O Poder do Boato na Divulgação Científica

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Hannah BLUE

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15 de jan. de 2008, 23:00:1415/01/2008
para Midiateca da HannaH
O Poder do Boato na Divulgação Científica
Ricardo Régener *

"O ser humano usa apenas 10% do seu cérebro", diz a professora
secundária em sala de aula, orgulhosa de trazer uma informação
relevante aos seus alunos: "Segundo estudos Einstein usava por volta
de 12% da capacidade, já pensaram se usassemos toda nossa
capacidade?", completa a docente sob um clima de "óoo" dominando a
classe. O pobre aluno, firme sob a égide de que é segura a informação
passada por um profissional dentro de uma sala de aula, reproduzirá
ingenuamente a informação a seus colegas na próxima roda social em que
alguma deixa leve ao assunto, com direito ao uso do chavão "estudos
indicam que", e todos os demais mecanismos de referenciamento que
pretendem-se científicos. Se nada for feito até lá, é provável que no
futuro, quando estiver numa roda acadêmica, o tal indivíduo use da
mesma máxima enquanto conversa com seus colegas.

Recentemente também circulou com sucesso na Internet a história de que
"segundo cálculos de astrônomos (sic), na noite de 27 de agosto Marte
estará na sua posição mais próxima da Terra e poderá ser visto do
mesmo tamanho da Lua, esse fenômeno só acontece a cada 73 mil anos". A
mensagem era acompanhada de gráficos e infográficos "oficiais" e
aparentava-se tão fidedigna, que pessoas chegaram a marcar encontros
para apreciar o famigerado fenômeno, que não aconteceu, por razões
óbvias.

O poder de boatos infundados que ganham riqueza de detalhes e
verossimilhança a medida que vão sendo passados já causaram efeitos
poderosos: divórcios, brigas entre amigos, pequenos desencontros até
queda de governos, colapsos econômicos, vitórias e derrotas em
eleições, desfechos de guerras. Não obstante o poder da fofoca na
história, a medida que a Divulgação Científica avança, o poder da
mentira que torna-se verdade demonstra-se um fenômeno prejudicial, mas
sobretudo interessante também na Ciência.


O boato cria falsas verdades científicas

Há apenas poucas décadas estudiosos começaram a se interessar pelo
estudo do boato, suas causas, seus mecanismos e suas conseqüências.
Edgar Morin, grande sociólogo, dissecou em 1969 a história de um boato
que assustava os moradores de Órleans, na França: informações
amplamente divulgadas davam de que os donos de uma boutique estavam
envolvidos com o tráfico de mulheres; com requintes de minúcias, dizia-
se que ao entrar nos provadores da loja as clientes eram sedadas e
violentadas. Com o tempo, provou-se que a notícia era absolutamente
infundada, no entanto, isso não impediu que as vítimas do boato
sofressem sérias conseqüências em função dele: ocorre que os donos da
loja eram judeus, e no caso a notícia refletia certos anseios do
público que, em sua falta de conhecimento, desconsiderava a
necessidade e a importância de constatar se uma notícia procede ou
não.

Edgar Morin conclui que as chamadas "mentiras que tornam-se verdade"
ploriferam-se com facilidade em grupos isolados e com pouco acesso a
informações, e que podem ser também uma materialização de
preconceitos, medos, desejos e fantasmas sexuais que assolam
determinados grupos humanos. Não é de se assustar o fato de que a
maior parte das "lendas científicas" que ganham notoriedade e tornam-
se como verdades dizem respeito a uma pretensa exacerbação das
qualidades e dos feitos da espécie humana. O "isolamento do mundo" e a
"falta de acesso a informações" que servem como adubo a boatos de
qualquer natureza, equivalem, no universo científico, a uma formação
deficitária que não prioriza a curiosidade, a apuração de informações
e o ensino elementar de qual é o método científico e quais são os seus
instrumentos de trabalho. Dessa maneira, a divulgação científica
séria, inteligível, porém sobretudo comprometida com os pilares do
conhecimento científico, pode estar em competição com um conhecimento
altamente falível, sustentado unicamente na base de jargões
lingüísticos frágeis, mas que sustentam grandes engodos: "estudos
comprovam que...", "segundo pesquisas...", são chavões que vêm das
periferias ingratas da divulgação científica, e para os desavisados
têm em si o estranho poder de dar respaldo a qualquer informação, por
mais infundada que estas sejam.

Quando se fala em popularizar a ciência, não se deve pensar em fazê-lo
a qualquer custo: o ensino de ciências sem a iniciativa de
conscientização geral dos mecanismos básicos científicos pode tornar a
divulgação científica desconexa, confusa, permitindo que a ciência
seja levada "ao gosto do público", tenha seus conceitos deixados ao
relento e seja confundida com outras histórias, tradições e
conhecimentos que podem representar muito do inconsciente coletivo e
dos anseios de uma população, mas passam longe do que realmente é
objeto de estudo da ciência.

Em tempo: nunca houveram pesquisas que evidênciassem de que a AIDS
seria uma doença transmitida por macacos aos seres humanos por contato
sexual, e a Grande Muralha da China não é a única construção humana
vista a olho nu da Lua.


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* Ricardo Régener é graduando em Jornalismo da ECA-USP e editor do
Núcleo José Reis de Divulgação Científica.

Fonte: http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/espiral/papiro32b.htm

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