A CIDADE NA CIVILIZAÇÃO MEDIÁTICA AVANÇADA
Glocalização, dromocratização e transpolitização da experiência urbana
contemporânea
Eugênio Trivinho
A proliferação social de vetores de aceleração tecnológica da vida
cotidiana e a banalização dessa aceleração como valor inquestionado
protagonizaram uma mutação antropológica inédita na racionalidade e na
sensibilidade com as quais e pelas quais se desdobra o modelo
predominante de vivência da e de relação com a cidade. A percepção de
que a comunicação eletrônica é hoje o epicentro descentrado desse
processo converteu-se em conhecimento corrente. Não obstante, o
profundo impacto da emergência social-histórica da comunicação na
experiência da condição urbana ainda está para ser melhor compreendido
e, sobretudo, levado às últimas conseqüências teóricas.
A reflexão proposta explora, sob o ponto de vista da categoria da
crítica, três dos processos vetoriais mais importantes que estão na
base dessa problemática: o glocal, a dromocracia e a transpolítica,
bem como os seus derivativos, a glocalização e a dromocratização da
existência individual e coletiva e a transpolitização das tendências
do social contemporâneo. Moduladores heterodoxos da experiência urbana
- ainda pouco explorados pela reflexão teórica -, tais processos
matriciais, ao pressuporem, no centro da questão, as tecnologias e
redes comunicacionais (de massa e interativas), explicam, por sua vez,
três dos fenômenos mais importantes (e impressionantes) em relação à
cidade (como invenção social-histórica e equipamento urbanístico e
arquitetônico legado) e à vivência atual do environment citadino: [1]
a reinvenção do espaço no contexto de acesso às redes de comunicação
[glocalização fractalizada do território], [2] a conversão da cidade
em fluxos de passagem (por espelhamento no tráfego de informações nas
redes) [dromocratização urbana] e [3] o despovoamento dos logradouros
da cidade - lugar por excelência da ação política e do sujeito
coletivo - em prol de novos redutos de sociabilidade urdidos e
engalanados por forte concentração publicitária e comercial
(transpolítica do desinvestimento no social herdado).
O fenômeno do desaparecimento da cidade aí implicado (do ponto de
vista da percepção convencional), em virtude de sua liquefação em
signos, coincide com a completa re-fundação do processo urbano no
imaginário social hodierno (doravante indexado pelo vetor mediático),
num horizonte cultural (já consolidado) inteiramente alheio à lógica
da modernidade. Tudo consta, assim, profundamente rearranjado.
A experiência da cidade se constitui e se esgota num contexto situado
para além do global e do local, da globalização e do regionalismo, do
público e do privado, do centro e da periferia, do próximo e do
distante, do interior e do exterior, do imaginário e do real, e assim
por diante.
A apreensão teórica mais completa e consistente dessa mutação
antropológica, social e perceptiva somente se faz possível,
fundamentalmente, mediante aposta em um novo mapa epistemológico, com
o objetivo precípuo [1] de tensionar a doxa teórica vigente e de lhe
vigorar como alternativa, em prol da desconstrução de mitos correntes,
sob pena de afirmação da demissão intelectual diante do desafio
representado pela condição do presente; e [2] de contribuir para que a
transformação do estatuto da cidade na civilização mediática avançada
- acontecimento que se irradia para a posteridade remota - seja vivida
sob a menor taxa de consciência.