A fina ironia

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Hannah BLUE

não lida,
10 de mar. de 2008, 14:10:0410/03/2008
para Midiateca da HannaH
A fina ironia
Tiago Zanoli


A rebeldia jovem, o espírito de contestação - que culminaram no Maio
de 68, na França - e as transformações dos padrões de comportamento
fizeram de 1968 um dos anos mais marcantes do século XX. Foi o auge da
contracultura, do movimento hippie e do rock psicodélico. No Brasil, o
tropicalismo ganhava força, ao mesmo tempo em que a instituição do
AI-5 tornou ainda mais tenso e pesado o clima no país, sob o regime
militar.

Esse é o cenário que, 40 anos depois, o leitor pode revisitar por meio
das crônicas de José Carlos Oliveira em "Diário da Patetocracia", que
reúne a maior parte dos textos que o jornalista e escritor, nascido no
Espírito Santo, publicou no Jornal do Brasil em 1968.

Lançado originalmente em 1995, o livro estava esgotado. Para marcar os
40 anos dos acontecimentos de 1968, a obra acaba de ser reeditada.
Nela, estão crônicas irônicas e bem-humoradas que falam desde momentos
importantes que marcaram a época a situações banais do cotidiano do
próprio autor.

Mais conhecido como Carlinhos Oliveira, o cronista aborda, por
exemplo, o constante medo da ameaça nuclear em plena Guerra Fria, sem
perder a piada: "Ninguém precisa ficar com medo. Quinze dias depois da
tragédia, o planeta amanhecerá transformado num deserto constelado de
flores", escreve em "O Olho", de 26 de janeiro.

Mais adiante, em "O Próximo Natal Vai Ser um Estouro", mantém o tom de
deboche, ao sugerir que Papai Noel vai aprender a fabricar bombas
atômicas em miniaturas, para distribuí-las pelos lares do mundo.
"Agora vocês imaginem o barulho!"

Ditadura

A atmosfera repressiva, sob o regime militar brasileiro, também é
tratada com maestria por Carlinhos, que se revela perplexo com o
aumento da violência policial na repressão contra as manifestações de
rua.

E não deixa de cutucar, em "O Sabiá e a Pílula", de 9 de outubro: "Sou
um escritor instintivo; escrevo com o fígado e tenho excelente nariz.
Estou sentindo cheiro de sangue. Parece que nos encaminhamos
rapidamente para a Indonésia, isto é, quando começar a matança para
valer, podemos chegar a 700 mil mortos."

Ele também faz, em "A Solução Final", uma crítica mordaz à iniciativa
do então presidente, o general Costa e Silva, em nomear uma comissão
para "estudar e propor medidas relacionadas com os problemas
estudantis no Brasil".

Com fingida seriedade, nessa crônica Carlinhos diz que o problema se
deve ao fato de os estudantes serem muito jovens. Sua "sugestão-bomba"
recomenda a militarização das escolas, com um modelo educacional
facista no qual "será considerado estudante todo brasileiro maior de
18 anos", "as mulheres não serão levadas em consideração", assim por
diante.

Em sua radiografia do cotidiano, o cronista não deixa de falar sobre a
efervescente vida cultural do país, sobretudo no Rio de Janeiro.
Manifesta-se contra a cultura de massa, em especial à televisão, que
chama de "ópio do povo".

Carlinhos discute sobre literatura, dedica uma crônica ao Marquês de
Sade, fala de Jean-Paul Sartre e do existencialismo, de Glauber Rocha
e o Cinema Novo. Fala sobre bossa nova e também sai em defesa do
tropicalismo. "Creio que tenho do tropicalismo uma idéia (ou intuição)
muito especial, mas raramente tenho acreditado tão firmemente em
alguma coisa", afirma em "Tropicalismo (II) Mergulho na Superfície".

Humor

"Até Carolina", crônica que abre o livro, oferece um aperitivo do tipo
de humor que o leitor encontrará em "Diário da Patetocracia". Nela, o
autor fala sobre a noite de réveillon na qual, ao ver "seis
quilômetros de velas acesas na areia" e as pessoas cultuando Iemanjá,
começou a refletir sobre as superstições e as crenças religiosas.

"A superstição filtrada pela inteligência, essa eu aprecio", escreve.
Em seguida, recorda-se do dia em que, como cicerone, levou um grupo de
jornalistas franceses a um terreiro de macumba. Ali, "empolgado pelo
baticum dos tambores", começou a balançar.

"Balançava para a frente, para trás. Iemanjá me forçava a ser pêndulo.
Então me ajoelhei e me batizaram. Cristão, católico apostólico romano,
pagão, filho de Iemanjá. Sou o mais ecumênico dos ateus", afirma.

Entre as situações banais, destaca-se a divertida crônica "O Drama do
Marido Baixo", na qual Carlinhos Oliveira relata uma crise conjugal em
função de sua baixa estatura. "Heloísa tem 1,75m, ao passo que sou
apenas dois dedos maior do que Napoleão Bonaparte."

Mais adiante, no mesmo texto, ele diz estar morando em um pequeno
hotel de Copacabana e, para provocar ciúmes na mulher, ameça publicar
o seguinte anúncio: "Escritor recentemente desquitado procura jovem e
formosa anã para fins de casamento sem motivações freudianas. Um metro
e meio no máximo - quando de saltos altos."

Como explica o jornalista e escritor Bernardo de Mendonça, em nota
introdutória a "Diário da Patetocracia", "das redações, das ruas - ou
preferencialmente ancorado na varanda do (bar) Antônio's, na mesma
Zona Sul carioca onde vivia boa parte de seus personagens e de seus
leitores - (Carlinhos) observou o Brasil e o mundo com uma dose extra
de independência que o levava a se meter em brigas indigestas,
polemizar e influir."

Gostaria de esclarecer de uma vez por todas que não escrevo crônicas.
Ponho o papel na máquina e começo a respirar. Se você acha que isso é
crônica, o problema é seu."
10 de janeiro de 1968

Estou aprendendo a escrever com Antônio Carlos Jobim. O maestro bate
um papo fantástico, crivado de imagens coloridas e que resvala para as
mais inesperadas divagações. Escrever como quem conversa com um amigo
é o ideal de todo escritor".
7 de novembro de 1968

Perfil

José Carlos Oliveira, mais conhecido como Carlinhos Oliveira, nasceu
em Vitória, em 18 de agosto de 1934. Aos 18 anos, em 1952, quando já
era conhecido no Espírito Santo por suas colaborações na impressa
local, partiu para o Rio de Janeiro, sem dinheiro no bolso e contra a
vontade de sua família. Naquele mesmo ano, tornou-se repórter
freelancer da revista "Manchete" e, dois anos depois, passou a chefiar
a revisão da "Manchete Esportiva". Ainda nos anos 50, atuou como
repórter e redator da revista "Cigarra" e dos jornais Diário de
Notícias, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca e também trabalhou em
agências de publicidade. Em 1961, iniciou sua colaboração, como
cronista, para o Jornal do Brasil, publicando um ano depois o seu
primeiro livro de crônicas, "Os Olhos Dourados do Ódio". Em 1972,
publicou seu primeiro romance, "O Pavão Desiludido". Seis anos mais
tarde, aos 34 anos, lançou seu livro mais bem- sucedido
comercialmente: "Terror e Êxtase", que expõe as relações, mediadas
pelo consumo de drogas, entre a classe média alta e a marginalidade
cariocas. Em 1985, Carlinhos Oliveira retornou a Vitória, onde dirigiu
uma oficina literária na Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes). Nesse ano, escreveu seu último livro, "Bravos Companheiros e
Fantasmas", que não chegou a ver publicado. Em 13 de agosto de 1986,
por complicações provocadas pela pancreatite que o atormentava desde o
final dos anos 70, o escritor morreu em Vitória, nas proximidades de
onde nasceu, na Cidade Alta.


http://gazetaonline.globo.com/jornalagazeta/caderno2.ag/caderno2_materia.php?cd_matia=413353&cd_site=86

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