CIÊNCIA, ARTE & POESIA

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Hannah BLUE

não lida,
15 de jan. de 2008, 23:34:3415/01/2008
para Midiateca da HannaH
CIÊNCIA, ARTE & POESIA
Glória Kreinz*


" Lua do meu amor, de eterna claridade,
De novo outra lua ascende ao céu distante.
Quantas vezes, ainda, ao despontar ela há-de
Vir procurar-me em vão neste jardim fragrante!"

Rubaiyat, de Omar Kaiyyam


Neste início de milênio, quando as tecnotopias invadem o cotidiano em
forma de avanços tecnológicos impensáveis, algumas vezes busca-se nas
artes a fuga da realidade representada pela cibercultura. Muitos de
nossos cientistas e tecnólogos se mostraram artistas e escritores
formidáveis, como Leonardo da Vinci, Mário Schenberg, Carl Sagan,
entre outros. (...)


http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/espiral/tecno20a.htm

A Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que o Ministério de C&T
promove em 2004 entre os dias 18 a 24 de outubro, tem também entre
suas propostas a relação entre arte ciência e tecnologia.

José Reis, desde que começou a publicar o resultado de suas pesquisas
como cientista encontrou na expressão artística uma forma de atenuar
sua inesgotável procura pelo sentido da vida, fazendo da poesia a
companheira das horas solitárias, quando não estava pesquisando no
laboratório, ou trabalhando para veículos de comunicação de massa.
Tinha o hábito de escrever poesias, e também traduzia os mestres
internacionais, procurando adequar às sutilezas da língua portuguesa
versos de poetas como Rainer Maria Rilke e Novalis.

Em 1980, José Reis publicou na revista Ciência e Cultura artigo com o
título "Ciência e Poesia: Werner e Novalis", onde mostra a relação
entre estes dois campos do conhecimento, aparentemente díspares.
Friedrich Von Hardenberg, conhecido como Novalis, acreditava na magia
dos processos químicos, e das combinações verbais; acreditava em
mineralogia, em filosofia e em poesia, conforme assinala Otto Maria
Carpeaux, em sua História da Literatura Ocidental, p.1670.

Segundo Carpeaux "como poeta, Novalis está sozinho na sua época; como
pensador não. Socialmente, a sua filosofia mágica é uma tentativa de
recompor e recuperar a realidade, perdida pela Revolução; daí a
relação em Novalis entre a magia e o medievalismo" e "no seu mundo de
analogias místicas tudo é símbolo de tudo", p. 1671.

Em livro publicado em 1997, Ciro Marcondes Filho, coordenador do
Núcleo de Novas Tecnologias-NTC-, no ensaio SuperCiber, A Civilização
Místico-Tecnológica do Século 21, inicia o capítulo "O poético e o
verdadeiro", dizendo que "para Novalis, quanto mais poético, tanto
mais verdadeiro".

Ciro Marcondes e José Reis reafirmam, em artigos diferentes, o
relacionamento entre realidades que se organizam, tendo a verdade como
fim último, embora esta verdade não seja construída nos termos
objetivos da ciência, mas nos limites subjetivos da poesia.

Segundo Jacob Bronowski (Arte e Conhecimento, São Paulo, Martins
Fontes, 1983) "o mundo que o espírito humano conhece e explora não
sobrevive sem conceitos simbólicos. O símbolo e a metáfora são tão
necessários à Ciência, como a Poesia".

Diz ainda que "se a Ciência é uma forma de imaginação, se toda a
experiência é um tipo de jogo, então a ciência não pode ser árida.
Para o autor nem a Arte nem a Ciência são monótonas, toda a atividade
é criativa e divertida, mas nenhum trabalho criativo na arte ou na
ciência existe para o indivíduo se não houver uma recriação, a
incorporação de uma parcela de criação pessoal".

O Dr. José Reis, na introdução do Memorial para o prêmio Kalinga,
enviado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC,
para a UNESCO em 1974, refere-se à estreita ligação entre poesia e
ciência, que diz ter aprendido com o professor Henrique da Rocha Lima,
demonstrando sua arguta sensibilidade para conceitos simbólicos, e sua
extrema ligação com a Poesia.

"Com ele aprendi a filosofia mais profunda da ciência, sua arte e
administração. Aprendi a tolerância e o desejo de, pelo respeito e
cultivo de outros valores além dos científicos, buscar, na medida de
minhas forças, o limiar da sabedoria. Seu exemplo convenceu-me da
necessidade e do valor da comunicação da ciência e para fora dela.

"Dele aprendi, enfim, a viver ou procurar fazê-lo, como no verso de
Rilke em círculos crescentes".

Conforme já observado no livro A Espiral em Busca do Infinito, (Pavan,
C. e Kreinz, G. - Ensaios sobre o Dr. José Reis, NJR, São Paulo,
1998), dois fatores fundamentais do Dr. José Reis surgem nesta citação
anterior: a estreita relação entre ciência e poesia, sob o enfoque da
criação na relação cientista/mundo e a certeza de que a ciência deve
ser comunicada como ela mesma, enquanto objeto de descobertas, e na
suas implicações sociais. Divulgando suas descobertas o cientista se
abre para o universo que interpreta, de onde tira matéria prima de
suas pesquisas.

O artista encontra neste mesmo universo a matéria prima de sua
intuição/expressão, permitindo pensar que ciência e arte se ligam
fenomenologicamente e estruturalmente pelo mesmo princípio de criação.

CIÊNCIA & POESIA

Desde a antigüidade mais remota, conforme declara o prêmio Nobel Ylia
Prigogine, o cientista e o artista andam juntos, cada um completando a
atividade do outro, tornando sensível, muitas vezes, o conhecimento
abstrato.

Um dos exemplos desta ligação é encontrada no século 12, quando o
astrônomo persa Omar Kayyam escreve versos que até hoje encontram
ressonância, como é o caso dos Rubaiyat, compostos de 110 quadras, que
discutem a transitoriedade da existência humana. Otto Maria Carpeaux,
em sua História da Literatura Ocidental, p.2141, assim se refere ao
poeta/cientista:

"Omar Kayyam fez versos à maneira de uma tradição antiga na literatura
persa: apresentou um credo místico, em parte seriamente, em parte para
poder alegar um sentido alegórico nas suas canções de vinho; com
efeito, parece ter sido um grande bebedor, amigo das flores e das
moças. O vinho era seu narcótico para agüentar melhor o outro credo
seu, o de um místico ateu, epicureu, acreditando na destruição
definitiva do homem, no Nada absoluto depois da morte."

O poeta/cientista persa teve inúmeros seguidores, e entre seus
tradutores mais famosos temos o inglês Edward Fitzgerald, que colocou
os versos dos Rubaiyat, em inglês. Otto Maria Carpeaux considera
Fitzgerald um pessimista vitoriano, sui generis, que modela e remodela
"seus versos à maneira de um parnasiano, transformando o agnosticismo
positivista da sua época em doce música romântica, transfigurando one
moment in annihilation's waste em obra de arte pura."

É através de E. Fitzgerald que José Reis traduz, para a língua
portuguesa, 92 quadras que chama de Meu Rubaiyat. São quadras
escolhidas entre as 110 escritas por Kayyam, que o cientista
brasileiro julgava as melhores para expressar uma inquietação que
também era sua, diante de um universo que mesmo avançando em termos de
conquistas científicas não conseguia aplacar a insaciável sede de
conhecimento do ser humano diante do mistério da existência, como fica
explícito nestes versos traduzidos por J. Reis:


XLV
A estéril discussão deixa aos sábios formais
E a Luta Universal deixa ao meu coração;
E fica-te deitado em meio à Confusão,
A rir do que de ti pueril brinquedo Faz
.
XLVI
Nada mais somos nós que procissão eterna
De sombras a girar, estranhas, sem roteiro,
Do grande Sol em termo à fúlgida lanterna,
Que a rir, na treva, acende o Imortal Hospedeiro.

XLVII
Ai, se o lábio que beija, e o vinho rubro e ardente
Findam no grande Nada- são tristes bens terrenos!
Pensa que, vivo embora, és hoje tão somente
O mesmo que serás - Nada - nem mais nem menos



A transitoriedade e a precariedade da vida humana, num tempo infinito,
ficam bem marcadas nestes versos do Rubaiyat, de Omar Kayyam, que o
Dr. José Reis considerava como seus Rubaiyat, pois indicavam também
sua inquietação e constante procura pelo significado da existência,
que persistiram até sua morte, fazendo seus artigos de divulgação
científica presos às ultimas descobertas da ciência, procurando
esclarecer um pouco mais sobre o sentido da Vida e do Universo.

Temas mais amenos estão inclusos entre as quadras traduzidas por J.
Reis, tais como o amor e o vinho:

O Amor:


XC
Pudéssemos, Amor, com o Destino inclemente
Um dia conspirar, e em mãos detendo o Esquema
Das coisas, reduzí-lo a pó e incontinenti
Segundo o coração moldá-lo, tão somente!

XXVI
Amada, vem comigo e ao sábio atira
A Discussão. Eu sei que a vida corre.
Isto é verdade, e o resto é só mentira:
Mal descerra a corola, a flor já morre.





O Vinho:


XXXVII
- Enche-me o copo! Sim, que adianta repetir
que sob nossos pés corre o tempo ligeiro?
Do passado já morto, e do amanhã por vir,
de que serve cuidar, se o Hoje é doce e fagueiro.

XL
Amigos, bem sabeis que a muito realizei
No meu lar nova boda, a rir alegremente.
Do Tálamo a Razão infecunda expulsei,
Do Vinho desposando a Filha nova e ardente.

XLI
Muito embora com Régua e Linha, ou desarmado,
Os problemas do Ser e do Onde haja versado,
Bem certo é que de quanto eu cogitei no Mundo,
Tão somente no Vinho eu fui sábio e profundo.


Rubaiyat de Omar Kayyam, tradução de José Reis

NOTA

Agradecimentos à Dr.ª Nair Lemos Gonçalves, assistente do Dr. José
Reis, que gentilmente transcreveu a tradução do Rubaiyat para o acervo
do NJR, quando ainda não tínhamos recebido o Acervo José Reis.

Bibliografia Geral

ATLAN, Henri. Entre o cristal e a fumaça. Ensaio sobre a organização
do ser vivo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
.
CARPEAUX, Otto Maria - História da Literatura Universal. Rio de
Janeiro, Ed. O Cruzeiro, 1963, Vol. V

HAYLES, N. Catherine. Chaos and Order. Complex Dynamics in Literature
and Science. Chicago/London, The Chicago Univ. Press, 1991.

KREINZ, Glória, Pós-Modernidade e Caminhos da Cidadania, in Educação,
Tributação e Cidadania, São Paulo, FDE, 1995
.
KREINZ, G e PAVAN, C. (org.) - A Espiral em Busca do Infinito. São
Paulo, NJR-ECA/USP, Coleção Divulgação Científica, volume I, 1998.

MARCONDES FILHO, C. - SuperCiber: A Civilização Místico-Tecnológica do
Século XXI. São Paulo, Ática Shopping Cultural, 1997.

PRIGOGINE, Ylia - O Fim das Certezas: Tempo Caos e as Leis da
Natureza. São Paulo, Editora da UNESP, 1996.

REIS, José - Meus Rubaiyat, tradução apostilada de Omar Kayyam, acervo
do NJR, s/d.



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* Glória Kreinz é coordenadora de pesquisa do NJR-ECA/USP
http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/espiral/tecno20a.htm


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