sonharam com os Deuses e Deusas. Eu digo "os homens",
pq tenho a impressão de que as mulheres tinham coisa melhor para fazer.
Elas tinham a terra. Mas, como eu estava dizendo, os homens sonhavam
com os Deuses e Deusas, senhores de tudo e de todos, de todas as raças
e espécies. Eles sonharam sobre o que reinaria sobre eles. Destes
sonhos, e dos sonhos posteriores sobre anjos, devas, emissários
divinos, guerreiros sagrados, governantes prometidos, garotas mais
bonitas da vizinhança e alienígenas sábios, surgiram os Sidhe. Vale
salientar que eu prometi que não entraria em detalhes sobre isso, mas
eu sei que vocês insistiram...
Tendo se originado de sonhos tão "elevados", "poderosos" e "altivos",
não é de se admirar que os Sidhe pensem que são melhores do que todos.
Quando nasceram, já nasceram como reis. Este era o seu sentido, ser
algo "maior do que tudo mais", em estatura, beleza, força, sabedoria e
sobretudo em EGO! Esta raça de sonhos-reis e sonhos-deuses teve sérios
problemas para se adaptar no jardim de infância dos sonhos. Eles
simplesmente não conseguiam se libertar da idéia de mandar. Enquanto os
Nockers se contentavam em ser os artesãos mais fodas do mundo
conhecido, e os Trolls se contentavam em ser os maiores guerreiros, e
os sátiros se contentavam em beber tudo e comer todos que apareciam em
sua frente, e os Sluagh se contentavam em contar segredos e os Boggan
se contentavam ouvir estes segredos por detrás da porta enquanto comiam
um perú inteiro. Enquanto os Redcaps se contentavam em ser uns filhos
da puta com dentes grandes que se divertiam apenas em assustar e
mutilar as pessoas, os Sidhe tinham que mandar em todo mundo.
Há quem diga que isso foi o início da desgraça, mas os bardos feéricos
(quase todos eles Sidhe da Casa Fiona, por coincidência) dizem que os
Sidhe conduziram as fadas para sua época de ouro. É claro que houve uma
época de ouro, e fomos nós, e principalmente os sonhadores, que
construiram isso. E em meio às benesses e dificuldades e descobertas
que os homens e mulheres faziam, eles sonhavam cada vez mais. Quanto
mais eles sonhavam, mais Sonhos, mais beleza, mais glamour existia. Se
isso não seria com certeza uma época de ouro, com ou sem os Sidhe, eu
não sei mais o que seria esta época de ouro.
Quando os Sidhe cismaram que eles eram a única raça digna de reinar e
começaram a sua guerra contra os Dragões (estes, sonhos da própria
terra, como eu explicaria com mais calma se os Redcaps já não
estivessem roendo as unhas ALHEIAS de ansiedade pelo fim da palestra),
foi o início do fim. É claro que os membros da Casa Gwyddyon, e os
membros da Casa Fiona, e os membros da casa...
Ei... quem são vocês? Por quê estão com estas espadas desembainhadas?
Bem, a palestra acabou, é hora usar as asas do corvo e cair fora daqui.
Pq é que sempre ficam putos comigo?
(neste momento todos os Redcaps, Trolls, changelings germano
descendentes, um dos Clurichaun que era Unseelie e havia bebido vinho
demais e os soldados do Duque Wynthal, da Casa Gwyddyon,
perseguiram o corvo pela sala, até que ele conseguisse sair pela
janela).
-=-
Sim... eu ADORO escrever sobre Changeling. Sou um fabulista, afinal. Se
conseguiram ler até aqui sem ter vontade de me matar (Redcaps fariam
isso, mas Redcaps são impacientes, normalmente), foram presenteados com
um dos melhores textos que já escrevi na área da fantasia.
Abraços do Daniel Duende.
--
Daniel Duende Carvalho
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