EDILSON CAZELOTO
Este artigo visa articular as categorias de "Glocal" e "Império",
ressaltando a centralidade dos processos
comunicacionais na reprodução ampliada do capitalismo contemporâneo. A
análise, simultaneamente
cultural e política, busca interpretar como a intersecção de forças
globais e locais atua na construção de uma
nova subjetividade, ligada às necessidades de um modo de produção
calcado na circulação de valores
simbólicos.
Palavras- chave: glocal; império; capitalismo; cibercultura;
comunicação
* Doutorando, membro do CENCIB - centro interdisciplinar de pesquisas
em comunicação e cibercultura -
do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo
2
3
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as ciências humanas vêm travando um debate intenso
sobre a
singularidade histórica das sociedades contemporâneas. A diversidade
de conceitos-chave
introduzidos nos mais diversos trabalhos desde, pelo menos, a segunda
metade do século
XX (tais como capitalismo tardio, capitalismo pós-industrial, pós-
fordismo, capitalismo
imaterial, economia-mundo etc) ilustra a pluralidade de visões sobre o
tema1. Mesmo sem
que haja consenso firmado em torno da natureza e extensão dessas
mudanças, a noção
predominante é a de que o capitalismo expandiu-se por toda a
superfície do globo, ou,
como diz Jameson, ultrapassou as derradeiras fronteiras e colonizou a
natureza e o
inconsciente (JAMESON, 2002). Tal expansão (e suas conseqüências)
implicam mudança
qualitativa na compreensão desta nova fase.
Se não é nenhuma novidade o fato de que os meios eletrônicos de
informação e
comunicação jogam um papel decisivo neste contexto (seja pelo fluxo de
dados diuturno
necessário ao mercado de capitais, seja por difundir em escala global
as mercadorias e o
desejo necessários ao mercado de consumo), parece faltar à área de
Comunicação uma
visão mais consistente sobre a centralidade de seu objeto de estudo na
reprodução e
sustentação do capitalismo em sua nova fase. Em outras palavras, é
tarefa premente
daqueles que tomam a comunicação por objeto de pesquisa responder à
questão: em que
medida e sob quais procedimentos, a comunicação, mediada pelos
equipamentos
eletrônicos e, mais recentemente, informáticos, relaciona-se com as
atuais transformações
no modo de produção capitalista? Uma vez que tais mutações são
impensáveis fora dos
parâmetros da circulação global de informações, a área de comunicação
tornaria-se local
de fala privilegiado na análise de todo o contexto.
A farta bibliografia que trata dos meios eletrônicos de massa (mais
precisamente,
o rádio e a televisão) produziu (e ainda produz) uma grande quantidade
de textos críticos
capazes de permitir uma visão de conjunto das relações entre estes
meios e o modo de
produção, talhando conceitos-chave como o de "indústria cultural".
No entanto, devido a uma debilidade dos estudos críticos realizados
sobre o
ciberespaço, resta pouco explorado o papel dos meios eletrônicos
interativos (mais
precisamente, os computadores e outras tecnologias capazes de rede) no
contexto do
capitalismo contemporâneo. Tudo se passa como se a fascinação pela
linguagem e pelos
aspectos estéticos dessas novas tecnologias obliterasse a reflexão
mais aprofundada e
menos triunfalista de suas relações com o meio social e político
(TRIVINHO, 2001b,
4
p.153 e 154). Maior é a gravidade desta constatação se for levado em
conta o fato de que,
apesar de recente e largamente concentrada, as formas de comunicação
digital-interativas
são o vetor de organização dos novos arranjos de produção e difusoras
privilegiadas do
imaginário contemporâneo, ao menos nos enclaves economicamente
privilegiados das
sociedades industrialmente desenvolvidas. Mesmo diante da insofismável
baixa
penetração dos media interativos no planeta como um todo, a alta
concentração de acesso
nas áreas economicamente mais desenvolvidas basta para levantar a
hipóteses de que
essas tecnologias atuem como "ponta de lança", força de vanguarda na
reconfiguração do
capitalismo transnacional.2 Os computadores não estão em toda parte e
talvez nunca
cheguem a ter a penetração obtida pelo rádio e pela televisão mas,
mesmo assim, atuam
como formas privilegiadas na organização das áreas mais avançadas do
capitalismo,
produzindo sobre as demais uma sobredeterminação simbólica e material
e erigindo um
horizonte-meta, para o qual convergem os esforços e os investimentos
de estados e
organizações da sociedade civil3.
No intuito de colaborar para a superação dessa lacuna, usaremos a
noção de
glocalização da experiência cotidiana talhada por Trivinho (2001a)
como forma de ligar
as características da comunicação em redes informáticas ao ambiente
sócio-político das
sociedades contemporâneas. Neste âmbito, articularemos as categorias
de "Império" e
"Glocal"4, pretendendo fazer avançar a compreensão das implicações
mútuas entre o atual
estágio do capitalismo e o ciberespaço, na medida em que o estudo das
estruturas políticoinstitucional-
econômico globais ("Império") colabora para a concretização e
historização
do glocal, ao mesmo tempo em que a generalização do glocal colabora
para a superação
das lacunas do conceito de "Império". Trata-se, portanto, de uma
leitura política do
glocal, simultânea a uma leitura comunicacional do "Império".
Para iniciar essa análise, será útil uma breve incursão à teoria do
capitalismo
contemporâneo como "pano de fundo" para o desenvolvimento das noções
acima.
2. CAPITALISMO TARDIO E IMPÉRIO
Buscando apreender o que o momento atual possui como característica
distinta,
tanto no âmbito da economia quanto da sociedade, Jameson propõe a
plena atividade de
instituições e mecanismos nas sociedades contemporâneas que estariam
modificando a
própria forma do capitalismo. Não se trata de uma ruptura, mas de uma
continuidade em
aprofundamento e expansão. Sua face mais visível é, sem dúvida, o
crescimento
vertiginoso das empresas transnacionais, mas também
5
(...) a nova divisão internacional do trabalho, a nova dinâmica
vertiginosa de transações bancárias
internacionais e das bolsas de valores (incluindo as imensas dívidas
do segundo e do terceiro
mundo), novas formas de inter-relacionamentos das mídias (incluindo os
sistemas de transportes
como a conteineirização), computadores e automação, a fuga da produção
para áreas desenvolvidas
do terceiro mundo, ao lado das conseqüências sociais mais conhecidas,
incluindo a crise do
trabalho tradicional, a emergência dos yuppies e a aristocratização em
escala agora global.
(JAMESON, 2002, p. 22 e 23)
Aprofundando sua análise, Jameson conclui que uma das mais notáveis
mutações
do chamado capitalismo tardio5 é que esse opera com uma lógica
cultural. A cultura é a
lógica do capitalismo tardio, uma vez que, nas sociedades
contemporâneas, todos os
eventos, da economia à política, passando pelo próprio psiquismo,
podem ser
considerados "culturais", no sentido de operarem a transformação do
"real" em simulacros
e imagens (JAMESON, 2002, p. 74). Questionando a proposição
(tipicamente
mecanicista ortodoxa) do marxismo tradicional de que a infraestrutura
(a economia)
determina a superestrutura (o universo cultural lato senso), Jameson
propõe que, no
cenário atual, são as formas culturais que organizam o modo de
produção.
É radicalizando esta tendência que Baudrillard vai alertar para o "fim
da era da
produção" em que, desconectado de seus referenciais concretos "o
capital já não é mais da
ordem da economia política: ele usa a economia política como modelo de
simulação"
(BAUDRILLARD, 1996, p. 8). O capital é, antes de tudo, uma relação
entre signos
(código), desprovido de significado e finalidade, não referindo-se
mais a um "real".
No plano empírico, vemos esse movimento expresso, por exemplo, na
explosão do
valor das marcas (um logotipo pode valer mais que um parque
industrial), na obsessão
pela mais-potência informática (a velocidade como produto independente
de qualquer uso
ou necessidade concreta), na bilionária indústria do marketing e na
publicidade, todas
formas de valorização do capital que prescindem da exploração
intensiva do trabalho ou
do melhor aproveitamento de insumos..
As tendências captadas por Baudrillard e Jameson. apontam para um
cenário em
que a valorização do capital deriva de uma certa fluidez dos signos
postos em circulação.
No entanto, essa tendência à desmaterialização do capital não implica
que, liberto dos
constrangimentos da circulação concreta (máquinas e insumos) e do
espaço físico (canais
de distribuição e fábricas), o capital passe a fluir sem impedimentos
de ordem política ou
econômica. Relações hierárquicas, pólos de produção, zonas
privilegiadas,
regulamentações jurídicas e toda um conjunto articulado de mecanismos
supraestatais
6
exigem que a noção de que a lógica cultural e imaterial do capitalismo
seja
complementada pela constatação de que esse movimento obedece a um
fluxo específico e,
ainda que não possa ser circunscrito, possui um campo difusor
indeterminável
geograficamente a partir do qual lança-se pela civilização global
mediática em busca das
rentabilidades mais favoráveis6. Um primeiro momento para a análise
desse campo
produtor pode partir da idéia de Hardt e Negri (2000) de que vivemos
sob a influência de
um "Império", o qual determina (ou, pelo menos, condiciona) as "regras
do jogo" em
escala global.
O "Império" não é um estado em particular, mas um conjunto de
instituições com
a capacidade (militar, política, econômica, mas também comunicacional)
de influenciar
legislações locais, normas de comércio, formas de produção, aplicações
de recursos,
empregabilidade de insumos, trânsito de mercadorias e serviços etc. O
sucesso ou
fracasso destas intervenções modula o fluxo do capital, as áreas
economicamente
privilegiadas e a relação de forças entre Estados.
Não é o objetivo deste trabalho realizar uma crítica (de resto
necessária) ao teor
ideológico da noção de "Império" de Hardt e Negri. Deve-se reter, no
entanto, a idéia que
a "lógica cultural" do capitalismo global não pressupõe um livre fluxo
de influências, mas
obedece a difusão estabelecida por mecanismos nacionais e
internacionais não-isoláveis
que constituem o "Império" (empresas multinacionais, organizações e,
eventualmente,
estados economicamente dominantes), embora sempre sujeito a variações,
acelerações e
desacelerações. O caráter imaterial desse intercâmbio, a complexidade
das redes de troca
e a dinâmica do mercado são alguns dos fatores que impossibilitam a
circunscrição
inequívoca de um "emissor", da forma como o tratam os tradicionais
modelos de
comunicação (e na forma da geopolítica tradicional). No seu lugar,
surge uma certa
"região difusa", pressuposta logicamente, mas com contornos e
dimensões indecidíveis.
Esse caráter movediço desautoriza o simplismo de "teorias
conspiratórias" para
uma manipulação em escala global, destinada a atender os interesses
implícitos ou
explícitos das corporações multinacionais ou de um estado específico -
embora os autores
sempre façam questão de ressaltar a notável a presença das empresas e
instituições dos
Estados Unidos. A própria indeterminação das fronteiras do "Império" e
a instabilidade
de seus atores faz com que ele seja permeável a fluxos antagônicos
(tratados por Hardt e
Negri como forças "contra-imperiais"). Portanto, as fronteiras do
império não são
determinadas geograficamente, à maneira cartográfica, mas como um
"campo", mais
afeito à metáfora de modelo atômico, no qual atuam forças
contraditórias.
7
Os fluxos comunicacionais (ou seja, a própria essência "cultural" do
capitalismo
tardio) são propagados por todos os cantos do mundo a partir dos
resultados dos embates
neste campo de forças. Para esta propagação, são utilizados um
conjunto de mecanismos
em todos os níveis da sociedade. O "Império" se faz presente e
influente desde a formação
das grandes linhas macro-econômicas até o nível do indivíduo, atuando
na formação de
subjetividades. Seu poder está enraizado e disperso em toda a
sociedade, cristalizado nas
instituições, na práxis e no desejo de cada um de seus "cidadãos".
3. OS MEDIA E O GLOCAL
Que os meios de comunicação eletrônicos desempenharam (e continuam
desempenhando) um papel fundamental na construção desse cenário,
colaborando tanto
para a desmaterialização do capital quanto para a formação do
"Império" é fato
conhecido. Televisão, rádio e cinema já foram exaustivamente
criticados pelo seu caráter
"imperialista" e pela destruição de formas culturais locais. Mas é com
o advento dos
media interativos que a questão se reescalona, escapando das análises
tradicionais.
Essa passagem, dos media de massa para os media interativos,
representa um salto
qualitativo, uma vez que coloca em jogo mudanças estruturais de monta
nos efeitos
sociais dos processos de comunicação. Não se pode ignorar que os media
de massa
ocuparam (e talvez ainda ocupem, principalmente nas regiões
periféricas onde a expansão
do ciberespaço é insuficiente) um papel central no desenvolvimento do
capitalismo
contemporâneo. No entanto, para consolidar algum avanço na questão das
relações entre
capitalismo e comunicação na atualidade, é necessário analisar os
media interativos em
sua especificidade, como ambiente fértil para a expansão da lógica
cultural do capitalismo
tardio. Para tanto, utilizaremos a noção de glocal.
A idéia de glocal é desenvolvida, no contexto mediático avançado7, por
Trivinho 8.
O conceito de glocal oferece uma chave de leitura privilegiada para a
análise o conjunto
dos processos sócio-econômico-culturais contemporâneos porque "(...) o
fenômeno glocal
é, do ponto de vista social-histórico, o selo original, o sinete
genuíno da civilização
mediática, a sua face inconfundível e inelidível, capaz de diferi-la,
no fundamental, das
outras fases sociotecnológicas" (TRIVINHO, 2001a, p.76)
Como o próprio nome sugere, "glocal" é uma justaposição de uma esfera
global a
uma esfera local: a partir de um meio de comunicação operando em tempo
real
(prioritariamente o tempo real do ciberespaço ou o tempo real "live"
da televisão9) cria-se
um ambiente glocalizado, no qual o sujeito se vê imerso em um contexto
8
simultaneamente local (o espaço físico do acesso, mas também o seu
meio cultural) e
global (o espaço mediático da tela e da rede, convertido em
experiência subordinativa da
realidade)10. Sem o fenômeno da glocalização, suporte comunicacional
das trocas em
escala global, a derrubada das fronteiras para a circulação de
produtos, serviços, formas
políticas e idéias estaria prejudicada ou impossibilitada. Mas como
essa constatação
relaciona-se com a idéia de "Império"?
Segundo Hardt e Negri, o "Império" exerce e auto-legitima o seu poder
através de
"intervenções" nos espaços econômico, militar e jurídico (acrescente-
se, também político
e cultural). Essas intervenções atuam de maneira supranacional e são
expressas por
políticas macro-econômicas, flutuações nos mercados financeiros,
invasões armadas,
financiamento de exércitos, normas de direito internacional, programas
de ajuda
"humanitária", leis de comércio exterior etc.
Dentre essas, destaca-se a chamada "intervenção moral", considerada "a
linha de
frente da intervenção imperial". As forças dominantes num dado momento
histórico
possuem a capacidade de disseminar e naturalizar uma certa visão de
mundo, com seus
valores e moralidade intrínsecas (Gramsci referia-se a essa capacidade
como o exercício
da hegemonia que, grosso modo, pode ser compreendido com a capacidade
de fazer valer
o particular como se fosse universal). O exemplo mais claro disso é a
expansão da idéia
de democracia política e do "livre" mercado de trocas11. A intervenção
moral relacionase
claramente com a idéia de glocal, não apenas porque se dá de maneira
mais direta nos e
pelos meios de comunicação12 , mas porque essa modalidade vai
repercutir na visão de
mundo e na ação concreta dos indivíduos formando o "pano de fundo" ou
as condições de
racionalidade do agir local e cotidiano. Ao incidir diretamente na
formação das
subjetividades13, a glocalização da experiência consegue criar as
condições para sua
própria reprodução, tornando-se não apenas hegemônica, mas auto-
legitimadora14.
Porém, a análise do glocal não deve reduzi-lo apenas à hibridização
mecânica dos
contextos mediático e geográfico, nem a um meio de "subordinação". É
necessário
desenvolver uma certa "sociologia do ambiente glocalizado" uma vez que
o glocal, no
contexto do capitalismo tardio imaterial, torna-se um modo
privilegiado de experiência da
realidade e o modo como se organizam as sociedades contemporâneas
tecnologicamente
avançadas. (TRIVINHO, 2001a, p.64). O glocal reescalona a percepção do
local e do
global.
Percebe-se que essa compreensão do glocal sustenta a noção de
"Império": este
não pode realizar-se nem expandir-se sem uma lógica cultural
subjacente que permita lhe
9
permita a disseminação, mesmo que essa disseminação não ocorra sem
resistências. O
mais importante (e o diferencial da teoria do "Império") é que o
consenso é produzido
sem violência física (fora casos-limite), sem a ocupação por tropas e
sem a tomada dos
estados "externos". O "Império" se expande de forma biopolítica15
(agindo no corpo:
moldando gestos e comportamentos, percepções e sentidos), sustentado
pela glocalização
da experiência. Como já foi frisado, essa lógica cultural tem como
vetores de ação os
meios de comunicação offline (como a media impressa e o cinema) e os
veículos
eletrônicos de massa (rádio e televisão, principalmente), mas ganha
uma nova
especificidade e eficácia com as tecnologias capazes de rede,
acentuando com novas
colorações o fenômeno da "glocalização da experiência".
A glocalização da experiência, iniciada pelos meios eletrônicos
operando em
tempo real, só vai atingir a plenitude no contexto dos media
interativos. Não se trata mais
de "alienação" ou "massificação", termos largamente utilizados na
crítica dos modelos
comunicacionais anteriores: trata-se agora da "subjetivação", a
integração do sujeito aos
fluxos, e portanto, à axiologia do mercado imaterial. Nos modelos
anteriores ("alienação"
e "massificação") ainda persistia a idéia de um indivíduo externo,
alvo de "manipulação",
"indução", "influência". Mas a glocalização da experiência pelos meios
interativos anula a
distância entre o indivíduo e o meio (pelo fenômeno da
"interatividade"), trazendo o
indivíduo o para o interior do processo. Os pares dicotômicos emissor/
receptor,
produtor/consumidor, conteúdo/audiência perdem o sentido em proveito
de um único
mercado no qual os signos são transformados em capital16, em estrita
obediência à lógica
do "Império". Deste ponto de vista, o "usuário" da rede glocalizada
põe-se,
simultaneamente como produtor, consumidor e produto. É o usuário que
dá sua
subjetividade, na forma de signos, como produtos a serem consumidos
por outros
usuários, em benefício da lógica imperial.17
4. A FORMAÇÃO DAS SUBJETIVIDADES
Trata-se, neste momento, não mais de um "fazer-fazer", mas de um
"fazer-ser".
Não mais uma relação de produção/acumulação (consumo) mas uma forma de
circulação/integração (adesão). É essa via de integração extremamente
capilarizada que
permite ao "usuário" ser convertido em um nó da rede de influência do
"Império", como
sugerem Negri e Hardt:
10
As grandes potências industriais e financeiras produzem, desse modo,
não apenas mercadorias mas
também subjetividades. Produzem subjetividades agenciais dentro do
contexto biopolítico:
produzem necessidades, relações sociais, corpos e mentes - ou seja,
produzem produtores
(HARDT e NEGRI, 2000, p.51)
A formação de subjetividades (ou de produtores biopolíticos, na
terminologia que
Hardt e Negri tomam de empréstimo à Foucault) é o modo como a
glocalização da
experiência serve de sustentação e fator de expansão do "Império".
Este "fazer-ser", no
âmbito das relações políticas, econômicas e culturais, é a resultante
da ação (intencional
ou não) de atores concretos, que convergem no próprio corpo do usuário
pela imersão no
ambiente glocalizado, tendo aí o seu caráter de biopolítica18.
Uma vez que o fenômeno glocal engloba e amplia a noção de "Império"19
e
aceitando a hipótese de que esse atua na forma de "intervenções"20
sugere-se que o modo
de agir biopolítico da glocalização da experiência seja também uma
forma de
"intervenção". Essa forma específica, que contém a intervenção moral,
mas que não se
reduz a ela, será denominada "intervenção volitivo-pragmática".
Destaque-se que a
predicação "volitivo-pragmático" refere-se não à intervenção em si,
mas aos efeitos
produzidos por sua ação na formação de subjetividades. Trata-se de
propor que, se os
mecanismos do "Império", em geral, são capazes de disseminar,
naturalizar e legitimar
valores pela intervenção moral, a especificidade da atuação do glocal
é a modulação de
outras dimensões fundamentais do indivíduo, mais relacionadas à
biopolítica: o desejo e a
práxis. Não se trata de manipulação ou indução, mas de delimitação do
espaço de
inserção e criação dos pressupostos sobre os quais o indíviduo tende a
agir. A intervenção
volitivo-pragmática é o modo como o "Império" dissemina sua visão
tanto do que é
"desejável" (em termos de valor), quanto do que é "possível" (em
termos de ação). Essa
disseminação se dá de maneira mais acentuada por meio dos dispositivos
capazes de rede,
uma vez que esses anulam a distância entre o meio e o sujeito.
Portanto, a glocalização da experiência leva a termo o
"assujeitamento", formando
a subjetividade que será o paradigma do capitalismo tardio. Como não
estamos mais na
dimensão da produção/consumo, é importante ressaltar que a intervenção
volitivopragmática
molda um sujeito-padrão, que será o horizonte para todos os "cidadãos
do
império", independentemente de suas possibilidades econômicas reais.
Essa subjetividade
será a referência de identidade, mesmo para as parcelas
"desconectadas" dos media
interativos21.
11
O que esse enfoque permite é iluminar os mecanismo pelos quais é
permitido ao
capitalismo a "colonização do inconsciente e da natureza": a
experiência glocalizada,
dominante nos centros urbanizados do planeta, torna-se a referência
para a construção de
uma visão de mundo calcada na complexa síntese de geografia local e
ciberespaço.
Doravante a própria concepção da realidade e a percepção do desejo
passam a sofrer a
intermediação da lógica glocal 22. O processo, iniciado pelo rádio e
pela televisão, toma
seu contorno definitivo nos meios digitais, uma vez que eles permitem
a incorporação
desta subjetividade nos próprios fluxos, sob a forma da
"interatividade". Não é mais
necessária a divisão esquizofrênica entre emissor e receptor. Tudo que
circula nas redes é
signo e, portanto, tudo é produto.
Claro que essa dinâmica não está livre de contradições. A glocalização
da
experiência, ao mesmo tempo em que irradia a lógica capitalista do
"Império" (seus
desejos, práticas e valores), contém um contraponto possível a esta
mesma lógica, na
medida em que o glocal não é um fenômeno controlável. Como
salientamos, ele é o modo
de organização das sociedades capitalistas avançadas e, embora
repercuta na sociedade
mundial como um todo (mesmo nas zonas economicamente atrasadas e
desconectadas do
"Império"), está sujeito à mutações exatamente porque não encarna a
racionalidade de um
sujeito histórico específico. Assim, mesmo esse sujeito-padrão
glocalizado não se
confunde com a massa amorfa da indústria cultural. Ele é
pluridimensional, fractalizado23,
imprevisível. Porém, em todas as suas dimensões, relaciona-se de
alguma forma com o
capitalismo tardio imaterial: sua adesão é inelidível, ainda que
parcial. .
5. AUTO-LEGITIMAÇÃO NÃO-DISCURSIVA
Consideramos útil para o aprofundamento desta análise constatar que,
uma vez
que o "Império" não é uma instituição unitária e auto-consciente, mas
um complexo de
forças, algumas vezes contraditórias, a glocalização da experiência
promovida pelos
meios de comunicação digitais capazes de rede é gestada em um subcampo
que atenderia
a essa função específica de reprodução e expansão do capitalismo pela
via da
informatização das sociedades. É o locus prioritário da criação do
aparato tecnológico e
de sua utilização (softwares, hardwares, conteúdos para a web,
interfaces etc). Esse
subcampo, igualmente fluído e a desterritorializado é o que Trivinho
intitula
megatecnoburocracia ou megainfoburocracia 24 e que é, de fato, o
agente direto do da
expansão e renovação capitalista pela via tecnológica.
12
Além dos softwares, hardwares e provedores de conteúdo, esse subcampo
abriga
os órgãos de administração das políticas de informática (estatais ou
não), as instituições
de ensino e pesquisa, as ONGS voltadas à "inclusão digital", enfim,
toda a elite
diretamente responsável pela criação de produtos e serviços para e no
ciberespaço. É
valendo-se dessa megatecnoburocracia que o "Império" traduz suas
necessidades e
valores em "dispositivos glocalizantes", a estrutura física e
simbólica necessária ao
estabelecimento do fenômeno glocal e sua difusão. Ampliando a análise
de Jameson, a
tecnologia produzida pela megatecnoburocracia é, no seio do "Império",
a fonte produtora
de uma rede global descentrada de poder e controle (JAMESON, 2002, p.
64)
Isolar este aparato do conjunto do "Império" é importante para que se
possa
vislumbrar tendências de médio e longo prazo. Uma vez que, como
dissemos, a
glocalização da experiência não é um fenômeno controlável, mas a
resultante de vetores
em competição, a megatecnoburocracia situa-se em posição privilegiada
em relação aos
demais, por estar diretamente implicada na infraestrutura material e
simbólica do
"Império". Ela é o setor de vanguarda, capaz de reger os parâmetros
nos quais as demais
forças sociais, econômicas e culturais deverão se pautar. Em outro
registro, mais próximo
à dimensão do trabalho, a megatecnoburocracia prove a infraestrutura
tecnológica para a
elite profissional dos "analistas simbólicos" (REICH, 1994), os
grandes responsáveis
pelos processos de valorização do capital no mundo contemporâneo, além
de fornecerlhes
o ambiente propício para o exercício de suas funções. Assim, uma
análise detalhada
dos valores e critérios (em resumo, de alguns fragmentos da "visão de
mundo") próprios a
esse vetor pode fornecer subsídios vitais para a compreensão das
mutações de todo o
conjunto do capitalismo em sua fase atual. Tal procedimento requer, no
entanto, uma
dissecação aprofundada, atenta às grandes linhas de força construídas,
mas também às
suas contradições. Uma análise desta dimensão não será realizada neste
texto, mas
apontamos para alguns dos valores que estão emergindo neste contexto:
- Transformação da informação em mercadoria:
Fazem parte deste vetor, por exemplo, a lógica do copyright em
detrimento da
noção de "informação compartilhada como bem de interesse público" e os
mecanismos de
"assinatura de conteúdo", que prevê um pagamento mensal para uma certa
quantidade de
informações, medida em matérias de jornal, unidades de música,
capacidade de
armazenamento pessoal ou até simplesmente pelo trânsito de bytes
(franquia de
consumo).
13
- Nova lógica da divisão do trabalho:
Surgimento de novas divisões do trabalho, sendo que aos trabalhadores
da
"periferia" do "Império" cabe sujeitar-se à adaptação e utilização das
ferramentas
desenvolvidas pelos profissionais de alta qualificação do "centro" (as
noções espaciais
aqui são apenas metáforas: de maneira mais apropriada, devido ao
caráter indeterminado
das forças em competição, não como determinar "centros" e
"periferias"). Dito de outra
forma, a megatecnoburocracia cria as ferramentas-padrão (as
"plataformas" informáticas)
a partir de elites profissionais localizadas nas zonas de maior
influência, deixando à
maioria dos trabalhadores apenas a tarefa de criação de subprodutos
sem a capacidade de
influir ou intervir na concepção das ferramentas básicas.
- Inovação tecnológica pelo mercado:
O critério de "benefício social" é totalmente excluído da concepção de
produtos
informáticos, não cabendo a nenhuma instância da sociedade (nem mesmo
ao Estado)
intervir nessa operação. O ciberespaço e suas ferramentas são
considerados
"naturalmente" propriedades privadas e, pelo uso de códigos fechados,
não se submetem
às legislações locais25.
- Imperativo da mais-potência dos equipamentos26;
Os equipamentos e programas possuem uma obsolescência programada, ou
seja,
atuam em conjunto para promover a defasagem do parque instalado,
independentemente
das necessidades concretas dos usuários. Uma das técnicas para isso é
a
"incompatibilidade de versões", que força uma crescente e infinita
cadeia de atualizações.
O "capital cognitivo" dos usuários também passa pelo mesmo processo,
tendo que ser
renovado ciclicamente. Isso alimenta todo o setor de "reciclagem
profissional", com seus
cursos de formação e certificações técnicas.
Esses são apenas alguns dos valores que poderiam ser aprofundados numa
análise
mais detalhada da megatecnoburocracia e que tornam-se "senso comum" no
ambiente do
capitalismo tardio imaterial.. Ainda é importante frisar que a
glocalização da experiência,
além de difundir esses valores, colabora decisivamente para torná-los
auto-legitimados de
maneira não discursiva, uma vez que são hipostasiados nos objetos
tecnológicos. Eles (os
valores) estão na máquina, na interface, na conexão. Utilizar a
máquina é, implicitamente,
14
concordar com o modo de utilizar a máquina. O ambiente glocalizado é,
inerentemente, o
local onde esses valores estão naturalizados, ou seja, estão além da
adesão intencional de
seus usuários. A auto-legitimação da cibercultura é funcional, dada
não por uma "razão
discursiva" ou eticidade, mas em função de uma performance: "se a
coisa funciona assim,
então é natural que ela deva ser assim". Ao proceder desta forma, a
megatecnoburocracia
oblitera a categoria da política, uma vez que a "legitimidade do
político" calca-se na
construção de um consenso ativo, dependente, portanto, das formas
discursivas e da
amplitude de diálogo entre interesses divergentes27.
6. CONCLUSÃO
Como afirmava Poulantzas, uma formação social, para se reproduzir,
deve
constantemente criar "lugares" (posições relacionais) e "agentes"
prontos a assumirem os
seus "lugares" (POULANTZAS, 1978). Uma vez que o atual estágio do modo
de
produção capitalista é baseado em uma "lógica cultural", no qual a
dinâmica de produção
de valor vigente é atravessada por aspectos simbólicos e imateriais,
os meios de
comunicação atuam de forma determinante na construção desses "lugares"
e "agentes". A
geopolítica deve se articular com uma análise de fluxos, movente e
instável, como na
noção de "Império".
Nas últimas décadas, os objetos já consolidados pela área de
comunicação (como
os mass-media) se tornaram problemáticos à luz dos meios interativos,
uma vez que o
modo como atuam no social deva ser considerado em sua especificidade,
mesmo levando
em conta que tais meios talvez nunca atinjam o grau de penetração de
seus antecessores.
O momento aponta para a necessidade de uma renovação epistemológica,
abrindo-se para
as conexões entre as mutações no campo comunicacional e aquelas mais
amplas, que se
referem à organização das sociedades pós-industriais como um todo.
No mundo contemporâneo, a comunicação adquire centralidade em todos os
processos sociais e é na dinâmica destes processos que a comunicação
adquire
significado. A noção de glocal torna-se, neste contexto, uma chave
privilegiada de
análise. Nela se fundem as características diferenciais do aparato
comunicacional atual,
mas de maneira inteligível apenas pela rearticulação de categorias
tradicionais (como a
"mais-valia", o "Estado-Nação" e os "mass-media"). Ponto de
convergência entre o
político, o social, o econômico e a comunicação, o fenômeno glocal é
atravessado por
múltiplas leituras, sendo que nenhuma delas pode se completar sem o
auxílio das demais.
15
Não se trata mais apenas de comunicação, apenas de política, apenas de
economia, mas
de um local onde essas abordagens se cruzam e se interpenetram.
A partir deste ponto é possível uma contribuição original da
comunicação para
uma leitura de fenômenos que há anos ocupam o centro das discussões
nas ciências
sociais e políticas, como a noção de "globalização"28 e "pós-
industrialismo" (KUMAR,
1995). A glocalização da experiência guarda com esses conceitos uma
relação de tensão:
ao mesmo tempo em que as mutações no capitalismo deram margem à
generalização do
fenômeno glocal, essas mutações não poderiam ter sido levadas a cabo
sem a base de
difusão dos dispositivos que permitiram uma expansão sem precedentes
da lógica e dos
valores predominantes nos "centros" capitalistas desenvolvidos. Assim,
a crescente
influência do glocal interativo em detrimento da configuração rádio-
televisiva anterior,
aponta os caminhos que estão sendo abertos pelo novo ciclo do
capitalismo tardio
imaterial, ao mesmo tempo em que os desdobramentos no modo de produção
indicam as
características que prevalecerão na nossa relação cotidiana com os
equipamentos da
cibercultura.
O glocal interativo é a força que cria as condições de possibilidade
para a
construção dos "lugares" e dos "agentes" do capitalismo imaterial,
trazendo para o seu
âmbito o "usuário" vertido em produtor, consumidor e produto e
semeando o terreno no
qual a elitem imperial da cibercultura almeja colher seus frutos.
1 Para detalhes destas polêmicas, remeto à tentativa de totalização
das tendências contemporâneas realizadas
por Kumar (1995), destacando, porém, que o autor reflete sobre o
pressuposto de que mudanças profundas
efetivamente ocorreram, superando o industrialismo. Tal visão, embora
preponderante, ainda não se
configura como consensual.
2 Este aparente paradoxo entre a baixa penetração real e a
predominância na organização social será
discutido mais adiante.
3 Daí a proliferação global dos chamados programas de inclusão digital
e disseminação de tecnologias
informáticas, justificados sob o slogan de "democracia eletrônica" ou
diretamente focados nas vantagens de
competição econômica. (CAZELOTO, 2003).
4 A idéia de "Império" é desenvolvida em HARDT e NEGRI, 2000. Já o
conceito de "Glocal" será utilizado
como encontrado em TRIVINHO, 2001a e TRIVINHO, 2001b.
5 A noção de "capitalismo tardio" tem sua origem no pensamento do
economista marxista belga Ernest
Mandel que escreveu, entre outros, O Capitalismo tardio, referência
explícita de Jameson (2002, p. 396).
6 Parte deste movimento pode ser captada por uma nova visão
geopolítica dos fluxos comunicacionais.
Veja-se RAMONET, 1988 e MATTELART, 1994.
7 A idéia de "Glocal" consta em trabalhos de ordem econômica e
administrativa, sendo nesse contexto, um
conceito operacional, desprovido de viés crítico.
8 Cf. TRIVINHO, 2001a.
9 Embora o glocal não surja apenas no contexto da cibercultura, é nele
que ganha visibilidade, como afirma
Trivinho: "O fato de o fenômeno glocal aparecer com mais veemência no
âmbito ciberespacial deve-se,
16
com efeito, tanto a motivos empíricos peculiares a esse âmbito, quanto
à tendência internacional do espírito
intelectual da época (...)" (TRIVINHO, 2001a, p.67).
10 Como este trabalho tem como objeto apenas o papel do ciberespaço na
reprodução e expansão do
capitalismo, deixaremos de lado o "glocal televisivo" para colocar em
relevo apenas o "glocal interativo".
Na economia deste texto, as referências ao "Glocal" serão, portanto,
extensivas apenas a essa última
modalidade.
11 Essa expansão é um dos pontos centrais da obra de Norberto Bobbio.
Veja-se BOBBIO, 1992.
12 "O que chamamos de intervenção moral é praticado hoje por uma
variedade de entidades, incluindo os
meios de comunicação e organizações religiosas, mas as mais
importantes talvez sejam as chamadas
organizações não-governamentais, as quais, justamente por não serem
administradas diretamente por
governos, entende-se que agem a partir de imperativos éticos ou
morais". (HARDT e NEGRI, 2000, p. 54).
13 Há aqui todo um processo que pode ser identificado com o conceito
de "Habitus" de Bordieu (2004). Na
verdade, trata-se de um "Habitus glocalizado", no qual os pressupostos
e o "não-pensado" da ação cotidiana
são constituídos a partir desta fusão entre vivência local e global.
14 Considera-se, no âmbito deste trabalho, o conceito de "legitimidade
específica" de Bobbio, Matteuci e
Pasquino, ou seja" (...) um atributo do Estado, que consiste na
presença, em uma parcela significativa da
população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem
necessidade de recorrer ao uso da
força, a não ser em casos esporádicos". (BOBBIO, MATEUCCI E PASQUINO,
2000, p. 675 - 679).
15 Sobre as relações entre corpo e poder veja-se FOUCAULT, 1979,
principalmente cap. IX.
16 Daí a abundância de idéias sobre o "Capital Social" e "Capital
Cognitivo" associadas às redes. Trata-se de
submeter sociabilização e cognição à lógica da mercadoria, reificação
balizada pela troca mercantil.
17 Um exemplo claro deste processo é o funcionamento dos "blogs", nos
quais um "usuário" é o responsável
pela produção de signos que serão consumidos por outro. A empresa que
mantém a estrutura técnica é
apenas uma intermediária entre esses dois pólos, capitalizando a
atenção e valorizando o próprio capital
simbólico. O número de "usuários" cadastrados é o produto, muitas
vezes vendido ao mercado publicitário.
18 A própria idéia de "imersão" tende a arrefecer diante das
tecnologias de glocalização portáteis, como o
celular. Neste panorama, o glocal já não é "ambiente", mas prótese,
situado a distância zero (ou
tendencialmente zero) do corpo (TRIVINHO, 2001b).
19 Pode-se inferir que o "Império" é um momento do glocal, a saber, a
sua face político-econômica. O
"Império" não poderia existir sem a infraestrutura simbólica e física
do glocal.
20 Ver acima.
21 Daí todos os esforços que se vê para a "inclusão digital", ou seja,
para aproximar, valendo-se de uma
noção imprecisa de democracia, todos os cidadãos de um modelo pré-
concebido de usuário. Ver
CAZELOTO, 2003.
22 Hardt e Negri também alertam para nova modalidade de produção de
subjetividades no contexto do
"Império", mostrando como essa produção se alterou nas sociedades
contemporâneas. A análise, inspirada
em Foucault, mostra que os centro de subjetivação migraram das
instituições fechadas para a totalidade do
terreno social (HARDT e NEGRI, 2000, p. 215 - 217).
23 A idéia de sujeito fractalizado deriva de RÜDIGER, 2002.
24 O conceito de megatecnoburocracia pode ser encontrado em TRIVINHO,
2001b, p. 213 e 214 . Em outra
passagem, o autor a denomina como megainfoburocracia e a conceitua
como "a instância sociotécnica
descentrada e rizomática responsável pela informatização,
virtualização e ciberespacialização das
sociedades contemporâneas" (TRIVINHO, 2001a, p. 79).
25 Como notou Lessig, o código é lei. A megatecnoburocracia prevê as
condições de uso de seus produtos
no momento em que são desenhados, de maneira que as possibilidades de
apropriação já estão inscritas nas
próprias máquinas e softwares. Quando ocorre algum "uso desviado", no
entanto, entram em cena os
lobbies para imputar como crime ou contravenção as "brechas" deixadas
pela codificação. Ver LESSIG,
2000.
26 Sobre a construção de novas necessidades imperativas e valores
sociais no âmbito da cibercultura, ver
TRIVINHO, 2003.
27 Para uma visão do glocal como obliteração do político ver TRIVINHO,
2001a, p. 84-89.
28 Mesmo os autores franceses, que preferem o termo "mundialização",
estão atentos à centralidade dos
processos comunicacionais nos fluxos de capital. Veja-se CHESNAIS,
1996.
17
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