O Sujeito e os Chats

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Hannah BLUE

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Nov 8, 2007, 12:08:36 PM11/8/07
to Midiateca da HannaH
O Sujeito e os Chats
Preposições para uma herança moderna na pós-modernice

Ao invés de se associar às cruzadas tão em voga contra os
malefícios do modernismo, ao invés de pregar a reabilitação dos
valores transcendentais em ruína ou entregar-se como o pós-modernismo
às delícias da desilusão, pode-se tentar recusar o dilema de ter que
optar entre uma rejeição crispada ou uma aceitação cínica da situação.

A questão que volta aqui, de maneira lancinante, consiste em saber
porque
as imensas potencialidades processuais trazidas por todas essas
revoluções
informáticas, telemáticas, robóticas, biotecnológicas dos escritórios
(bureautiques)... até agora só fizeram levar a um reforço dos
sistemas
anteriores de alienação, a uma mass-midiatização opressiva e
políticas
consensuais infantilizantes. O que irá permitir que essas
potencialidades
desemboquem enfim numa era pós-mídia, que as livre dos valores
capitalísticos
segregativos e crie condições para o pleno desabrochar dos esboços
atuais de revolução da inteligência, da sensibilidade e da criação?

A subjetividade permanece hoje massivamente controlada por
dispositivos
de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas a
serviço
das mais retrógradas figuras da socialidade. E, no entanto, é possível
conhecer
outras modalidades de produção subjetiva - estas processuais e
singularizantes.
Essas formas alternativas de reapropriação existencial e de
autovalorização
podem tornar-se, amanhã, a razão de viver de coletividades humanas e
de
indivíduos que se recusam a entregar-se à entropia mortífera.

Félix Guattarri


Segundo os defensores dos media de massa, dentro e fora deles, de par
com o ponto
de vista sociológico conservador acerca do universo comunicacional do
fim de século, o
cyberspace nada mais é do que um novo canal para circulação de
informações, imagens
e sons, em coexistência horizontal com o jornal impresso, o rádio e a
TV; numa palavra:
como tal, apenas mais um, ladeando os demais. Em particular a TV, que
sempre capitaneou
os media de massa e acabrestou a cultura mediática do pós-guerra, como
estratégia de auto-
sobrevivência, para continuar se perpetuando como media prioritário e
mais influente, dá
sempre mostras de querer subordinar o cyberspace. A exibição constante
de sites da Internet
por quase todos os programas de TV, para que os telespectadores-
usuários, querendo,
acessem suas home-pages, é, implicitamente, uma estratégia pródiga
nesse sentido.
Simulação do predomínio: a TV, numa auto-referência extemporânea,
afirma para a
sociedade, a todo instante, que vem primeiro; o cyberspace, a rede
para a qual a
tônica cultural já se desviou, assim é reduzido a algo secundário: é
qualificado como
construto que deve vir depois, jamais aparecendo como já estando além
dos media de massa,
em termos de sofisticação, flexibilidade de comunicação e
temporalidade tecnológica -
pelo que, por isso, consegue até absorver, em si, o jornalismo
impresso, o rádio, a TV.

Eugênio Trivinho, In Cyberspace.

O artigo pretende uma discussão do sujeito e sua praxis na
contemporaneidade cyber. Diante das virtualizações dos espaços, as
relações interpessoais são substancialmente alteradas, interessando
aqui, pois, um debate entre as desagregações de locais de
sociabilidade e a criação de novos. Em meio a essa
(des)funcionalização de ambientes, o artigo pretende investigar
sucintamente a tipologia das alterações e práticas que os sujeitos
estabelecem nessa modalidade, tendo como objeto de análise e debate a
conhecida modalidade de conversação da cibercultura: os chats.

Primeiramente, faz-se necessário uma breve explicitação das idéias e
conceitos utilizados, e principalmente a contextualização do arcabouço
conceitual no debate que aqui interessa. Em seguida, discutiremos
rapidamente a modalidade de conversação do ciberespaço inserida num
debate teórico da comunicação, numa tentativa conceitual minimamente
mais aprofundada, para então, iniciarmos algumas incursões e reflexões
acerca das especificidades e características dos chats. E por fim,
algumas considerações finais tecidas mais em função de interrogação
que de conclusão.

1. Individuação cyber: Desconstrução do espaço e fractalização de
identidades.

Assim como a Modernidade controlou, manipulou e organizou o espaço
físico, estruturando a ordem industrial e produtiva ocidental, nos
vimos na Modernidade tardia diante de um processo de desmaterialização
destes "lugares". A desagregação espaço/temporal que a pós-modernidade
empreende, encontra na eletrônica e na cibernética suas ferramentas
primeiras de ação, no sentido de que a virtualização é o principal
meio para a otimização dos fluxos - se não há espaço também não há
barreiras.

O ciberespaço circunscreve-se nesse processo de descentralização e
desconstrução do espaço, bem como da instantaneidade temporal
contemporânea, como discute André Lemos em "As Estruturas
Antropológicas do Cyberespaço", e emenda: Após dois séculos de
industrialização moderna que estabeleceu a dominação física da energia
e da matéria, e na compartimentalização do tempo, a modernidade tardia
insere elementos paradoxais: Se na modernidade o tempo era uma forma
de esculpir o espaço, com a cybercultura contemporânea nós assistimos
à um processo onde o tempo real vai aos poucos exterminando o espaço.
[1]

Na desagregação dos modernos espaços de ocupação social, de
concentração e troca de fluxos (aqui entendido por pessoas, capital,
serviços, sociabilidade, fluxos de todo tipo, etc.) e a conseqüente
criação dos não-lugares, anti-espaços, (meios de transporte, as
modernas avenidas, e todo lugar de não-vivência, de passagem, sem
memória, sem sociabilidade) entra em cena o sujeito fractal:
espectralizado, um zapeador de cidades, espaços. Não se territorializa
mais nos antigos espaços de sociabilidade, apenas os "zapeia"
seguidamente, infinitamente, sem comprometimento com nenhum espaço
referencial, mas tão somente com uma identidade que é
predominantemente fluxo. O sujeito zapeador carece de encontros reais
mas afortuna-se na amplitude do intercâmbio de possibilidades.
Intensidade, velocidade, descontinuidade e fragmentação, além de
outras centenas de conceitos que tentam enquadrar a nova subjetividade
contemporânea, gravitam em torno do sujeito zapeador, essencialmente
apátrida.

Pela acepção "não-lugar"[2] entende-se os locais de passagem, onde as
pessoas estão de corpo presente, mas não de espírito. Em
contrapartida, e paradoxalmente, há os espaços de virtualidade, um não-
lugar, onde os encontros e as trocas (subjetivas, materiais, etc.) se
processam plenamente. Assim, chega-se a situação esdrúxula e
fantástica de lugares de não-sociabilidade e não-lugares de
sociabilidade. Os ambientes virtuais ganham aqui, da perspectiva de
quem se detém na discussão do sujeito e seus rastros de identidade,
importância maximizada.

André Lemos chama nossa atenção ao fato de que ao se conectar ao
ciberespaço é dada a passagem da modernidade (onde o espaço é
esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo aniquila o
espaço); de um sujeito uno, autônomo e isolado - referendado na
prática que se auto-institui do social - ao coletivo digital,
dispersivo mas interconectado. A diferença, agora, é que ao sujeito é
possibilitada enunciações rizomáticas de sentido, agenciamentos;
construtos modelizantes não estabelecidos ou dados de antemão. A
dispersão e a alta volatividade dos fluxos, que pode ser lida como
superficialidade imanente desta contemporaneidade, também pode ser
vista como maiores possibilidades de agenciamentos para tais sujeitos,
porquanto que funcionalizem um processo comunicativo criativamente
inovador[3], e assim produzam diferenciações plenas entre os sujeitos:
criem heterogeneidades, estabeleçam pólos de singularidade nesta
comunicação que, por ser essencialmente rizomática e transversal,
possibilita as mais diversas modalidades de agenciamentos para o
sujeito fractal, de forma a processar novos espaços de trocas, que
engendrem toda uma "socialidade" diferenciada. É importante salientar
que se a sociabilidade moderna foi em boa medida destruída, faz-se
então fundamental o debate da nova "socialidade" contemporânea, em que
a autopoiese individual possa se estruturar. É bastante crível que,
dentro desta discussão, será no ciberespaço que a socialidade[4]
contemporânea elaborará, dado seu caráter de eterno ensaio, fórmulas e
respostas aos anseios de seus agentes.

Trataremos aqui de tentativas de cartografia desse sujeito. Os
conceitos de rizoma na teoria de Deleuze e Guattarri, bem como uma
série de outras suposições fornecem fértil campo analítico,
principalmente tendo-se em vista suas erupções e rupturas.[5] Acepções
como "máquinas desejantes", "agenciamentos", "transversalidade
maquínica", entre outros, interpretam a questão do desejo segundo
características de máquinas que produzem, incessantemente, rizomas de
subjetividade por todos os lados. A questão do desejo não é apenas
abordada centralmente, mas suas conexões, suas cartografias, passam a
sugerir certos movimentos culturais aparentemente imperceptíveis -
objetivando, assim, a apreensão desses "novos caminhos" da
subjetividade contemporânea.

Isso porque nesses espaços de virtualidades - a cibercultura - podemos
encontrar ricas trocas entre o sujeito fractalizado, escapando aos
enquadramentos da contingência moderna. Se as antigas espacialidades
da Modernidade perderam a hegemonia no estabelecimento de trocas de
subjetividade(s) entre os agentes, os novos espaços da Modernidade
Tardia criam e recriam constantemente lugares onde essas trocas se
efetuam. O ciberespaço muitas vezes é, insistimos, o epicentro deste
fenômeno de socialidade[6].

Para não cair no fatalismo ingênuo que crê no fim do sujeito, da
história, do social, e outras tantas categorias históricas, arriscamos
um tom de compreensão desse novo sujeito, desse novo campo social. O
criticismo da profanada globalização que trata de reduzir tudo a pó, e
o pó aos interesses das megacorporações tem a mesma carga paranóica do
seu primo oposto, as conceitualizações pós-modernizantes que, ao
apontar toda caducidade e desmantelamento das antigas categorias
analíticas, instituem uma pretensa "nova realidade social",
estruturadas por constante a-historicidade.

Não há sociedade sem indivíduo e vice-versa. Que a Modernidade Tardia
implica em uma série de modificações não só conceituais, mas até
cognitivas, não nos parece tema de grande controvérsia. Assim, o que
nos importa é uma apreensão das novas localidades de efervescência
social, que conduza a mosaicos de identidade. Dizer que o sujeito se
espectralizou, que o social se virtualizou, e que os territórios e os
espaços além de se fragmentarem se perderam em não-lugares não basta,
exceto se o que se pretende é implantar a constância do finalismo. Ou,
melhor dizendo, a eternidade do fim; Qual seja: o fim da praxis.

A (re)discussão de lugares e não-lugares, vivificados nos espaços
virtuais, serve desde já para uma eficiente revisão, no sentido de que
a concatenação de um espaço em lugar ou não-lugar, é diretamente
condicionada pelo uso de seus agentes. Assim, o ambiente do
ciberespaço, bem como a cibercultura, aqui entendida como a
manifestação dos agentes nesse espaço pode, sem contradição alguma, e
ao contrário do que se tem dito, constituir lugar: de afeto, de
trocas, de comunicação desmedida, de aprendizagem, de sentimentos, e
de tudo o mais que caracteriza a sociabilidade decorrentes dos espaços
(lugares).

Talvez trate-se apenas de fé. Talvez as gigas formatações que o
establishment midiático importou para esse novo media impossibilitem
novas singularizações do desejo. Talvez os portais, em todo seu
frenesi pela colonização desse espaço, não permitam novos distritos
dissidentes[7]. Está mais que claro a diferença entre poder falar e o
poder de se fazer ouvir, como todos os blogueiros vão paulatinamente
percebendo. Talvez, mas só talvez. Porquanto possamos discutir a
comunicação enquanto sobrecodificação modelizante, poderemos pensar em
fendas de criatividade.

2. Comunicação transversal: Possibilidades moleculares.

Gottfried Stokinger traça parâmetros bastante concisos que delineiam o
processo comunicativo. Sobretudo, analisou as fendas sobre a
racionalização da informação que a própria comunicação efetua, dando
margem ao que chamaremos de processamento de subjetividades, ou
simplesmente criação, a partir de novas informações pautadas por
desenlaces do desejo de seus agentes.

O autor parte do princípio de que a comunicação se dá por um estado de
incerteza entre as partes envolvidas, lembrando Parson, dado que se
houvesse certeza do que dizer e do que ouvir não teríamos comunicação
mas, na melhor da hipóteses, falas prontas ou pronunciamentos; a
incerteza é, então, peça fundamental do processo comunicativo. Essa
incerteza, por sua vez, estruturante do diálogo, é que produz o campo
de instabilidade, de flutuação permanente que a comunicação requer.
Essa instabilidade da contingência, a incerteza, é que a todo momento
filtra acasos, aspira quebras de sentido constantes, tornando a
situação mais sensível. Essas flutuações, sabe-se, são a fonte mor de
criação. Assim, a seletividade da informação, bem como a disposição a
que elas são submetidas é reflexo do genuíno processo comunicativo
(Stokinger).

O autor também lembra que porquanto o processo comunicativo se
instaure no campo de imanência, em momento algum se figura deslocado
da realidade ordinária. Cada sistema organizador de idéias tem seu
paralelo social fundante, pois parte dessa autoconstituição discursiva
depende da interação entre meio (ciberespaço) e contexto (sistema
social), dependência mútua que se prolonga, se reproduzindo. Assim, a
relação entre elas passa a fazer parte de ambos sistemas, "através de
interpenetrações e acoplamentos estruturais". Nesse sentido, a
informação, componente que engendra todo o processo, não é processada
segundo uma existência transcendental, provinda de fontes alienígenas
ou determinadas por uma moral exercida de fora para dentro. Pelo
contrário, os valores sociais, que por vezes parecem surgir
casuísticamente, são forças de influência máxima, tanto para consenso,
quanto para ruptura.

Ao mesmo tempo, o acaso surge como peça que seguidamente põe em xeque
a configuração do sistema. Infectando os fluxos dos participantes do
processo comunicativo, e podendo sugerir (re)significações ao mesmo
referente, o acaso surge como elemento que quebra com a ordem inercial
da comunicação. Impossível de extirpá-lo pois constituinte do
processo, a todo momento se oferece como uma nova possibilidade, um
novo agenciamento.[8] Essas variações ocorrem em massa, mas poucas
sobrevivem ao percalço da comunicação, a maioria desaparecendo sem ter
sido ao menos funcionalizada. Se variações ocorressem apenas tendo em
vista suas chances de seleção, a sociedade estaria exposta a um
elevadíssimo risco de decepção, já que a realidade social é
extremamente conservadora e não troca tão facilmente o existente e
comprovado por algo ainda desconhecido. [9]

Mas quanto maior a área de possibilidades discursivas dos agentes que
se comunicam, maior a margem de intervenção no processo. Em uma
comunicação idealmente democrática, é proporcionada uma massa de
elementos antes tidos como desfuncionalizados, mas que agora atuam
como pontos de convergência ou ruptura com o significado
preestabelecido, ativando até mesmo agenciamentos outrora reprimidos.

Dessa forma, a comunicação transversal, rizomática, em oposição à
comunicação vertical, linear, potencializada com as informações
disponíveis no ciberespaço, torna o sistema social capaz de funcionar
no limite da criatividade. Em outras palavras, o processo de
transformação contínua de uma estrutura dinâmica se aproxima de um
ponto ótimo entre estabilidade e mudança. Uma variedade até então
nunca vista de campos de ação e pensamento surge. Códigos culturais de
informação social, que antes dominaram praticamente tudo (por exemplo
através de estruturas de comando central), passam a ter influência
reduzida, já que todas as outras variantes possíveis de pensamento e
comportamento também se fazem presente em quantidade suficiente para
garantir sua existência autônoma. A cooperação "multicultural" se
estabelece através de interligações cíclicas. O período de dominação
de um único tipo ou de poucos tipos dominantes de informação (de cunho
ideológico, religioso, tradicional etc.) chega ao fim.[10] Isso, é
claro, idealmente. Mas a possibilidade é dada

3. As salas de chat e o sujeito fractal. Identidades.

Eu fragmento minha mente. Estou ficando cada vez melhor nisso.
Posso me ver como sendo duas, três ou mais pessoas. Eu apenas
ligo uma parte da minha mente, e depois outra, conforme passo
de uma janela para outra. A realidade parece apenas mais
uma janela, e não é necessariamente a melhor delas.[11]
Os debates centrados nas salas de bate-papo online combinam muitas
ressalvas e poucas conclusões, das quais é indefectível a idéia que as
salas de conversa no ciberespaço não se estruturam de forma semelhante
às conversas "naturais". A possibilidade da pessoa se fundir em
múltiplas pessoas, de sexo diferentes e personalidades antagônicas,
qualifica a experiência da conversa no ciberespaço como uma modalidade
diferenciada, em novos e diferentes pressupostos.

Para além da discussão acerca do quilate intelectual de seus
partícipes, sua escolaridade, ou qualquer outra referência cunhada em
julgamento moral, e forjada por uma concepção dos chats
aprioristicamente determinada, fechada a novas suposições, é
fundamental ter-se em vista que tanto para o bem como para o mal, as
salas de chat são espaços de conversa, troca e conhecimento mútuo. E
isso, bastando, para além dos nossos pré-julgamentos do conteúdo,
tentando escapar do equívoco que culpa a janela (o meio), pela
desagradável paisagem que se vê (o conteúdo).

O desenvolvimento de janelas para a interface dos computadores foi uma
inovação técnica motivada pelo desejo de fazer com que as pessoas
trabalhassem mais eficientemente. Para Turkle, as janelas se tornaram,
na prática, uma forte metáfora do Eu como um sistema de time-sharing
múltiplo e distribuído, pautado por uma dinâmica que bem se poderia
reconhecer como esquizofrênica. O Eu não estaria mais representando
diferentes papéis em diferentes contextos. A prática de vida das
janelas ocorreria através de um Eu distribuído em diversos mundos e
que representa muitos papéis simultaneamente. Tudo ao mesmo tempo
agora. O sujeito se desdobrando em muitas possibilidades.

Outra idéia recorrente é a de que as salas de chat, além de produzirem
vertiginantes volumes de bobagem desmedida, servem ao propósito de
auto-alienação da identidade individual. Nessa abordagem, a
experimentação ou a "fuga" para papéis invertidos dos socialmente
praticados pelo indivíduo, servem tão somente ao questionável não-
enfrentamento, quer seja da uma suposta mediocridade cotidiana, quer
seja de sua covarde condição existencial, para o socorro de uma
existência desejável, longínqua, e tão recheada do ideário
hollywoodiano quanto possível. É o velho clichê do fulano com gordura
excessiva se passando pela "loura-Caliente-19", ou "Malhado-Bem-
Dotado-25", respeitando aqui as variações sabidamente praticadas.

Ambas as concepções, como é comum entre os opostos, não diferem
fundamentalmente. As inversões de gênero e a mudança nos papéis
sociais estabelecidas nas salas de bate-papo não conduzem - pelo menos
não somente - à proliferação de identidades múltiplas ou "Eu(s)"
infinitos. Tampouco serve ao propósito de alienação individual acerca
de sua identidade. Tais abordagens compreendem as variações de
máscaras (nicks) no ciberespaço como unidades fechadas, perfeitas e
acabadas da identidade individual, ainda que por vezes supostamente
reprimidas ou desabrochando. Mesmo quando pregam a multiplicidade nas
quais os indivíduos se fazem ver ou ler, imbuídas da concepção de Egos
incontáveis e multívagos, provavelmente num alucinante pique-esconde
com seus respectivos Superegos, o que fazem prevalecer é uma suposta
identidade não-existente, um sujeito idealmente nulo e, na melhor das
hipóteses, uma concepção de subjetividade que ainda que múltipla, se
fundamenta sobre restos, partes, fragmentos do belo, forte e
resistente Eu moderno. Neste debate, que aqui acredita-se perdido,
nada há o que se fazer exceto chorar ou, como se tem feito, pontuar o
caminho da "salvação".

Tanto na concepção de um indivíduo fragmentário, expresso através
destas muitas máscaras (a idéia dos muitos "Eu(s)"), como na abordagem
que entende tais manifestações como alienação literal da identidade
individual, esquece-se que tal espaço serve apenas a um único
propósito: Ensaiar. Longe de constituir espaço de consolidação do Eu
(este espaço sempre será legado aos relacionamentos reais, onde as
trocas subjetivas podem ser efetuadas plenamente, diretamente, e mais
importante: com intensidade), as salas de chat servem ao propósito do
ensaio.

Ensaiar não só a si mesmo, mas sobretudo ensaiar a alteridade. É
necessário entender tais espaços como laboratórios de percepção do
Outro, campos de vivência e de percepção de identidades desiguais. Na
diferenciação mútua entre os sujeitos institui-se uma produção de
subjetividade heterogênea, dado que as colocações, verdadeiras ou
falsas - aqui isso não mais importa - são diversificadas entre os
partícipes. Nesse sentido, importa muito pouco se tal processo se dá
em um "Eu" múltiplo ou em qual parte deste se dá; e ainda menos, se
essa identidade por ora utilizada confere com a real identidade do
indivíduo. Assim, o que interessa nessa modalidade, não é a criação ou
o engodo de "Eu(s)" intermináveis e enfadonhos, mas seu justo
contrário: O espaço no qual um sujeito entra em contato com outro, o
ensaiar deste contato, sendo desimportante em qual dos "Eu(s)" ou em
que inversão de papel isso será dado.

Em tempos de intolerância, da prática soberba da execração do Outro,
fabricada sobre a negativização do desconhecido - prática, aliás,
estrutural nas sociedades burguesas - busca palmo a palmo o extermínio
de espaços nos quais manifestações de heterogênese possam se dar. Mas
a própria aglutinação de sujeitos num rizoma que favorece
agenciamentos de enunciação, deveria nos servir como motivo para
fomentar tais elementos, ao invés de nos perdermos nas cáusticas
perspectivas conhecidas. É impossível deixar de lembrar que estamos
tratando, no limite, de uma questão política.

Num plano mais comezinho, das eternas contemporizações, temos o abismo
interpessoal da nossa contemporaneidade, provavelmente discutida pela
razão de configurar problema aos departamentos de R.H. de empresas
americanas e mesmo brasileiras, nos quais os vizinhos de sala/gabinete
trocam emails ou invés do habitual (?) bate-papo. Em tempos de queda
brusca nas habilidades de conversação, nas práticas do "bom-dia-boa-
noite", "muito-obrigado-pois-não" que hoje mais lembram desatualizados
modos de educação do que exercícios de presença por intermédio da
afirmação[12], é admirável que a tecnologia proporcione modalidades de
conversação que acrescentem interessantes possibilidades aos
participantes. O problema, talvez, se dê na razão de que tendemos a
compreender o processo comunicativo como uma instancia pura, quase
sacramental da sociedade, desconsiderando possibilidades de antítese
ao normatismo do estabelecido tecnofacismo.

Paralelamente, e piorando, abundam as perspectivas quase fanáticas de
uma liberdade desmedida no espaço cyber. No que nos cabe, sempre foi
muito difícil senão impossível compreender essa liberdade da qual
tanto se fala, como se liberdade pudesse ser expressa e mensurada
naquilo que é enquanto tal, e não através de sua contraposição,
enquanto ausência (pois uma representação da liberdade não pode ser
concebida em si, mas apenas pelo que não é)[13]. Quando localizamos a
questão do espaço e sua importância nos agenciamentos criativos para o
sujeito fractal, procuramos de alguma forma despolarizar as discussões
centradas em liberdade X repressão no ciberespaço. Ademais, como temos
aqui discutido, se há algum processo de corrosão dessa "liberdade" (e
acreditamos que há), tal processo instaura-se na dinâmica de
desestruturação dos espaços de singularização inovadores, e não em
categorias ontológicas que não servem de parâmetro crítico entre
prática e contexto.

O comentário do estudante universitário sobre os MUDs mostrou que as
janelas oferecem possibilidades especiais para vontades reais. Apensar
da nossa tendência classificante, o meio virtual passa a produzir
significados reais e respostas concretas a problemas da realidade
ordinária. Embora o relacionamento se dê no ambiente virtual, os
sentimentos, pessoas, projeções e tudo o mais são originários e
respondem a demandas e vicissitudes dramaticamente reais. Num ambiente
aonde tudo aparentemente é fake, os sentimentos nitidamente trespassam
essa barreira, pela óbvia razão de que são originários de sólidos
desejos reais. Se o espaço de experimentação subjetiva da Modernidade
foi destroçado, segue que, na Modernidade Tardia ou noutros infernos
contextuais do porvir, tais espaços deverão ser insistentemente
desenhados, dado que é o campo de ensaio que o desejo exige para se
estruturar[14].

Seguindo o insight de McLuhan, não só a mensagem é condicionada pelo
meio, mas também as produções de sentido instauradas pelos atores/
autores relaciona-se diretamente com o suporte. Da mesma forma que a
TV tende a propiciar sujeitos menos dotados de intervenção direta[15],
pela própria característica Um àTodos do meio, a Internet, como media
pautado num sistema Todos àTodos, possibilita a ação/interação real
entre os partícipes, o que invariavelmente será um diferencial na
produção dessa subjetividade. Por outro lado, tais subjetivações
originais terão que conviver, lado a lado, e se possível
intercambiando fluxos, idéias, etc. com as formas estabelecidas da
sociedade.[16] A cartografia desse desejo de comunicar deve
necessariamente estar atenta ao degladiar de tais agenciamentos e
normatizações, mantendo as portas abertas para o delinear de fissuras,
mesmo quando a fantasia estabelece meios de significação auto-
referentes.[17]

Mesmo porque que a fantasia, o não-dito ou o não-manifesto, são o ­
locus do desenhar de novas identidades, o underground dos
processamentos subjetivos. A latente e recorrente expressão nos chats
daquilo que dificilmente encontraria espaço de manifestação na vida
ordinária, é também a tentativa de agenciar essas novas identidade -
"cidadãos pioneiros", que apesar de encontrarem as vias de expressão
reais obstruídas, tem no ciberespaço o local por excelência para suas
manifestações.

Como receptáculo do não-dito, tal media acaba refletindo muitas das
anomalias que a sociedade não podia ou não queria ver. Não por menos,
as discussões que se tornaram recorrentes sobre censura à rede através
dos mais diversos dispositivos (softwares, provedores, servidores,
etc.) tem data recente. No período de gestação do media, enquanto
ainda privilégio da classe acadêmica ou de experts em computação, os
debates que tinham como objeto a própria rede, se preocupavam mais com
protocolos de transferência ou com piadas sobre a telefonia. Com a
"abertura" à classe media e às transações comerciais, e a enxurrada de
preocupações daí decorrente, respeitante a controle de conteúdo,
controle de acesso e outros controles possíveis, a questão da censura
ganha tona. O que temos nessa nova configuração não é uma resposta da
sociedade a um media prejudicial, lesivo, com conteúdo "ameaçador",
como muitas vezes se faz alarido. Mas, pelo contrário, é uma tentativa
de recusa ou proteção das produções que a própria sociedade produz. A
procura aparentemente inexorável por possibilidades de controle da
rede não surge como resposta à estrutura anárquica do media, mas sim
pela tentativa de riscar do mapa as manifestações indesejadas do
próprio corpo social - suprimir o reflexo da parte negra de algo muito
difícil de se topar de frente: a sociedade.

Trata-se, a bem dizer, de um campo de batalha de desejos múltiplos, de
usuários indefiníveis. O nickname de fato protege a identidade do
indivíduo, em meio a uma nebulosa massa de nicknames que a todo
momento projetam seus desejos e angústias, num balet de letrinhas que
aparentemente só experimentam inutilidades[18]. Tal sistema de
expressão/recepção acaba possibilitando um afloramento das vontades
que o usuário não poderia expressar tão deliberadamente na vida real.
Mas não se trata de um game entre repressão/depravamento. Se por um
lado os chats propiciam que o não-dito venha a tona - e se esta não é
sua mais fantástica característica, está entre elas - a composição dos
diálogos dificilmente segue a lógica de um jogo, ou de construções
argumentativas polarizadas em vencedor/perdedor. Uma breve experiência
nesta modalidade nos mostra que o sentimento mais comumente
compartilhado entre seus adeptos não é o de sobrepujamento de
qualidades, mas antes de compartilhamento de angústias, ou pelo menos
sua tentativa.

Outra rápida espiada nesse media nos mostra que a própria (relativa)
dificuldade da linguagem utilizada, por ser escrita e não obedecer a
critérios de postura, impostura, tom e variações miméticas que o
discurso oral proporciona, limita o discurso nos chats a participações
que prezem o contato numa lógica menos luciférica, porquanto toda
argumentação utilizada na conversa ter obrigatoriamente que passar
pela esfera do gramaticalmente compreensível, salvaguardados todos os
esforços das interfaces gráficas. Assim, a conversa nos chats exige um
mínimo de treinamento (digitação mas sobretudo adaptação a sua
linguagem particular) que não pode ser desprezado. Enquanto houverem
sujeitos dispostos a aprender novos e diferentes métodos para
conversar[19], procurando por interlocutores diversos, haverá procura
por alteridades diferenciadas. Tanto melhor que se dêem nestes ensaios
de identidade. Um ensaiar a si próprio e ao Outro, com finalidade mas
sem fim.

Também encontramos muito a idéia de que o único ensaio nos chats é o
do mau português, que impossibilitaria maiores suposições sobre sua
eficiência na comunicação. É importante salientar que a linguagem,
tomada em seu funcionamento, não é puramente lingüística. É parte
integrante do processo comunicativo as condições e ferramentas de
produção do discurso. Tais condições referem-se ao mecanismo de
disposição dos protagonistas e do objeto do discurso na interlocução.
A mensagem, quando impulsionada pelas significações do contexto,
transcende a simples representação lingüística. Assim, o "como é
dito", ou, "o que se quer dizer com o dito", dentro de um dado
contexto, ganha altas ressonâncias de sentido. A análise de discurso
problematiza a atribuição de sentidos, ao texto, procurando mostrar
tanto a materialidade do sentido como os processos de constituição do
sujeito; que instituem o funcionamento discursivo de qualquer texto.
[20] Aspectos lingüísticos e não-lingüísticos, constituintes do
discurso, são produzidos pela linguagem verbal e pelo contexto no qual
estão inseridos. Juntos, tais elementos compõe o processo de semiose,
fonte inexaurível de análise tratando-se dos chats.

O que aqui denominamos de "efeitos de sentido", fabricados nesses
discursos, caracterizam o lugar, o sujeito, o ouvinte, e o desejo
nessa peculiar contemporaneidade. A compreensão do componente
comunicativo nos chats deve obrigatoriamente atravessar a fronteira da
análise lingüística, sempre em busca de apreender não o que está
simplesmente contido nas palavras, mas que ultrapassa essa dimensão e
concerne à estrutura discursiva, em todas as suas manifestações
estilísticas, quais sejam: texto, imagem, som, nicks, assuntos
(tópicos), tipos de letras (fontes), etc.

Não queremos com isso imbuir os chats de um papel que eles
definitivamente não tem: o de revolucionar a comunicação. Se uma breve
experiência pode nos animar quanto às possibilidades intertextuais,
possibilidades de alcance comunicativo, e flexibilidade de enunciação,
por outro lado essa mesma breve experiência nos proporcionará a
constatação de que a inércia do individualismo cego continua a podar
maiores possibilidades de desterritorializações. Os meios de
comunicação ainda são um campo militarmente tomado pelas normatizações
de toda ordem[21], fato que não se pode perder de vista. No mais, a
encenação entre abertura do sujeito a diferenciações e o estancamento
de posições é um teatro que ainda não terminou. Quiçá mal começou.

4. Considerações.

Para mim, uma tela é em si só um espaço de
imersão. Mergulhamos dentro da imagem,
assim como nos tornamos parte de uma rede.[22]
As experiências culturais que produzem identidades originais são
também caracterizadas por fluidez e alta capacidade de integração,
especialmente quando praticadas no ciberespaço. Apesar disso, é
recorrente que grupos culturais fechados, mesmo estando presentes
nesses movimentos, não apenas continuem a existir restritamente, mas
passem a se propagar pelo meio.

Então como entender a convergência, a abertura cultural de grupos
distintos frente a um novo media, e em ultima instância, a uma nova
configuração socio-espacial em que a pluralidade e o intercâmbio são
características estruturais, e que se pauta por uma heterogeneidade
nas relações (pessoais, institucionais, etc.) e por uma
universalização que não conhece nenhuma divisão legal ou restrição
cultural?

É de interesse perceber nestas culturas aberturas ou fechamentos, se
são cooptadas, agenciadas, deixando-se afetar por novas formas e
fluxos de outras origens, antes desconhecidas. Podem ser
descaracterizadas, podem mutar para uma nova significação mas mantendo
sua unidade de corpus pessoal e subjetivo (sem o qual ela não seria
mais ela mesma) ou - numa segunda hipótese - fechar-se contínua e
interminavelmente, até que se tornem musealizadas.

Qual o potência real das redes em afetar? Já podemos constatar que
inúmeras culturas de classe restritas sobrevivem muito bem no ambiente
cyber/heterogêneo, utilizando-o da mesma forma que os media
tradicionais. Diante da heterogeneidade da rede, esses grupos impõe
sua homogeneidade de forma definitiva, não se deixando alterar por
qualquer outra fusão ou interferência externa. Há que se perguntar se
temos realmente inteligência coletiva na rede ou temos, pelo
contrário, uma infinidade de grupelhos, fechados, que se propõem
apenas a levar adiante um projeto de interesses e de vida como já
fora, desde sempre e sucessivamente, estipulados. O fato é que, apesar
da rede possibilitar a voz a qualquer um, o poder de se fazer ouvir,
sua chance de repercutir, constitui problema, como bem lembra Jesus
Paula Assis.[23]

Também é certo que a possibilidade de se deixar afetar pelo Outro e
por outras culturas é diretamente condicionada pela abertura do
sujeito, ficando assim a vazão, menor ou maior, de criação,
transformação, alteração e enriquecimento, diretamente legada à
própria dinâmica do sujeito receptor. Mas que diferenciações são
estabelecidas dentro da rede e dos sistemas de interação oriundos
dessa modalidade? Os comunicólogos afirmam que o funcionamento da
rede, fundamentalmente diverso dos anteriores medias, altera essa
relação, criando sujeitos mais suscetíveis e possibilidade de
suscetibilidade maiores. Questão controversa, não há dúvida. Por ora,
podemos dizer que as possibilidades de (inter)relação entre os
sujeitos, que substituem a tradicional passividade por posições mais
originais é uma manifestação digna de atenção.

Mas sem nos perdermos em mistificações, às quais aqui podemos ter dado
margem. A sobrecodificação dos sujeitos em novas e originais
modelizações vai invariavelmente depender de uma prática além e aquém
do ciberespaço. Lembrando Stockinger novamente, e o alerta de que os
sistemas sociais não se desvinculam do ciberespaço, as práticas entre
os meios devem, em algum momento, serem fundidas. Não pode haver
inovação ou agenciamento que se limite ao espaço das virtualidades,
mesmo porque a prática de um ensaio pressupõe uma apresentação.

Uma máquina poética que fizesse proliferar poemas
enumeráveis, um gerador de textos, impulsionado por
um movimento próprio, no qual palavras e frases
pudessem emergir, aglutinar-se, combinar-se em
arranjos precisos, para depois desfazer-se,
atomizar-se, em busca de novas combinações

Mallarmé

5. Bibliografia.

ASSIS, Jesus Paula. No.: Multimídia é coisa para Titãs. 02/2001.
Disponível em http://www.no.com.br/
BAUDRILLARD, Jean. A Internet ruma para seu fim. Jornal Folha de São
Paulo, Ilustrada, 19/02/1998.
BENEDIKT, M., Cyberspace. Some Proposals., in Benedikt (ed).
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FRIDMAN, Luis Carlos. Pós-modernidade: Sociedade da imagem e sociedade
do conhecimento. História, Ciência e Saúde (Rio de Janeiro), v.6, n.2,
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GUATTARRI, Félix. Revolução Molecular: Pulsações Políticas do Desejo.
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GUATTARRI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do
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HAMMAN, Robin B. The Role of Fantasy in the Construction of the On-
line Other. Cybersociology Magazine. Disponível em http://www.cybersociology.com/
LEMOS, André. Cyberpunk: Apropriação, Desvio e Despesa na
Cibercultura. Artigo Apresentado à Compós, 2000. Disponível em
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa
LEMOS, André L. M. As Estruturas Antropológicas do Cyberespaço. IN:
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos
MAFFESOLI, M. La Conquête du Présent. Pour Une Sociologie de la Vie
Quotidienne. Paris: PUF, 1979.
ORLANDI, Eni. P. A linguagem e seu funcionamento: As formas do
discurso. Campinas: Pontes, 1987.
ORLANDI, Eni. Análises de Discurso: Princípios e Procedimentos.
Campinas: Pontes, 2000.
STOKINGER, Gottfried. A interação entre cibersistemas e sistemas
sociais. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/txt_got1.htm
STOKINGER, Gottfried. A comunicação como fenômeno emergente. Revista
404nOtF0und, N. 11, Dez/2001.
TRIVINHO, Eugênio Rondini. Cyberspace: Crítica da Nova Comunicação.
Tese de Doutorado, ECA-USP, 1999.
TURKLE, Sherry. Identidade na Internet. In: Brockman, John (org.). As
coisas são assim. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
WRAY, Stefan. Rhizomes, Nomads, and Resistant Internet Use. 1998.

Autor: Marco Toledo de Assis Bastos é professor e pesquisador, formado
pela Universidade Estadual Paulista.

[1] Lemos, André L. M. As Estruturas Antropológicas do Cyberespaço.
IN: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos
[2] "Por inspiração em Walter Benjamin, poder-se-ia até dizer, com o
risco de toda liberdade de figuração, que, com o advento e
desenvolvimento das redes comunicacionais, o continente natural e
urbano perdeu completamente sua aura, isto é, a dimensão caracterizada
pelo hic et nunc, o aqui e agora, que lhe conferia o caráter de coisa
única no tempo e no espaço e, com isso, lhe garantia a autenticidade e
a autoridade histórica como original." In: Trivinho, Eugênio Rondini.
Cyberspace: Crítica da Nova Comunicação. Tese de Doutorado, ECA-USP,
1999.
[3] Para tanto, ver o excelente artigo de Gottfried Stockinger: A
comunicação como fenômeno emergente. "Um caso simples que pode
ilustrar tal gênese é o de um sistema de interação que surge entre
desconhecidos. A incerteza de Ego encontra a incerteza de Alter Ego.
Esta referência circular das incertezas de ambos os lados, chamado por
Luhmann de contingência dupla, provoca comunicação, já que relaciona
expectativas (de Ego) com expectativas (de Alter Ego). Ambos esperam
que algo, seja o que for, seja comunicado ou que qualquer ação surja.
A emersão do sistema social utiliza a situação contingente como fator
auto-catalítico. 'Pode-se falar de 'auto'-catálise, porque o problema
da dupla contingência é ele mesmo parte do sistema em formação'. 'Ego
experimenta Alter enquanto Alter Ego. .. Para ambos a situação é
indefinida, instável, insuportável. Nesta experiência as perspectivas
convergem. Assim se dá uma possibilidade de formação de um sistema em
estado de espera, capaz de aproveitar qualquer acaso para desenvolver
estruturas'. (Luhmann 1984, p.170 e 172, Apud Stockinger )." In:
Stockinger, Gottfried. A comunicação como fenômeno emergente. Revista
404nOtF0und, N. 11, Dez/2001.
[4] Sobre a "socialidade" contemporânea ver a obra de Michel
Maffesoli, particularmente Maffesoli, M. La Conquête du Présent. Pour
Une Sociologie de la Vie Quotidienne. Paris: PUF, 1979. Apud Lemos,
op. cit.
[5] "The use of Deleuze and Guattari's rhizome model to discuss
hypertext theory is a safer application than the use of their nomad
model to discuss how capital's increased dispersion, mobility, and
electronic form requires new electronic tactics for disruption of that
flow." IN: Wray, Stefan. Rhizomes, Nomads, and Resistant Internet Use.
1998.
[6] "A post-industrial work environment predicated on a new hardwired
communications interface that provides a direct and total sensorial
access to a parallel world of potential work space" IN: Benedikt, M.,
Cyberspace. Some Proposals., in Benedikt (ed). Cyberspace: First
Steps. Cambridge: MIT Press, 1991. ( p. 35).
[7] Para tanto, ver o excelente artigo de André Lemos: Morte aos
Portais. Disponível em: http://www.pilula.com.br/morteaosportais/
[8] "Sob acaso entendemos uma forma de conexão entre sistema e
ambiente, que foge do controle pelo sistema. Nenhum sistema pode levar
em conta todas as causalidades possíveis. Acaso é a capacidade de um
sistema de usar eventos não produzidos ou coordenados por ele mesmo.
Neste sentido, acasos significam perigos, chances,
possibilidades" (Luhmann, 1984, p. 450). Acasos levam a surpresas e
novidades. Ora, a novidade é constitutiva para a emergência e
manutenção tanto de sistemas sociais como virtuais. Em princípio, cada
mensagem aparece com um mínimo de surpresa, quer dizer, destaca-se da
anterior, atribuindo-lhe uma individualidade. A incerteza passa a
constituir uma condição estrutural." IN: Stokinger, Gottfried. A
interação entre cibersistemas e sistemas sociais. Disponível em:
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/txt_got1.htm
[9] Stokinger, Gottfried, ibidem. E emenda: "Mesmo que a maioria das
variações não seja funcionalizada e assim estabelecida no sistema,
ocorre, ao longo do tempo, uma ampliação histórica das possibilidades
de variação social, mudando o conceito de realidade. A realidade que
era tomada como o inegável em si, torna-se suspeita de ser mera
criação, mera aparência, mero correlato da consciência, ou, para usar
outra expressão: mera construção."
[10] Ibid.
[11] Comentário de um aluno de pós-graduação em administração do
Dartmouth College, usuário dos antigos MUDs (Multi User Dungeon/
Domains). Turkle, Sherry. Identidade na Internet. In: Brockman, John
(org.). As coisas são assim. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
[12] Como bem lembra Umberto Eco, discutindo a propaganda e a função
fática das mensagens: "A asserção 'bonito dia, hoje' não serve de modo
algum para transmitir uma observação meteorológica (cuja verdade ou
inverdade não é absolutamente relevante) mas para estabelecer um
contato entre dois falantes e para confirmar ao destinatário a
presença do remetente." In: Eco, Umberto. A Estrutura Ausente.
Introdução à Pesquisa Semiológica. São Paulo: Perspectiva, 1971.
[13] E aqui, o "abundam" não é força de expressão, mesmo. Vide essa
interessante postagem: "Pois aconteceu a Internet. Nova forma de
conversação. Pessoas conversam com pessoas. Pessoas ficam muito mais
inteligentes, mais imaginativas, mais donas do seu próprio nariz e
distantes dos seus umbigos egoístas. A palavra é colaboração. A idéia
é um novo bom senso. As pessoas acreditam que existe outras fórmulas
de estabelecer um relacionamento. As percepções se transformam. O ser
digital prefere encarar o mundo sob um novo enfoque. Liberdade,
Igualdade e Fraternidade. A velha ladainha da Revolução Francesa nunca
foi tão real. Para atender a essa tríade queremos mais: o conhecimento
livre." In: Nova-E, Marketing Hacker, Dez./2001. Disponível em
http://www.nova-e.com.br/
[14] "'Posso falar sobre qualquer coisa no MUD', ele disse. 'O
computador é usado como uma espécie de treinamento para se conseguir
estreitar os relacionamentos com as pessoas na vida real.' Os MUDs lhe
forneceram aquilo que o psicanalista Erik Erikson chamou de 'moratória
psicológica', e que considerou parte de uma adolescência normal.
Embora o termo moratória implique um 'tempo de folga', Erikson não
quis se referir a algo relacionado a desistência. Pelo contrário, ele
via a moratória como um período de intensa relação com pessoas e
idéias, um período de experimentação e amizade apaixonadas. A
moratória não se aplica a experiências importantes, mas às suas
conseqüências. É um período no qual as ações de alguém 'não contam'.
Livre das conseqüências, a experimentação se torna padrão e não uma
retirada corajosa. As experimentações livres de conseqüências
facilitam o desenvolvimento de uma noção pessoal do que dá sentido à
vida, o que Erikson chamou de 'identidade'.
Erikson desenvolveu essas idéias sobre a importância de uma moratória
durante o fim da década de 50 e início dos a anos 60. Naquela época, a
noção de moratória correspondia, segundo um entendimento comum, aos
'anos de faculdade'. Hoje em dia, 30 anos depois, a idéia de que a
época da faculdade é um 'período de folga' sem conseqüência alguma
parece remota. A faculdade é pré-profissionalizante, e a AIDS tornou
impossível a prática sexual livre de conseqüências. Os anos de
adolescência não são mais 'um período de folga'. Mas se nossa cultura
não mais oferece uma moratória adolescente, as comunidades virtuais o
fazem. E isso faz parte do que as torna tão atraentes.
As idéias de Erikson a respeito da adolescência como um tempo de
moratória a serviço do desenvolvimento da identidade eram parte de uma
teoria mais ampla sobre os estágios da vida. Os estágios não
pretendiam sugerir seqüências rígidas, e sim descrições idealizadas do
que as pessoas tem que atingir antes de passar facilmente para o
estágio de desenvolvimento seguinte. Então, por exemplo, o
desenvolvimento da identidade durante a adolescência precederia,
idealmente, o desenvolvimento da intimidade durante o começo da vida
adulta. Na vida real, no entanto, as pessoas normalmente tem que
seguir adiante mesmo com alguns estágios ainda não completamente
resolvidos. Elas fazem o melhor que podem, com o que tem à mão, para
conseguir resgatar o máximo possível do que 'perderam'. Os MUDs são um
exemplo dramático do papel que a tecnologia pode ter nesses dramas de
autocompensação. O tempo passado no ciberespaço retoma a noção de
moratória, porque agora existe uma janela sempre disponível. Os MUDs
são objetos com os quais se deve lidar numa reflexão sobre o eu numa
cultura de simulações. Seus cidadãos são nossos pioneiros." Turkle,
Sherry. Identidade na Internet. In: Brockman, John (org.). As coisas
são assim. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
[15] "Pode ser uma gente que está à vontade se não viver, se estiver
destinada apenas a assistir, consumir, adorar e se projetar em relatos
suspeitos da vida dos notáveis. Em suma, mentes invadidas por imagens
e que prescindem da experiência. É claro que ninguém é assim
permanentemente nem o sistema é uma rocha granítica sem fissuras ou
eclosões, mas se está diante de uma poderosa configuração
institucional de conseqüências bastante perversas. É possível que
muitos não sintam um terrível mal-estar nessas circunstâncias, mas o
diagnóstico da "estrutura de sentimentos" daí proveniente é o pior
possível: fragmentação do sujeito." IN: Fridman, Luis Carlos. Pós-
modernidade: Sociedade da imagem e sociedade do conhecimento.
História, Ciência e Saúde (Rio de Janeiro), v.6, n.2, 1999.
[16] "O cybernanthrope (o tecnocrata) quer o controle, a restrição, a
estabilidade. Ele é asséptico, austero, objetivo, racional. Como
explica Lefebvre, 'o cybernanthrope ignora o desejo. Se ele o
reconhece é para eludi-lo. O dionisíaco lhe é estranho'. Em oposição,
o cyberpunk parece mais preso a uma certa magia da informática do que
à rigidez racionalista, mais dionisíaco do que apolíneo. Um hacker,
embora seja um viciado em artefatos técnicos complexos, não está muito
preocupado em seguir as regras do sistema. O cyberpunk aceita a
cultura técnica do cybernanthropes no que ela tem de mais radical. O
desespero é óbvio: se não podemos escapar ao mundo tecnológico,
devemos tornar as tecnologias ferramentas de prazer, de comunicação e
de conhecimento. É esta a mensagem dos cyberpunks contra os
robotizados cybernanthropes". IN: Lemos, André. Cyberpunk:
Apropriação, Desvio e Despesa na Cibercultura. Artigo Apresentado à
Compós, 2000. Disponível em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa
[17] "Like most other aspects of computer mediated communication,
fantasy is what drives relationships in online chat rooms. This thesis
is not a comfortable one for me. I have spent hundreds of hours and
thousands of pounds on communicating with people in real time via
computer. I have met good friends, learned many things from others,
experienced sexual fulfilment - all by using a computer with a modem.
I feel angered and cheated at the possibility that it is not the
others in cyberspace that have done these things for me, it is my
fantasies and imagination." IN: Hamman, Robin B. The Role of Fantasy
in the Construction of the On-line Other. Cybersociology Magazine.
Disponível em http://www.cybersociology.com/
[18] Claro que essas experimentações são repletas de sentido, mesmo
quando se apresentam como banais, como, por exemplo, a repetição
incessante e ininterrupta da mesa frase, do mesmo conteúdo, ou mesmo o
corte absoluto com a coerência referida anteriormente. Ambas as
atitudes estão repletas de sentido, como apontado por Orlandi: "Os
processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há
sempre algo que se mantém. A paráfrase representa assim o retorno aos
mesmos espaços do dizer. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao
passo que, na polissemia, o que temos é o deslocamento, ruptura de
processos de significação. Ela joga com o equívoco." IN: Orlandi, Eni.
Análises de Discurso: Princípios e Procedimentos. Campinas: Pontes,
2000.
[19] Definitivamente não são poucos estes "cidadãos pioneiros". A Rede
BrasNet de IRC diz que possuía no horário de pico do início de 2001,
22 mil usuários simultâneos em 7000 canais diferentes e ativos, num
fluxo diário de 400 mil conexões por dia. Também possui mais de 200
mil nicks e mais de 30 mil canais registrados. Estes registros são
automaticamente apagados se não utilizados por 30 dias, no caso dos
nicks, e 14 dias, no caso dos canais. De acordo com pesquisa do IBOPE,
os usuários de bate-papo são tipicamente medium users e heavy users,
os quais correspondem à cerca de 81% dos internautas brasileiros, e
que em sua maioria (84%) estão entre as classes A e B. Pelas
estatísticas da própria BrasNet, constatou-se que 83% dos usuários
permanecem conectados até 1 hora na rede e 12% até 2 horas, o que
demonstra a rotatividade de usuários pela rede, gerando mais de 400
mil "hits" por dia, distribuídos pelos diversos servidores conectados
à rede. Seus usuários são predominantemente adolescentes (50,3%) e
jovens (39,8%); 29,1% cursam o segundo grau, 19,7% tem o segundo grau
completo e 22,4% cursam o terceiro grau. Disso tudo se pode tirar
muitas coisas, dentre as principais, o óbvio: Não há meio mais
elitista, o que é diretamente relacionado ao alto custo da
informatização. Surpreendentemente as regiões apresentam grande
equilíbrio no número de usuários, sobressaindo a região Nordeste com
34,6%.
[20] Orlandi, Eni. P. A linguagem e seu funcionamento: As formas do
discurso. Campinas: Pontes, 1987.
[21] A normatização da rede não é nenhuma pedra filosofal, mas sucinta
preocupações de todos seus amantes. Aqui aparece bem resumida:
"Acreditamos que a importância que se dá à pessoa jurídica, também na
Internet, infelizmente supera a significância da pessoa física, real,
do 'internauta'. Cada dia mais ele vem se tornando passivo, cada dia a
Internet fica para ele mais parecida com a TV. Cada dia é menos
realidade virtual e mais veículo de contatos e negócios apenas.
Diversões. E compras. Não há a desejável consciência tecnológica,
quero crer, ainda. De Biblioteca da Alexandria, mais parece um
'mercado de pulgas' cibernético, onde o que mais se vende, o que mais
se busca são os gadgets." In: Kaminski, Omar. Obra Aberta: Bancos de
dados na Web anulam o mito da privacidade. Revista Consultor Jurídico,
29/11/2001. Disponível em: http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?numero=7650&ad=b
[22] Baudrillard, Jean. A Internet ruma para seu fim. Jornal Folha de
São Paulo, Ilustrada, 19/02/1998.
[23] "O otimismo inicial, que falava de uma Internet democrática, da
transmissão instantânea de conhecimento por redes e CDs e das
infinitas capacidades comunicativas da multimídia cedeu lugar a uma
retórica mais equilibrada. Um discurso que acontece com qualquer
inovação. Nela, todos poderiam falar e ser ouvidos. Com o tempo, ficou
claro que é sim possível falar. Já ser ouvido... Na verdade, o mesmo
aconteceu com outros meios de comunicação: a facilidade técnica para
produzir não significa garantia de distribuir com eficiência a
produção. Coisa que foi ficando aparente é que as grandes corporações
fazem os grandes sites, que os pequenos continuam o que sempre foram:
pequenos e quase invisíveis. Enfim, passada a euforia, pode-se dizer
que a Internet se limita a reproduzir o que existe: continuam a valer
inalteradas as diferenças de poder econômico e, portanto, de
capacidade de gerar e distribuir informação. Essa é, em síntese, a
situação atual das mídias eletrônicas: tanto CD como Internet são
produtos de grandes empresas, feitos em massa para atender a um
público quase tão passivo quanto o da TV. Ou alguém acredita que, por
existirem hoje mais canais de TV, o público ganhou alguma capacidade
real de escolha? Passada a fase heróica, vê-se hoje que a mídia
eletrônica reproduz exatamente o status quo do mundo real, que o
ciberespaço não tem nada de novo em termos de organização. Os
personagens mudaram, mas o enredo permanece. E isso não pára por aí.
Não nos esqueçamos que jamais houve nas TVs e jornais impressos nada
próximo ao monopólio virtual da Internet, que só deverá se
intensificar, com as fusões de grandes empresas e com a
competitividade entre sistemas operacionais acontecendo somente no
discurso. Ou seja, sob uma aparência de grande diversidade se esconde
uma padronização sem qualquer precedente." In: Assis, Jesus Paula.
No.: Multimídia é coisa para Titãs. 02/2001. Disponível em http://www.no.com.br/

http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/404nOtF0und/404_13.htm

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