"Precisamos aprender o que conservar e o que mudar" diante das
tecnologias
José Manuel Moran
O professor aposentado pela Escola de Comunicações e Artes da USP, e
diretor da Faculdade Sumaré, José Manuel Moran, conversou com os
internautas do Portal EducaRede na última terça-feira (06/11). A sala
de chat ficou cheia neste animado bate-papo, em que foram abordados
diversos assuntos, principalmente ligados à tecnologia, área em que
Moran pesquisa. A capacitação e motivação dos professores para lidarem
com as inovações tecnológicas, o Ensino a Distância, a mediação e o
uso dos blogs como ferramenta pedagógica estão entre os temas. Confira
abaixo trechos do encontro virtual:
Renata - Em seu texto "As mudanças perto de nós", o senhor afirma que:
"A humanidade sempre aprendeu a conviver com inovações, mas atualmente
a sucessão delas é alucinante e a quantidade de implicações,
freqüentemente desconhecida". Em Educação, já podemos listar algumas
dessas implicações?
Moran - Estamos um pouco perdidos, porque não basta mudar por mudar.
Precisamos aprender o que conservar e o que mudar. Educar é sempre um
processo humano, de relação entre pessoas, hoje mais mediado por
tecnologias. Isso não é simples, porque implica repensar a forma de
organizar o processo a que estávamos acostumados.
Profª Lu Linneu - Concordo com você que a inovação incomoda aos que
não querem mudar suas práticas. Mas como motivá-los a participar e se
envolver em projetos novos?
Moran - Envolver os outros tecnologicamente é um processo longo, que
demora no mínimo dois anos até a apropriação pedagógica. O importante
é mostrar resultados e fazer a iniciação tecnológica com grande
afetividade e carinho. Alguns professores só falam das tecnologias em
si, mas temos que falar também dos encontros, da aprendizagem humana
com tecnologias.
Tiago Emmanuel - Como é possível utilizar a tecnologia para melhorar a
qualidade do ensino nas escolas públicas? Percebe-se uma grande
defasagem dos professores em relação aos alunos quando o assunto é o
acesso à informática.
Moran - Acesso e capacitação contínua é o caminho. Começam a ser
implantados projetos mais consistentes dos governos (nos três níveis)
para que as escolas públicas estejam conectadas, tenham mais
computadores em rede, façam cursos de formação de professores, além do
projeto de um computador popular para cada aluno.
Josiene Vilela - Como mudar a metodologia enraizada na prática
docente? E como vencer a resistência dos professores?
Moran - A metodologia focada em conteúdo e no professor está dentro do
DNA da escola e de todos nós, porque é o caminho que conhecemos até
agora. A mudança se dá por experiências de grupos e pelo apoio de
gestores inovadores. Precisamos juntar-nos aos professores inovadores
e aos gestores inovadores.
Miguel - Podemos falar em ganhos qualitativos com a utilização das
novas tecnologias, principalmente na Educação Fundamental?
Moran - Até agora conseguimos ganhos parciais no uso das tecnologias,
porque também sua utilização foi parcial. O ganho fundamental se dá
quando avançamos na integração do humano, do emocional e do ético,
junto com o tecnológico. Essa integração tem sido deficiente, mas
creio que estamos caminhando para situações melhores.
Nice - Fale um pouco sobre as relações de ensino e aprendizagem que
essa nova tecnologia (computador e Internet) está criando em sala de
aula?
Moran - O computador e a Internet podem ser utilizados em contextos
diferentes, isto é, podem reforçar o ensino convencional ou servir de
apoio para situações mais ricas, focadas em aprendizagem
significativa, colaborativa e baseada em pesquisa e projetos. Acredito
que estamos caminhando para esta nova dimensão, mas não é fácil,
muitos ainda não reconhecem a importância de trazer estas tecnologias
para dentro da escola.
Vinni - Meu nome é Vinicius. Sou aluno-monitor da escola Linneu
Prestes. Quero saber do senhor quais tecnologias o aluno tem que ter
para estar no mundo globalizado?
Moran - As tecnologias que precisamos são todas, as simples e as mais
sofisticadas. As melhores são as possíveis no momento. Podendo
escolher, vale a pena utilizar as que sensibilizam o aluno, como a
Internet, o celular, o podcast (programas digitais sonoros), os blogs
e tantas outras.
Ana - Estou fazendo minha monografia na área de tecnologia. Diante de
tantas inovações, qual o maior desafio enfrentado hoje pelos
professores?
Moran - O maior desafio é entrar em sintonia com os alunos,
sensibilizá-los, atraí-los, torná-los parceiros, despertar neles o
desejo de aprender. Feito isso, é facil utilizar as tecnologias e
qualquer técnica.
Domingos - O senhor acredita na Educação brasileira da forma como vem
sendo realizada na escola pública, com as séries cada vez mais
reduzidas e os professores ensinado pouco e os alunos nada estudando?
Moran - Eu acredito que a Educação tende a melhorar na medida em que
todos estamos mais conscientes da sua importância para mudar o país,
mas isso não se faz num passe de mágica; é preciso muito esforço
integrado e várias décadas.
Kelly - A utilização das TICs nas escolas públicas poderão se tornar
uma breve e prazerosa realidade. Qual sua opinião a respeito?
Moran - Vejo com esperança o avanço da escola pública na integração
das tecnologias. No próximo ano, 300 escolas estarão totalmente
conectadas com os computadores populares na sala de aula; em 2009 esse
número será muito maior.
Evanildo - É sabido que as modernas tecnologias se tornaram
ferramentas indispensáveis à Educação em todo o mundo. O senhor
acredita que nós já estamos acompanhando as mudanças exigidas pelas
modernas tecnologias?
Moran - Estamos muito aquém do que precisamos. O Brasil é muito
desigual e contraditório. Há grupos extremamente avançados
tecnologicamente e outros muitos excluídos. Tendemos a melhorar, mas
depende de cada um de nós.
Ana Maria - Gosto muito da utilização de multimídias. Porém, um dos
problemas é justamente o uso da sala de informática. Um projeto que
trabalhe Matemática, por exemplo, requer várias horas com muitas
turmas diferentes e variados programas. A escola pública ainda não é
capaz de oferecer a nós, docentes, uma infra-estrutura para isso. Como
melhorar as condições do uso dos equipamentos como política
educacional, e não somente para dizer que há uma sala de informática
nas escolas?
Moran - Concordo com a dificuldade da utilização do laboratório.
Caminhamos para a escola conectada (salas de aula conectadas,
ambientes de redes sem fio) e não só o laboratório. Isso trará grandes
mudanças para as possibilidades de flexibilização dos processos de
ensino e aprendizagem.
Cláudia - Os alunos que temos hoje dentro da sala de aula se encaixam
no perfil dos alunos co-pesquisadores, ativos no processo do seu
próprio aprendizado, citados em seus textos? A transição dos nossos
alunos para aqueles dos textos será rápida?
Moran - O aluno chega motivado à escola quando pequeno e, com o passar
do tempo, se desmotiva. Por que será? O que oferecemos é o que ele
espera e da forma que ele precisa? Há um divórcio profundo nas
propostas de ensino com as formas usuais de aprender, e se não
quebrarmos esse fosso, a desmotivação será cada vez maior.
Marcos Aurélio - Como será a escola do futuro? Qual será a real
participação do professor nesta nova escola?
Moran - A escola do futuro será um conjunto de espaços e tempos, mais
flexíveis nas propostas, mas sempre com a mediação de professores
humanistas, confiáveis e competentes. O que faz uma boa escola são os
bons profissionais, professores competentes e motivados. As
tecnologias permitem que a informação seja acessada pelo aluno de
qualquer lugar, mas a aprendizagem contextualizada, ao menos no
começo, depende da mediação dos professores.
Fernanda - Eu moro em Jales e estou cursando Pedagogia na modalidade a
distância pela UFSCar. Estou estudando vários textos seus e
experimentando suas idéias na prática. É realmente inovador e
motivador. Também sou professora de Matemática no Ensino Fundamental.
Como eu poderia, sem muitos recursos, transformar minhas aulas em
aulas-pesquisa. No Ensino Fundamental isto é possível?
Moran - Obrigado por colocar em prática algumas das idéias dos textos.
Em qualquer situação é possível focar a pesquisa, o desenvolvimento de
atividades, de projetos. O material pode ser diferente, ou a forma.
Mesmo sem acesso à Internet é possível focar essa aprendizagem ativa e
colaborativa.
Fábio - Em seu texto "A Educação que desejamos", aparece o conceito
"aulas-pesquisa". O senhor poderia falar um pouco sobre esse
conceito?
Moran - São aulas em que o fundamental não é o professor passar a
informação, mas organizar situações em que os alunos, individualmente
ou em pequenos grupos, busquem a informação (com a mediação do
professor) e a contextualizem, a reelaborem, a comuniquem para todos,
e a apliquem à sua realidade. Por isso o papel do professor é
importante, não tanto como falante, mas como mediador.
Solange/Mogi Mirim - Sou ATP no Núcleo de Informática e desenvolvo, em
conjunto com meu grupo, uma proposta de Rádio Web no curso de
Especialização de Tecnologia em Educação, pela PUC-Rio, para escolas
de tempo integral, como recurso de interação do currículo comum e
oficinas. Nosso trabalho tem como embasamento idéias para
desenvolvimento de habilidades e competências dos alunos. Gostaria de
conhecer o seu ponto a esse respeito, já que o senhor foi um de nossos
motivadores.
Moran - Fico feliz com a proposta de Rádio Web. Os alunos gostam de
falar, de integrar música e voz, além de divulgar isso para todos. O
rádio, nas suas várias modalidades, é barato e permite a integração de
conteúdos e a motivação dos alunos. Continuem avançando no projeto.
Santos - Quando falamos em produzir conhecimento coletivamente,
percebo que existe o silêncio virtual. As postagens em ambientes
virtuais de aprendizagem/interação por meio de debates pelos fóruns ou
listas de discussão por e-mail, são mínimas. Como instigar o aluno
para uma participação mais ativa?
Moran - Há silêncios preocupantes e silêncios estimulantes. Existem
pessoas que observam, meditam, mas nem sempre contribuem tanto quanto
outras. Elas aprendem bastante, mesmo com interação pequena. Concordo
com o seu receio pela falta de exposição de muitos em ambientes
virtuais, além da falta de cultura da escrita em muitos professores e
alunos. A escrita deixa um registro permanente e muitos não gostam de
se expor. A cultura se cria com a prática, com o incentivo e com
temáticas interessantes para o aluno. Nós escrevemos mais facilmente
sobre temas que conhecemos bem, como, por exemplo, futebol, não é
verdade?
Prof. Pedro - O senhor tem um blog, o Educação Inovadora, que se
apresenta como uma ferramenta para dialogar sobre as grandes mudanças
que estão acontecendo na Educação em todos os seus níveis. Qual sua
opinião sobre o uso de blogs como ferramenta pedagógica?
Moran - O blog é uma página mais dinâmica, porque as pessoas podem
opinar sobre os assuntos postados. É fácil de escrever, atualizar,
ilustrar e comentar. Parece-me um recurso muito rico para a
aprendizagem. Eu combino uma página mais fixa com textos prontos e o
blog, com uma possibilidade maior de interação.
Julieta Gouveia - Estou aprendendo agora sobre as novas TICs. Quais as
principais ferramentas para uma aprendizagem tecnológica?
Moran - Sucesso em sua aprendizagem tecnológica! As ferramentas são as
possíveis na sua situação. Vídeo, cd, softwares interessantes, saber
pesquisar na Internet, organizar um ambiente de grupos na Internet,
criar um blog, fazer um programa de rádio e daí por adiante, até
dominar um ambiente de aprendizagem como o Moodle, por exemplo.
Caminhe do simples ao complexo, no seu ritmo e de acordo com suas
possibilidades.
Marcelo - O senhor acha que as ferramentas chat, Msn, e Orkut podem
ser utilizadas como forma de ensino nos laboratórios de informática?
Moran - Qualquer recurso de comunicação ou página de relacionamento
tem suas vantagens e desvantagens. Os programas de comunicação online,
como o msn, são úteis para trabalho em grupo, para orientação dos
alunos, para tirar dúvidas, mas muitos os utilizam para entretenimento
e bate-papo dispersivo. Dependem de como são utilizados. O Orkut
também tem sua utilidade, embora as pessoas o vejam mais como um site
de relacionamento do que de aprendizagem. Pode ser um espaço inicial
de colaboração, mas há muitos outros (páginas de grupo) que se adaptam
melhor para o ensino e aprendizagem.
Domingos - Como o senhor vê a avalanche de universidades virtuais?
Moran - Realmente há uma explosão de universidades virtuais, de cursos
a distância, principalmente por teleconferência (satélite e tele-
aula). Se, além das aulas, existem atividades, leituras e mediação
interessantes, valem a pena. A questão é se temos mediadores (tutores)
bem capacitados e remunerados para essa mediação (aqui vejo um
problema mal resolvido em muitas destas universidades).
Marcos Maurício - Um renomado professor da Educação da USP dizia que
as ciências cognitivas eram um emaranhado de disciplinas como Ciência
da Computação, Neurolingüística e Semiologia, e que se transformaram
em verborréia. O senhor acha que com o surgimento das novas
tecnologias na escola as ciências cognitivas voltam a ter importância
nas atuais questões sobre Educação?
Moran - Educar é ajudar a compreender, a conhecer. As áreas de
conhecimento são especializações diante de um conhecimento cada vez
mais complexo. Ninguém conhece tudo, mas é importante que tenhamos
instrumentos para o conhecimento autônomo, em rede e humilde. Sabemos
um pouco, não sabemos muito. A Educação é fundamentalmente a
organização de processos cada vez mais ricos de conhecimento. Se não
for dessa forma, estaremos nos enganando.
Ângela - O senhor concorda que a partir das novas tecnologias
conseguimos atrair, sensibilizar e tornar nossos alunos parceiros?
Moran - Concordo que a boa utilização das tecnologias nos aproxima dos
alunos, mas junto com elas precisamos mostrar que somos pessoas
interessantes, abertas e confiáveis. Sem dúvida os alunos estão bem
atentos a todas essas possibilidades que as tecnologias nos oferecem.
Marly - Entendo que a primeira grande barreira a se transpor é o
professor se enxergar novamente como aluno, o que considero algo mais
complicado. O professor se tornar aluno de seus alunos.
Moran - Quanto mais aprendemos e estamos abertos como alunos, mais
facilmente encontraremos formas de ensinar e de orientar os nossos.
Quando mais aprendemos, mais podemos contribuir para a aprendizagem de
todos.
Grace - Estamos caminhando cada vez mais para um mundo virtual. Como
essa experiência pode ser positiva tratando-se do Ensino Fundamental?
Moran - O mundo virtual é uma extensão do nosso mundo físico, e se
integra o tempo todo. Nós estamos agora conectados virtualmente e
estamos aprendendo. O Ensino Fundamental precisa dosar o presencial, o
contato físico e as atividades virtuais. O aluno pode estar
fisicamente na sala de aula e muitas vezes conectado, em grupo e
individualmente, pesquisando. Ainda nos falta o acesso fácil a essa
realidade conectada. Mas o Ensino Fundamental também integrará a
presença física e os ambientes virtuais.
Kelly - Percebo em seus textos a forte preocupação em equilibrar o
advento das TICs com os valores morais e éticos, porém, vivemos numa
sociedade bastante competitiva e individualista. Como nós, educadores,
conseguiremos alcançar tal objetivo?
Moran - Não é fácil conciliar colaboração e competição, mas é nosso
desafio. Podemos ser bons competidores e colaboradores, dependendo do
momento, da situação, do contexto. A formação precisa incluir cada vez
mais a dimensão colaboradora, o aprender juntos, a troca. Mas a
competência pessoal e a capacidade de lidar com conflitos, com as
contradições pessoais e sociais também serão cobradas. Temos de
encontrar um caminho positivo, de esperança, mesmo diante de um
contexto social bastante difícil e violento. Sermos educadores com
esperanças e não catastrofistas.
Sabine - Como o senhor vê o e-learning coorporativo atual? Como será o
futuro desta área na sua opinião?
Moran - Acredito que estamos passando de uma primeira fase, com um e-
learning focado em conteúdos prontos para outro focado em competências
e colaboração. Há cursos que são instrumentais e basta acessá-los com
atenção e há outros em que a mediação é mais necessária, para a
aquisição das competências desejadas. As corporações precisam de muita
inovação pedagógica também. Há muita mesmice.
Agradeço a todos pelas perguntas tão ricas e variadas. Desculpem-me
ter que respondê-las de forma às vezes simplista, pelo tempo e poucas
linhas de cada resposta. Vejo em vocês pessoas comprometidas e que
estão aprendendo a mudar. Contem comigo no que precisarem e procurarei
continuar atualizando a discussão com textos, experiências e
incentivo. Obrigado pelo apoio de vocês e continuem avançando,
ajudando uns aos outros. Grande abraço para cada um de vocês e até
breve.
http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_especial=283
Visite o blog "Educação Inovadora", do Prof. José Moran
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