Hannah BLUE
não lida,13 de mar. de 2008, 15:39:5013/03/2008Faça login para responder ao autor
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para Midiateca da HannaH
Suicídio e Psicoterapia - Uma visão Gestáltica
Hugo Ramón Barbosa Oddone
Este livro é extremamente paradoxal. Já no prefácio, Lílian Meyer
Frazão nos diz "no meu entender, o suicídio, mais do que um gesto que
cala, é um gesto que fala..." e a autora dá voz e estilo à fala do
suicídio, apresentando-nos uma notável e - repito - paradoxal figura
literária, uma provocação para o debate, um convite para o diálogo.
Na esteira do livro sobre luto1, Karina Fukumitsu nos comove e nos
desperta com este novo texto, exibindo-nos uma realidade cujos dados
geralmente são escondidos, proibidos, rigidamente controlados ou
manipulados. Há uma idéia generalizada de que não se devem publicar
dados referentes a estatísticas e motivações para o suicídio, pois
geraria na sociedade uma reação, geometricamente crescente, de aumento
dos casos. Talvez por esse motivo, há na literatura especializada,
sociológica, médica ou psicológica, um grande vazio a este respeito. A
referida obra vem preencher esse espaço.
A abordagem fenomenológico-existencial, na qual os juízos de valor
são colocados entre parênteses (epoché) e onde todo e qualquer a
priori são descartados, na tentativa de contatar o que é (o fato em
si), do modo que ele se apresenta, campeia nesta descrição
experiencial, quando nos deparamos, já no início do livro, com a
valente e corajosa confissão da autora sobre suas motivações pessoais
para pesquisar e escrever sobre tão espinhoso tema. A fenomenologia,
apesar de já ser uma abordagem metodológica centenária, continua ainda
chocando pessoas e instituições e sofre ainda certa resistência por
tratar-se de uma ciência de rigor inovadora e que propõe mudanças de
paradigmas para a investigação de conhecimento. Mais uma vez, repete-
se a história dialética e reacionária, que através de suas forças
conservadoras ceifam toda nova possibilidade existencial...
O livro consta de três partes, a primeira descrevendo os estudos sobre
o suicídio em si e uma discussão que circunda a experiência da autora;
a segunda parte refere-se à abordagem gestalt-terapêutica - baseada na
Fenomenologia, na teoria do campo, no humanismo e no existencialismo
-, apresentando a visão do homem, suas influências históricas,
compreendendo uma observação sucinta, inteligentemente resumida, dos
seus conceitos-chaves; e, na parte final, a autora faz uma vívida
correlação entre suicídio e Gestalt-Terapia.
A autora, detalhista e cuidadosa, apresenta-nos uma Gestalt-Terapia
mais moderna, integrando ao bojo teórico e metodológico da abordagem
todas as suas contribuições mais atualizadas. A Gestalt da autora é
ágil, moderna e basicamente brasileira, pois consegue integrar,
prolixa e sabiamente, todos os conhecimentos adquiridos, através de
pesquisas acadêmicas dos mais renomados teóricos do país e das
experiências vividas pelos mesmos.
Segundo Fukumitsu, o suicida não procura a morte, mas a vida. O ato
suicida trata-se de um derradeiro grito de confirmação da sua própria
existência, embora ele aparente extremo desespero e desistência.
Assim, a autora instiga-nos a procurar, por trás da tenebrosa
aparência da tentativa suicida, a mensagem que não pode ser
comunicada, o gesto não acenado, a expressão que não emergiu, a
resistência que não pode ser desdobrada em seus dois sentidos, o de
contato, mudança e o de conservação. Isto implica, quase sempre, em
intencionalidade, nem sempre em ato consciente ou compreendido pelo
próprio suicida ou pelos outros. Desvelada esta realidade, podemos
partir à caça da paradoxal intencionalidade vital do suicida e, ao
mesmo tempo, buscar o sentido de vida (ou até da falta dele), cujo
resgate e apropriação é o que, no fim do processo, redirecionará e
atualizará a qualidade existencial do cliente e do terapeuta.
A inclusão dos conceitos básicos na busca de familiarizar o leitor com
a abordagem gestáltica parece ser necessária, por dois motivos:
primeiro, exatamente porque ainda é pouco conhecida da grande maioria
das pessoas, inclusive nas faculdades de psicologia; segundo, a
Gestalt-Terapia é basicamente uma filosofia de vida, que preconiza um
mínimo de interferência na auto-regulação organísmica (Barry Stevens
dizia "não apresse o rio, ele corre sozinho"). Neste sentido, o
malogro na nossa sociedade atual caracteriza-se exatamente pela
priorização ou hipertrofia da tendência entrópica. Já a tendência
anatrópica é uma força pujante em todos os organismos vivos, que nos
leva, sempre, a uma maior organização e reticulação da consciência, a
mais vida. Pois, se nos concentrarmos absolutamente no aqui-e-agora,
alcançamos uma profunda e poderosa convicção: num organismo vivo, o
desejo imperante é viver. Thanatos não existe, organismicamente. A
autora demonstra vividamente esta realidade no segundo e terceiro
capítulos.
Afirma Fukumitsu no terceiro capítulo "... nossas vidas não voltam e
não podemos experienciar o futuro, ou seja, nossas vidas são
inéditas", e, com certeza, devemos vivê-las ineditamente... Este fato
não justifica o suicídio martiriológico por causas religiosas ou
sóciopolíticas, tão terrivelmente em voga na atualidade como arma de
luta do terrorismo político (homens-bomba), raro ainda na nossa jovem
democracia latino-americana. Neste sentido, prefiro destacar o
ineditismo deste livro, que nos conduz com sabedoria e coragem em
direção às nossas encruzilhadas e decisões existenciais. Com certeza,
uma leitura iluminadora.
Notas
[1]FUKUMITSU, K.O. Uma visão fenomenológica do luto: um estudo sobre
as perdas no desenvolvimento humano. Campinas: Livro Pleno, 2004.
* Psicólogo, gestalt-terapeuta. Coordenador da Série Gestalt-terapia
da Editora Livro Pleno, Campinas -SP. Coordenador do GESTALT-Núcleo
Riopretense de Psicologia e Psicoterapia. São José do Rio Preto - SP.
Referências Bibliográficas
Fukumitsu, K.O. Suicídio e Psicoterapia - Uma visão gestáltica. Série
Gestalt-Terapia. Campinas: Livro Pleno, 2005.