Hannah BLUE
não lida,13 de mar. de 2008, 01:58:4313/03/2008Faça login para responder ao autor
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para Midiateca da HannaH
Nos desentendimentos amorosos, escolha entre a espada e a harpa
Ainda falando de amor romântico (análise iniciada no post anterior),
há outra razão, mais visível, mais concreta, para os desacertos nas
relações amorosas: os casais desejam o entendimento, mas sacam da
espada em vez de recorrer à harpa. A analogia é de Robert A. Johnson,
no livro We - A Chave da Psicologia do Amor Romântico: "A espada não é
capaz de construir relacionamentos; ela não pode resolver coisa
alguma; não pode unir as coisas; ela só consegue rasgar. Se você
quiser 'juntar os pedaços' e construir um bom relacionamento, então
vai precisar aprender a usar a linguagem da harpa. Você precisa dar
segurança à outra pessoa, expressar seu amor, seus sentimentos e sua
dedicação. Esta é uma lei absoluta: a espada fere e separa; a harpa
une e cicratiza" (Johnson, 1989, pág.54).
A espada simboliza o intelecto, a lógica. A harpa, o sentimento, o
lirismo, a intuição e o não-racional. "Deixar a espada significa parar
de tentar entender pelo intelecto ou pela lógica, parar de tentar
forçar as coisas. Usar a harpa significa esperar pacientemente, usando
a voz suave que vem de dentro, esperar pela sabedoria que vem não da
lógica ou da atividade, mas do sentimento, da intuição, do não
racional e do lírico" (idem, pág.58).
E para que ambos recorram à harpa em vez de usarem a espada é
necessário que o lado feminino esteja participando; que o lado
feminino atue, tanto no homem quanto na mulher. Na atuação clínica, os
psicólogos junguianos conduzem a essa integração recorrendo,
principalmente, à imaginação ativa e trabalhando com os sonhos do
paciente.
Obviamente, o livro citado vai muito além dessa analogia. Trata-se de
uma análise teórica acerca da psicologia do amor romântico; busca
revelar a chave secreta para desvendar o mistério dessa nossa
dimensão. Resumidamente, na visão de Johnson, a chave é a percepção de
que o amor romântico está relacionado com o desejo de elevação
espiritual, a aspirações religiosas originárias de resquícios do amor
cortês ou courtezia, a crença medieval de que o amor verdadeiro devia
ser a adoração extática de um homem por uma mulher e vice-versa, sendo
o ser amado a imagem da perfeição. Em decorrência dessa herança,
fazemos projeções inconscientes que dificultam o entendimento.
O "amor cortez", vigente no século XII e descrito na literatura pela
primeira vez no mito de Tristão e Isolda, tinha três características.
A primeira era a impossibilidade de haver relacionamento íntimo ou
sexual entre o cavaleiro e a dama; o envolvimento era de natureza
ideal, espiritual, com a finalidade de levá-los a cultivar sentimentos
refinados e sutis; a atração física deveria ser sublimada.
A segunda exigência do amor cortêz era que jamais cavaleiro e dama se
casassem. Em razão disso, era comum a dama ser casada com outro
cavaleiro, podendo o cavaleiro, mesmo assim, adorá-la , tratá-la como
uma divindade, tornando-a alvo de suas aspirações espirituais. Aliás,
era esse o verdadeiro propósito do amor cortêz, conduzir os dois à
elevação, à capacidade de transcender sensações e sentimentos.
A terceira exigência era que ambos deviam manter acesa a paixão,
fazendo arder intensamente a chama do desejo um pelo outro, mas
esforçando-se para espiritualizar esse sentimento. Os dois deveriam
ser símbolos do mundo arquetípico divino e nunca reduzir a paixão aos
aspectos mundanos do sexo ou do casamento.
O amor romântico procede daí, isto é, começou como busca de elevação
espiritual. Inconscientemente, procuramos ainda este mesmo caminho nas
nossas relações amorosas. Esse ideal de amor cortêz se apoderou de
nosso psiquismo e se tornou uma força arquetípica inconsciente com
grande repercussão na nossa vida.
O impulso religioso é uma busca pela totalidade, pelo self. Quando uma
pessoa se torna objeto de adoração de outra, ela adquire um poder
numinoso, um potencial divino para dar luz à ao ser que a ama - ou de
apagar a luz, quando a paixão termina. O ser amado é visto como imagem
e símbolo de Deus (imago dei). Ao valorizar tanto e buscar com
desenfreada ânsia o amor romântico, o homem ocidental está na verdade
buscando sua totalidade, perseguindo aspirações religiosas.
Acontece que o homem atual nega suas aspirações espirituais,
influenciado por idéias de cientificismo distorcido e super
valorização do que é concreto, objetivo e material, em detrimento das
questões do espírito, das verdades subjetivas da alma. Há uma
valorização exagerada do poder de produção, da necessidade de
controlar, possuir e consumir. Os anseios espirituais estão relegados
aos subterrâneos da alma. Mas eles se fazem presentes, se manifestam
como força inconsciente nas nossas projeções, nos êxtases e
desesperos, nas paixões e em outras reações envolvidas no amor
romântico.
Negado, reprimido, o instinto religioso se desloca para onde ele pode
atuar: os envolvimentos amorosos. "O mundo da alma e do espírito, a
força irresistível da potencialidade religiosa da psique,
abruptamente, invade o mundo comum dos relacionamentos humanos. Aquilo
que sempre desejamos - a visão de unidade e do supremo propósito - nos
é, de uma vez, desvelado na forma de outro ser humano" (Johnson, 1989,
página 90).
Em razão disso, novelas, livros, filmes, peças de teatro, músicas e
qualquer "produto" que explore as intensas paixões fazem tanto
sucesso. Mas é também por isso que geralmente fracassam nossos
esforços em ter casamentos e relações perfeitos. Esses envolvimentos
estão contaminados de projeções e aspirações vigorosas e
desconhecidas. Pegamos nosso anseio de totalidade e o projetamos nos
nossos amores, um redirecionamento de energias que tende a falhar
porque cada um deve ser pleno e total em si mesmo. Se acreditamos,
inconscientemente, que nosso parceiro ou nossa parceira tem obrigação
de nos manter sempre feliz, de tornar nossa vida plena, vamos exigir
muito do outro, vamos cobrar atitudes e resultados impossíveis de
serem atingidos.
Referências bibliográficas:
. Edinger, Edward F. Anatomia da Psique: O Simbolismo Alquímico da
Psicoterapia. São
Paulo, Editora Cultrix, 2005.
. Johnson, Robert A. Imaginação Ativa (Inner Work): como trabalhar com
sonhos,
símbolos e fantasias. São Paulo, Editora Mercuryo, 2003.
. _________ . We: A Chave da Psicologia do Amor Romântico. São Paulo,
Editora
Mercuryo,1989.
. Jung, C. Gustav. Psicologia e Religião. Petrópolis (RJ), Ed. Vozes,
1984.
. ________ . Memórias, sonhos e Reflexões. São Paulo, Ed. Nova
Fronteira, 2005.
. Stein, Murray. Jung, o Mapa da Alma. São Paulo, Editora Cultrix,
2006.