Hannah BLUE
unread,Nov 30, 2007, 7:34:03 PM11/30/07Sign in to reply to author
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to Midiateca da HannaH
Pesquisa mapeia discurso neonazista na rede
Antropóloga promove análise etnográfica das práticas e das
representações de ativistas racistas.
Paulo César Nascimento
O uso da rede mundial de computadores por neonazistas como espaço para
disseminação do racismo e para defesa do ideário da raça ariana é o
tema central de dissertação de mestrado apresentada na semana passada
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UNICAMP. Em Os
anacronautas do teutonismo virtual: Uma etnografia do neonazismo na
Internet, a antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, orientada pela
professora doutora Maria Suely Kofes, investiga e mapeia com
profundidade o universo subversivo de sites, portais, comunidades,
fóruns, chats, blogs e listas de discussão que abordam a temática
racista e revisionista (que tenta invalidar a veracidade histórica do
holocausto na Segunda Guerra Mundial e o número de judeus mortos por
agentes nazistas).
A minuciosa análise etnográfica das práticas e representações
discursivas expostas por ativistas no ciberespaço e a interpretação de
elementos mitológicos evidentes no material fartamente disponível,
permitiu à pesquisadora constatar que, nos sites analisados, o
neonazismo articula mitos, narrativas e rituais em uma estratégia para
preservar o teutonismo, ou a homogeneidade absoluta das raças
germânicas, conforme a ideologia propagada por Adolf Hitler e seus
simpatizantes.
"Os sites observados são profundamente demarcados por um léxico
racista e pela ideologia neonazista, que retoma símbolos, mitos e
propostas jurídicas, religiosas e políticas do nacional-socialismo",
atesta Adriana. "Os autores constroem e atualizam mitos, inscrevendo
na palavra raça uma relação simbólica, polissêmica, enraizada numa
ideologia saturada de anacronismo, contradições, ódio e insegurança,
ideologia esta que os pretende heróis. Daí nasceu a minha ironia: são
os anacronautas, ou seja, anacrônicos, que se mitificam heróis de um
tempo imemorial e pretendem resgatar a sua Germânia, ainda que
virtualmente", argumenta.
Extermínio
Para ela, a associação do neonazismo ao revisionismo expressa o
racismo em sua radicalidade máxima, orientada por uma luta política
que deseja implantar um "racismo de Estado", conforme denominou
Michael Foucault (filósofo francês morto em 1984, aos 58 anos). Nessa
forma extremada de pensar, defendida pelos movimentos neonazistas, o
Estado deve reunir e proteger a "raça" de seus inimigos, até mesmo por
meios de exterminação, se necessário.
Portanto, os sites adotam discursos a fim de compor a seguinte
proposta: se a "raça branca" está ameaçada, é preciso reagir. Qual a
medida a ser tomada? Um cartaz pinçado por Adriana no site brasileiro
Valhalla 88 oferece a sua alternativa:
"No impresso, a incitação ao homicídio é vista como 'natural' e a
interdição ao casamento racial toma a forma de uma nova guerrilha. A
montagem do cartaz sugere que cada visitante reaja violentamente à
possibilidade de mistura racial, condensando assim os ideais de ódio
expresso pelo discurso racista", explica Adriana.
Em outro grande portal racista, o norte-americano National Alliance,
ao casamento inter-racial é atribuído o valor de "pior que
assassinato". No site, vasto material racista é oferecido, até livros
infantis para colorir com a história dos povos arianos.
Esses temas são recorrentes em quase 13 mil sites na Internet e em
cerca de duas centenas de comunidades do Orkut, e, se em alguns países
são considerados criminosos e retirados do ar, logo são repostos por
uma rede que os mantêm praticamente intactos. Segundo a pesquisadora,
a grande maioria dessas URLs (endereços de sites na rede) são cópias
de cerca de quinhentas principais.
Doutrinação
Ela descobriu ainda que na grande maioria dos sites o ativismo é
sugerido e incitado como uma espécie de iniciação, por meio da oferta
de adesivos e pôsteres para serem impressos e utilizados: basta que
cada pessoa faça o download dos cartazes e panfletos disponíveis no
site, imprima algumas cópias destes e os distribua ou cole em locais
onde serão lidos pelo maior número de pessoas possível: caixas de
correio, inseridos no interior de livros em bibliotecas, espalhados em
mesas de lanchonetes, gôndolas de supermercados, livrarias, entre
outros.
"A distribuição da propaganda alcança o Povo Branco por duas maneiras:
diretamente (através do próprio material) e indiretamente (pela
resultante cobertura da mídia). Freqüentemente, mesmo uma pequena, mas
bem-direcionada, distribuição conduzida por um astuto ativista resulta
em primeiras páginas de jornais e cobertura televisiva. Este ativismo
construtivo é vitalmente importante, além, é claro, de ser muito
divertido e altamente satisfatório!", sinaliza um dos sites
analisados.
Em outras comunidades e em inúmeros fóruns, temas que sensibilizam
parcela significativa de internautas, principalmente mulheres, como
aborto, estupro e pedofilia, funcionam como porta de entrada para a
doutrinação racista. Posteriormente, à medida que navegam pelos sites
que lançam mão desse ardil, deparam com indicações de links,
literatura e arquivos para download em que a temática neonazista é
apresentada.
"Movidas pelo ódio explícito, principalmente dirigido a judeus e a
negros, ou pelo medo de que o futuro seja absolutamente 'não-branco',
a rede racista se conecta a meio milhão de pessoas, que fazem da
Internet um grande veículo de divulgação, comunicação, transmissão de
arquivos, venda de produtos, enfim, uma grande estrutura para este
movimento", observa a antropóloga.
Campo minado
Adriana acabou pagando o preço pela coragem de pisar em terreno tão
minado: foi bombardeada com ameaças em fóruns de discussões na
Internet durante a árdua coleta de dados para o seu trabalho.
Indignada com a apologia criminosa das informações que encontrava nos
sites, os denunciou ao Ministério Público. Por conta de ações
judiciais, dela e de outros militantes, três sites brasileiros foram
retirados do ar desde 2004: White Power SP, Loja ZyklonB e Valhalla88,
este um dos sites mais acessados da América Latina, com 250 mil
internautas.
"Foi um desafio intelectual e uma reafirmação de minha postura
política: por um lado precisava explicá-los, por outro tinha de
denunciar os crimes que cometiam", pondera.
A elaboração da dissertação levou aproximadamente um ano e meio, mas
há cerca de cinco anos ela desenvolve o exercício etnográfico em sites
racistas, neonazistas e revisionistas, depois de se aproximar do tema
pela primeira vez na pesquisa para a monografia da graduação.
Para compor o consistente estudo de 329 páginas, Adriana, além de
mergulhar na Internet, consultou vasta bibliografia acerca da Segunda
Guerra Mundial e, em particular, a respeito do nacional-socialismo,
entrevistou sobreviventes de campos de concentração, em São Paulo e em
Curitiba, entrou em contato com o movimento negro e o movimento da
memória do holocausto e conversou com procuradores, promotores e
juízes que lidaram com o crime de racismo, inclusive o mediado por
computadores, entre outras providências.
"Essa dissertação de mestrado, que bem se confunde com uma tese de
doutorado, tem a importância política de permitir uma compreensão
interna dos argumentos nazistas contemporâneos e não teme posicionar-
se criticamente, e com exterioridade também, em relação ao seu
objeto", salienta a orientadora Suely Kofes. "É um exemplo a ser
estimulado na Universidade entre pesquisa empírica, leitura e
discussão teórica, e reflexão."
A qualidade do trabalho permitiu a Adriana ser aprovada para o
doutorado sem a necessidade de se submeter ao exame de seleção. Para a
tese, ela se debruçará sobre o fenômeno do movimento neonazista e na
sua relação com a construção da identidade germânica apresentada nos
sites.
SC concentra maioria de ativistas no Brasil
No Brasil, crimes de ódio racial ainda são precariamente condensados
em dados específicos, muitas vezes caracterizados apenas como lesão
corporal, injúria ou até homicídio e não destacados como crimes de
racismo, embora a Constituição Brasileira de 1988 o preveja como
imprescritível e inafiançável, lembra Adriana.
Ainda assim, as estatísticas dos movimentos anti-racistas apontam para
o fato de que pelo menos 90 mil pessoas estejam diretamente envolvidas
em grupos neonazistas no país, cerca de metade disso apenas no estado
de Santa Catarina, aponta a pesquisa. O maior site neonazista
brasileiro, o Valhalla88, tem sua sede em Santa Catarina e alcançou a
significativa marca de 200 mil visitas diárias antes de ser retirado
do ar, em agosto deste ano.
Ainda de acordo com o estudo, nos fóruns e nas comunidades do Orkut em
que internautas se identificam com o programa de ódio do Valhalla88, a
maior parte dos participantes (60%) se apresenta como de "sangue
alemão". Destes, 20% são também descendentes de italianos e, entre os
restantes, 5% afirmam ser de origem sueca, norueguesa, belga,
holandesa ou dinamarquesa. Há ainda 15% de origem "ancestral"
italiana.
"A autogarantia de uma origem européia, particularmente teutônica, é
muito forte, principalmente nos internautas que se identificam como
moradores de Santa Catarina, chegando a 48%, o que confirma os dados
das ONGs anti-racistas", afirma Adriana. "Um dado importante a ser
recordado é que este estado abrigou o maior núcleo de nazistas no
Brasil na década de 1930, seguido de perto pelo Rio Grande do Sul",
completa
Sites endogâmicos driblam sistemas de busca
Em língua inglesa, portuguesa e espanhola (línguas nas quais Adriana é
fluente), há na Internet cerca de 12,6 mil sites racistas,
revisionistas e neonazistas, entre sites pessoais e institucionais,
blogs, fóruns e, dentre os 800 mais acessados, ela escolheu para
estudo os que mais links estabeleciam com outros sites, os que eram
mais citados em artigos presentes em outros sites (ainda que não
houvesse links no artigo), e os que disponibilizavam mais material
para análise.
Da relação de blogs, selecionou os mais citados na rede identificada,
os com mais material disponibilizado, quer em forma de artigo, quer em
forma de gráfico, e os que forneciam mais links para outros pontos.
Entre os fóruns, optou pelos que possuíam o maior número de
participantes e temas mais diversificados. As escolhas resultaram num
conjunto de 40 URLs.
Mais de 75% dos sites analisados apresentam versões para aquelas três
línguas e mais de 40% oferecem fóruns ou textos em alemão. Outras
línguas são também utilizadas em muitos deles (o italiano em 35% e o
francês em cerca de 30% deles merecem destaque), e no geral, 80% dos
sites construídos apresentam versões em outras línguas. Os dados
coletados durante os dois primeiros anos de pesquisa (de 2002 a 2004)
apontavam para cerca de 8 mil sites.
"Refiz os procedimentos de coleta nos últimos dois meses e constatei o
aumento significativo. Isso se dá pela reprodução contínua de sites
pela rede", enfatiza.
Profundidade
Na construção da pesquisa, Adriana empregou ferramentas específicas de
mensuração de conteúdo e de número de acessos dos sites, fóruns e
blogs, e de tráfego de informações na Web, como as disponibilizadas
pelo portal Alexa e pelo projeto Cibermétrica, da Universidade de
Sydney (Austrália).
Os dados estatísticos revelaram que os sites, além de mais extensos e
muito mais povoados de links que os blogs, são também muito mais
profundos, para evitar que a maior parte de suas páginas seja
alcançada pelos tradicionais sistemas de busca, como o Google.
"Os sites racistas são em geral muito densos, tanto em
hipertextualidade (há páginas com mais de 500 links), como em
multimídias (ícones, vídeos e imagens ocupam dezenas de bytes nos
sites). Há muito mais links internos do que externos, dificultando a
localização de grande parte do conteúdo, geralmente de caráter mais
agressivo, por motores de busca", descreve Adriana em sua
dissertação.
Dessa maneira, a possibilidade de ser achado é menor, todo material
está disponível no mesmo lugar e, se retirado do ar, basta colocar
tudo de novo em um mirror (espelho, em linguagem computacional, ou
cópia exata do site em outro endereço para permitir o acesso a
informações que de outra forma não estaria disponível).
A densidade de links internos, contudo, deixa os sites visíveis para
outros similares da rede, observa a antropóloga.
"O reforço de vínculos entre eles torna esses sites profundamente
endogâmicos, o que confirma a idéia de que na verdade são vários sites
em um, ou ainda um aglomerado de sites disponibilizados num mesmo
lugar", defende ela.
Fonte: UNICAMP