O Conceito de Divulgação Científica

3 visualizações
Pular para a primeira mensagem não lida

Hannah BLUE

não lida,
15 de jan. de 2008, 22:55:1315/01/2008
para Midiateca da HannaH
O Conceito de Divulgação Científica
José Reis

A ciência me ensinou
Não existirem os fantasmas que eu
Em menino temia
No escuro, e que afastava assobiando

Ela mesma, porém
Outros fantasmas pôs em minha vida
É pena que esqueci
Meu jeito menino de assobiar


Tem sido objeto de especulação a data do nascimento da divulgação
científica. Situam-no alguns no século XVII, quando começou a surgir a
moderna ciência e o conhecimento dos sistemas do mundo passou a fazer
parte da educação das pessoas. Representativo desse esforço de
espalhar a ciência seria o livro de Bernier le Bovier de Fontenelle
"Entretiens sur la pluralitè des mondes", publicado em 1686. Criatura
extraordinária, esse sobrinho de Pierre Corneille foi nomeado
secretário da Academia de Ciências e assim entrou em contato com os
principais sábios de seu tempo, em particular os chamados filósofos
naturais, cujas idéias absorveu e procurou difundir.

Poderíamos então considerar Fontenelle como popularizador da ciência
se ele escrevia apenas para a aristocracia, que era a classe
interessada nesse tipo de conhecimento, e manifestava até a convicção
de que o conhecimento científico devia constituir o privilégio da
elite? Dedicando sua obra a uma gentil marquesa, que se supõe
imaginária, jamais escondeu que a massa ignorante não deveria ter
acesso aos "mistérios" a cujo respeito se informava entre os filósofos
naturais. Seu objetivo era, pois, aristocratizar a ciência, em vez de
massificá-la, como pretendem fazer os atuais divulgadores.

Não podemos, todavia, censurar o prestativo e culto Fontenelle pelo
raciocínio que desenvolveu. Como explicar ciência a um público maior,
se este era praticamente analfabeto? Somente com ampla difusão da
escola se alcançaria a real popularização do conhecimento.

Essas dúvidas levaram-nos a sustentar que a divulgação científica
encontra seus antepassados naqueles sofistas que, no dizer de Highet,
iam de cidade em cidade ensinando aos gregos "o que ne-nhum outro povo
do Mediterrâneo jamais aprendera, isto é, que o pensamento é, por si
só, uma das maiores forças da vida humana". Dir-se-á que aqueles
sofistas debatedores não ensinavam especificamente a ciência, mas a
arte de pensar e duvidar. O que a nosso ver os aproxima dos modernos
divulgadores é o empenho em mobilizar na população o conhecimento,
qualquer que seja ele.


A divulgação da ciência é essencial para a construção da sociedade

Diferentemente pensa a Dra. Laming, que em aprofundado estudo prefere
situar o início da divulgação em 1830, e na França. Muito nos agrada
registrar a localização, nesse País, do berço da atividade a que temos
dedicado tantos anos de nossa vida, porque foi em livros franceses,
originais ou traduzidos, que em nossos tempos jovens inundavam a
irrisório preço as livrarias brasileiras, que encontramos os primeiros
chamados para a ciência.

Como eram palpitantes aqueles livros, singelamente escritos pelos
maiores cientistas do mundo! Numa época em que as escolas pouco faziam
para dar aos estudantes um efetivo preparo científico, eles apareciam
como verdadeira benção a quem sentia dentro de si, ainda mal definida,
a paixão pelo conhecimento da natureza em termos objetivos.

O advento da Revolução Industrial trouxe o interesse por um tipo
especial de divulgação. Com o progresso técnico alguns homens de larga
visão entenderam conveniente dar aos mecânicos e outros profissionais
de mesmo nível conhecimentos básicos de ciência, para melhorar-lhes o
desempenho. A situação educacional da grande massa, de onde saíam
aqueles trabalhadores, ainda não permitia superpor-lhes uma formação
científica. Malogrou mais de uma tentativa nesse sentido, continuando
a ciência limitada aos seus artífices e a reduzida aristocracia no
século XIX.

Mudaram os tempos e a escolarização aumentou. Cresceu o interesse do
público por assuntos da ciência e muitos jornais os incluíram em seu
texto. Quando do lançamento do primeiro sputnik dobrou nos jornais
norte-americanos, segundo alguns, o espaço dedicado à informação
científica, que por vezes se infiltrou nas manchetes.

Diferenciou-se em certos países uma espécie de repórter científico,
espécie da qual Lorde Ritchie Calder, que começou sua carreira como
jornalista de polícia, e chegou a professor de relações
internacionais, constitui excelente exemplo. Não foi, todavia, fácil a
penetração da ciência pelo jornalismo puro. Houve sérias lutas e
graves desentendimentos, culpados ambos os lados, os jornalistas,
ainda pouco diferenciados para esse mister, muito preocupados com os
aspectos sensacionais da ciência, e os cientistas por vezes
demasiadamente zelosos quanto à precisão da informação, entendendo
caber no jornal o jargão por eles empregado em seus encontros com
outros cientistas. Foi a luta do sensacionalismo com a torre de
marfim.
Os progressos operados na própria imprensa e na mentalidade dos
cientistas permitiram que se chegasse a um razoável meio termo e até
animou o cientista a buscar com certa atividade a redação dos jornais
e assumir o encargo de escrever sobre sua ciência para o grande
público.

Olhando a lista dos prêmios Kalinga podemos ver que as duas categorias
se acham nela representadas. Se entre os cientistas se destacam um de
Broglie, um Lorenz, um von Frisch, um Gamow; entre os jornalistas
temos, além do citado Calder, o pioneiro Waldemar Kaempffert.
Examinando esse rol percebe-se ser maior o número de cientistas do que
de jornalistas agraciados, o que talvez se explique por serem, vários
dos cientistas premiados, verdadeiros apóstolos da disseminação da
ciência e do amplo debate de suas implicações políticas, econômicas e
sociais. Assim devemos encarar a presença de um Rabinowitch, fundador
do "Bulletin of the Atomic Scientidts", hoje "Science and Public
Affaire", de um Abelson, há tanto responsável pela revista "Science",
ou de um Piel, que fez o "Scientific American" o principal órgão de
alta divulgação no mundo mo-derno.

No Brasil a divulgação se implantou tardiamente, se é que podemos
dizer esteja ela firmada. Em nosso País, como em outros na faixa dos
ainda em busca de desenvolvimento, durante muito tempo se confundiu
com divulgação científica a informação técnica de natureza agrícola ou
sanitária, que em certas nações, segundo pudemos verificar num
seminário realizado em 1963 no Chile, ainda é a única atividade que
aparece regularmente com o título de divulgação científica. Esta é
algo diferente do transmitir orientação sobre como fazer em
determinadas situações.

A divulgação científica radicou-se como propósito de levar ao grande
público, além da notícia e interpretação dos progressos que a pesquisa
vai realizando, as observações que procuram familiarizar esse público
com a natureza do trabalho da ciência e a vida dos cientistas. Assim
conceituada, ela ganhou grande expansão em muitos países, não só na
imprensa mas sob forma de livros e, mais refinadamente, em outros
meios de comunicação de massa.

Recentemente um conhecido divulgador inglês, Maurice Goldsmith, hoje
quase exclusivamente preocupado com os problemas mundiais de política
de ciência, de que trata na revista "Science and Public Policy", que
dirige, proclamou que a popularização da ciência, nos termos que
acabamos de referir, perdeu sentido no mundo atual, que por tantos
meios enseja ao cidadão comum sentir o progresso da ciência e sua
natureza. Em lugar desse tipo de popularização o que importaria hoje
fazer seria a promoção do debate em torno das implicações sociais,
políticas e econômicas do progresso científico, mobilizando para isso
uma classe que a divulgação em geral tem mobilizado pouco, os
cientistas sociais.

Não disse novidade Goldsmith, pois em mensagem que enviamos ao I
Congresso Ibero-americano realizado em Caracas salientáramos a
imperiosa necessidade desse tipo de ação, que deve acordar o público e
os cientistas para as responsabilidades que a ciência acarreta para
uns e outros. É impossível aceitar, porém, a drástica conclusão de
Goldsmith, que aliás reconhece o seu exagero. Pelo menos em países que
se acham no estado de desenvolvimento do nosso, a experiência diz que
a ciência divulgada pelo jornal encontra muitos consumidores que a ela
não teriam fácil acesso.

Não podemos perder de vista nossas deficiências educacionais. A
divulgação criteriosamente feita nos jornais e nas revistas serve para
preencher lacunas de formação básica ou mesmo específica. Segundo nos
relatou o Prof. Paulo Sawaya, nossos artigos de divulgação eram uma
das principais fontes de informação atualizada dos professores que
concorriam ao ingresso no magistério secundário.

Tantos anos depois de havermos começado, não é sem muita alegria que
encontramos, hoje, professores eminentes que dizem have-rem encontrado
sua vocação em artigos que escrevemos. E que notamos não serem poucas
as pessoas que, partindo da informação dada nesses artigos, encontram
a pista para a solução de problemas por vezes graves, até mesmo de seu
relacionamento com os profissionais a que os confiam.

Esse aspecto configura uma face interessante da divulgação científica,
que continua muitas vezes em correspondência particular, uma vez que
nem todos os assuntos podem transformar-se em artigo de jornal, tão
limitado o seu interesse.

Minha conclusão é a de ser a divulgação científica uma atividade útil
e necessária, que mereceria apoio ainda maior do que já tem, que
justificaria muito maior empenho a fim de tornar cada vez menor o
desperdício de informação científica, que hoje é muito grande, segundo
Thistle, pois numerosas são as barreiras que se interpõem entre a
descoberta e o conhecimento científico, de um lado, e sua comunicação
e absorção pelo público de outro (barreira do próprio conhecimento
limitado do cientista, barreira de linguagem, barreira do segredo
profissional, barreira da imprimibilidade, barreira natural do
auditório). Mereceria ela, a meu ver, maior compreensão dentro das
universidades, como atividade extracurricular que, sem dúvida, é das
mais importantes, e como esforço, dos mais dignos, de educação do
homem comum e de sua integração mais segura na sociedade a que
pertence, tão profundamente influenciada pela ciência e pela
tecnologia.


Fonte:
http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/espiral/more32a.htm
Responder a todos
Responder ao autor
Encaminhar
0 nova mensagem