Prof. Antonio Negri
Obrigado por ter sido convidado.
Tenho que dizer que estou muito preocupado por estar diante dessa
série de perguntas que se referem à vida, ao sofrimento, à acolhida do
doente, à atividade terapêutica e a tudo o mais.
Infelizmente tudo é tão abstrato para mim que não consigo compreender
nem mesmo a minha dor, o que acontece comigo, porque eu também fico
doente, preciso ser assistido e por isso fico-lhes grato e ao mesmo
tempo não.
Peço desculpas porque vocês me colocam em uma situação difícil e por
isso tentarei considerar os fatos à distância esperando com a ajuda de
vocês chegar o mais perto possível.
Esses conceitos extremamente fundamentais que são propostos e que são
comuns à produção biopolítica, à população, são conceitos que devem
ser relacionados de uma forma dinâmica.
Acho que começar por Spinoza seja importante. Isso porque Spinoza nos
apresenta uma idéia de ser que significa potência, isto é, quando nos
encontramos na vida, tomamos consciência da vida, tomamos consciência
da vida enquanto uma potência essencialmente construtiva, uma potência
construtiva que une as várias formas de apresentação do ser. Essas
formas são basicamente duas: de um lado o corpo e do outro o intelecto
ou a vida racional. E essas duas formas funcionam intrinsecamente. O
corpo e a razão não são distintos como a alma e o corpo, na verdade
estão estreitamente ligados e, embora pareçam diferentes, estão
essencialmente unidos.
Essa diferença de percepção se torna também um processo de
constituição do homem. Quero dizer que o homem nasce, como todos os
animais, dentro de uma essência vital que é produtiva através do
mecanismo material da vida, do encontro entre partículas e da
associação delas se torna singularidade. E essa singularidade não é
simplesmente uma determinada singularidade, individual, é uma
singularidade que reúne uma série de corpos que se associam e formam a
sociedade.
Temos então esses processos que são de um lado associações e do outro
expansões. De um lado se tornam somente processos que levam à
constituição de cada indivíduo, do outro levam ao que chamamos de
constituição do social.
Quando se entra nesse terreno descobre-se que, por exemplo, a partir
de Spinoza, parto de Spinoza porque acho que é uma idéia que todos nós
temos mais ou menos em mente.
Quando parto de Spinoza, porque acho que todos nós temos esse esquema
em mente, podemos justamente estabelecer a idéia de continuidade entre
natureza e espírito, entre natureza e intelecto.
No pensamento de Spinoza essa relação é mediada por uma série de
formas que determinam continuidade. De um lado temos um "conatus",
isto é, um estímulo essencial à vida, uma potência essencialmente
vital. Do outro, temos um "appetitus", um estímulo ao desenvolvimento
na relação da nossa consistência. A essa altura, o "appetitus" se
transforma em "cupiditas", isto é, em desejo.
O desejo está encarnado na imaginação, na capacidade, portanto, de
criar horizontes cada vez mais amplos, da sensibilidade, do "conatus"
e do "appetitus" passamos a aspectos internos de desejo e imaginação.
O desejo está no corpo como a imaginação está no intelecto e é no
quadro da relação entre desejo e imaginação que se forma em um
crescendo a seqüência sucessiva do intelecto, isto é, da compreensão e
da razão, do órgão que compreende a sensibilidade, o apetite, a
imaginação, o intelecto e sintetiza tudo isso em uma função que é,
como diz Spinoza, o amor intelectual de Deus. Mas esse amor
intelectual de Deus não é outra coisa senão a compreensão do próprio
processo, isto é, da síntese do próprio processo. Deus é simplesmente
essa potência que move o processo do início ao fim.
A filosofia spinoziana é totalmente emanatista, isto é, em uma
linguagem técnica significa que essa divindade é enganosa, não existe
fora do mundo e é essa força, essa potência que leva da vida física ao
amor, do que é a identificação do indivíduo à determinação dos
relacionamentos, leva à cumplicidade da vida, à sua compreensão.
Agora vamos tratar de um tema que foi abordado aqui. Quando falamos de
razão, trata-se de razão em termos de biopolítica, isto é, de um lado
ligado ao que chamamos de perfeita imanência da compreensão do corpo,
do desenvolvimento da vida enquanto tal, e por outro lado essa
dimensão de socialização política que vem de "polis", de comunhão que
nos dá essa relação.
É óbvio que diante dessa relação a produção biopolítica é
imediatamente imaginada nessa seqüência. Produção enquanto ser que
produz, produção biopolítica no sentido que estabelece a relação
entre bios e político enquanto socialização, determinação,
determinação comum.
Até esse ponto o Comum não é representado como valor, mas simplesmente
como tendência, isto é, uma tendência imanente ao desenvolvimento que
leva a uma comunidade cada vez mais alta. Transformar essa comunidade
mais alta em uma tendência, em um valor è essencialmente função da
imaginação que leva da segunda, que age entre a primeira e a segunda
forma de conhecimento, a primeira forma de conhecimento é a sensível e
a segunda é a intelectual, à terceira forma de conhecimento que é
justamente a que é encarnada pela afetividade mais alta, isto é, pelo
amor.
O amor é, portanto, a força ontológica, isto é, não é simplesmente
sexual, erótica, material, nem simplesmente transcendental, portanto,
caridosa, divina, é a força que mantém unido materialmente mas também
no seu complexo todo o processo.
Por que voltamos atualmente a um pensamento como o de Spinoza ? É uma
situação muito diferente daquela na qual teoria spinoziana tinha se
desenvolvido. Por que atualmente precisamos de uma teoria desse tipo ?
Precisamos dela no ápice, no ponto mais alto do desenvolvimento
capitalista e da reestruturação da sociedade que o capitalismo
desenvolveu. Uma certa analítica presente na base da construção do
capitalismo. A filosofia de Spinoza é uma filosofia que se afirma na
primeira metade do século XVII, Spinoza morreu em 1677, mas que
compreende o ponto mais alto da filosofia da Renascença,portanto, do
próprio processo do pensamento, a burguesia progressista que constitui
o mundo capitalista no qual vivemos, o tipo de organização que chegou
justamente ao nível mais alto de maturidade e talvez de crise.
O fato é que o desenvolvimento capitalista chegou a absorver
praticamente toda a sociedade. Considerando sob o ponto de vista da
análise contemporânea do desenvolvimento capitalista normalmente se
diz que a sociedade foi mergulhada no capital. Foi absorvida no
desenvolvimento capitalista. Todas as nossas relações enquanto
relações humanas foram configuradas como valores de troca que podem
ser mais ou menos comercializados, que porém são por assim dizer
prefigurados dentro da capacidade capitalista de domínio.
Dentro dessa prefiguração que modifica a própria natureza e tira a
possibilidade de considerar os elementos originais, naturais, que eram
chamados de valores de uso, e que absorve também os valores de uso
dentro dos valores de troca.
Estamos em uma situação em que precisamos tirar de dentro de nós
mesmos essa liberação, isto é, de encontrar uma solução, o modo de
valorizar uma existência que foi de certa maneira potencializada ao
máximo pelo desenvolvimento capitalista, mas ao mesmo tempo
empobrecida de todos os valores.
Estamos nessa situação completamente paradoxal que nos foi descrita
por uma grande parte da filosofia contemporânea, chamada de filosofia
pós-estruturalista, pós-moderna que nos foi introduzida pelos
franceses e americanos.
É um terreno no qual Spinoza se torna terrivelmente importante
justamente pela sua capacidade de inserir uma pulsão interna e
produtiva. Vejam, por exemplo, na filosofia contemporânea nos
encontramos diante da descrição desse ciclo, da reestruturação
capitalista, da natureza, da sociedade dentro do capital nos termos
considerados funcionais de um lado e por outro lado insuperáveis.
Temos por assim dizer formas de resistência que ocorrem somente
perifericamente, formas de resistência que são freqüentemente
caracterizadas não só como periféricas, mas também catastróficas,
desesperadas.
Não se pode fazer nada a não ser acomodar-se na função interna de todo
sistema como muitos dizem.
Spinoza, a análise feita aqui nos possibilita dizer não, há um ponto
de produção interna nessa totalidade que o desenvolvimento capitalista
funcionalmente determinou e que podemos colher. Podemos colher como
resistência, mas talvez também como alternativa, como início de um
outro processo. É aqui que a análise sobre a produção biopolítica se
torna não simplesmente análise de uma situação funcional mas poderia
ser , se torna não simplesmente análise de uma tendência como tal, uma
tendência necessária, já definida.
A vida é controlada pelo biopolítico poderia se dizer. Com certeza a
vida é ligada à política.
O sistema sanitário é o ápice de uma produção biopolítica. A saúde,
poderia se dizer, que usamos o sistema fiscal e simplesmente político,
embora seja biopolítico e como, mas a saúde é justamente a coisa mais
biopolítica que existe.
E , portanto, quando nos colocamos nessa posição começamos a colher e
colhemos, aliás eu dizia que a outra coisa que colhemos é o Comum, não
mais simplesmente como dado, mas como valor porque quando se percebe
esse elemento de produção interna como possibilidade alternativa ou
capacidade de renovação e como de qualquer maneira potencialidade de
desenvolvimento. Assim como o outro princípio, o princípio spinoziano,
mas também o princípio diria, veremos mais adiante em que sentido pode
ser também filosoficamente desenvolvido.
Vamos colher o princípio do comum, isto é, o princípio do Comum como a
consolidação não mais simplesmente como produto capitalista, mas como
produto capitalista e capacidade produtiva.
O que é extremamente contraditório na situação é o fato que somos ao
mesmo tempo o produto e o produtor, ao mesmo tempo esse mundo
construído às vezes de forma feroz, mas por outro lado exatamente
através desse processo de conseguirmos fazer emergir uma solução
comum, uma capacidade imaterial e cada vez mais comum porque a
imaterialidade é definida justamente como comunidade
Vamos fazer essas passagens uma de cada vez. Nós, esses são os
ministros que estão reunidos, o presidente, o poder constituído.
Vamos por passos. Dissemos que por um lado esse processo biopolítico é
algo que nos liberou da condição geral na qual vivemos. Condição em
que a vida foi cada vez mais absorvida dentro do desenvolvimento
político, portanto, dentro da criação de estruturas políticas que são
na verdade estruturas em cooperação de comando.
Nessa estrutura de cooperação de comando nós redescobrimos porém uma
vida que é uma vida comum que se potencializou com o desenvolvimento
dessa estrutura. Especialmente potente foi uma inserção que em todo
caso tem uma relação com as dinâmicas técnicas e tecnológicas da vida
contemporânea.
Essas dinâmicas técnicas e tecnológicas podem ser vistas nos dois
sentidos, por um lado podem ser perfeitamente desumanizadas, mas por
outro lado podem ser entendidas também como elementos que aumentam a
potência do ser em relação às coisas que nos rodeiam.
Temos , portanto, essas relações que são relações sistematicamente
contraditórias mas por assim dizer progressivas, espiralmente
progressivas, progressivas também na ruptura, não quer dizer que sejam
necessárias.
Ás vezes exatamente ocorrem essas tendências repentinas, alternativas,
acidentais, conseqüência de fraturas. Porque justamente quanto mais
nos deparamos com os compromissos, com os "engagements" que se tornam
cada vez mais voluntários, mais ou menos democráticos, isto é, mais ou
menos comuns.
O Comum, a partir das fichas que foram fornecidas do que era o
pensamento comum, cidade comum. Evidentemente é exatamente o que se
dizia, isto é, do Comum em geral todas as temáticas que começam por
"sin" que são muito freqüentes e que nos levam a pensar, nos levam a
um pensamento diante da cidade. Há esse elemento fundamental, o
pensamento cidade-linguagem que é presente no desenvolvimento da idéia
de Comum. Diria que há além dessas indicações que foram dadas, que são
extremamente importantes, que vale a pena lembrar e hoje é uma das
tendências mais fortes em relação à idéia de Comum, é a que vem do
Islã, da filosofia islâmica, do seu herói especial.
Vale a pena lembrar disso hoje porque se falava tanto justamente de
choque de civilização.
É exatamente isso, o choque de civilização vem justamente de uma
civilização com um senso de Comum muito maior do que o do
individualismo ocidental. Que nos parece muito importante. Em todo
caso a filologia nos possibilita só por um lado a linguagem comum, por
outro lado o Comum é também uma condição biopolítica que tem uma
estabilidade, diria que quase em um nível macrofilosófico,
macropolítico, alto, no qual o Comum se estabelece como uma solidez de
bem estar, de bem estar comum. Por outro lado há esse nível de pura
relação do sentido de Comum e que é submetido no âmbito da relação no
que são os andamentos positivos ou negativos desse desenvolvimento.
Por exemplo não há dúvida que a doença, a dor, o sofrimento são algo
de comum, mas consideramos isso como variedade e contradição.
Sob esse ponto de vista, por exemplo, o que significa trabalhar contra
a doença ? É trabalhar contra a morte, não ? Exato, mas é
principalmente ajudar a pulsão à vida, não ? Que sentido há em
trabalhar contra a morte, superar a dor e reconstruir a vida ?
Eu nunca soube. Às vezes faço de conta que resolvo esses problemas
falando de metamorfose, de prótese, de aumentos, mas são fingimentos
que para mim são um verdadeiro problema.
Sei que do ponto de vista filosófico, do ponto de vista da reflexão
são problemas que procuramos resolver inserindo, por exemplo, a
tecnologia nesse corpo. E quando digo tecnologia não digo simplesmente
tecnologia no sentido de instrumento técnico, mas tecnologia enquanto
instrumentação ideal, moral, ética e também física.
Tenho a impressão que algumas vezes exista um tal elemento de ausência
que devemos de alguma maneira superar. Como superá-lo ? Talvez a
história do homem seja uma história de prótese, de prótese contínua,
de correção dos braços e depois a correção principalmente do cérebro
às condições cada vez mais novas que surgem aumentando assim a nossa
potência de vida. Mas há todavia um problema e essa é a dúvida. É um
problema porque eu apesar de estar totalmente convencido que seja
assim, vejam, quando se fala de Medicina, trata-se também de vida no
sentido de filosofia.
A maioria dos filósofos começou na época moderna chamando a si mesmos
simplesmente de médicos, médicos do cérebro, a correção, o tratamento
do cérebro é o primeiro problema. A correção dos erros do cérebro, a
grande reforma nasce sempre da capacidade de tratar-se, de tratar de
si mesmos, de tratar a própria doença, de tratar as ilusões, de
transformar a si mesmos, portanto, de acrescentar, de desenvolver a
potência que é, dizemos sempre, nós o vimos , o fluxo contínuo que
passa da sensibilidade até o amor mais sublime, à maior concepção do
mundo e se potencia.
Eu me lembro de um fato formidável que foi a luta dos enfermeiros,
aliás enfermeiras do hospital de Paris contra as primeiras tentativas
de privatização dos hospitais parisienses. Tenho inclusive um
documentário, um belo filme que mandarei a vocês assim que voltar à
Itália. É um filme sobre a luta dessas enfermeiras. É um filme todo
baseado, era uma luta totalmente baseada praticamente contra a
privatização, era uma luta que tinha também aspectos salariais que era
um movimento interno, mas importantíssimo porque foi uma luta nascida
quase fora dos sindicatos. Portanto foi uma luta que não tinha ainda
as características próprias de alta autonomia. Além disso era a
primeira vez que as mulheres participavam de uma luta dirigida por
elas, isso porque os homens no corpo dos enfermeiros eram muito pouco
importantes, na verdade eram principalmente as pessoas que faziam os
trabalhos mais duros, mais pesados, etc. Portanto havia essas mulheres
que guiavam a luta e todo o seu discurso se tornou vencedor quando
conseguiram a adesão da família dos doentes e por conseguinte
praticamente todos os externos ao hospital, os núcleos dentro dos
quais os hospitais se moviam na luta. E essa foi uma luta que durou
muito tempo e depois se consolidou.
Há também uma documentação bem ampla de sociólogos franceses sobre
essa luta que pode ser recuperada porque acho que esse projeto poderia
ser muito interessante.
Mas eu dizia porque nesse caso uma série de elementos que abordamos
até agora vieram à tona. No entanto, a natureza do trabalho dessas
enfermeiras, que fique claro, é um trabalho ao mesmo tempo
intelectual, porque as funções em jogo são imateriais no sentido de
intelectuais, afetivas e assim são características da definição desse
trabalho e por isso, por exemplo, o utilizamos freqüentemente como
meio de comunicação. Um outro tipo de indicação que dávamos era sobre
o trabalho das comissárias de bordo, nos aviões que nos transportam.
No final das contas trata-se de um trabalho delicadíssimo do ponto de
vista do relacionamento afetivo, da intuição do estado dos viajantes.
Em relação às enfermeiras isso é importante e além disso havia um
outro elemento fundamental do trabalho tipicamente feminino entre
aspas e que na prática foi o trabalho feminino por tanto tempo mas
enquanto trabalho sujeito, definido assim dentro do regime patriarcal
e que no entanto foi recomposto dentro do trabalho, recomposto como
trabalho do mais alto nível, dentro da definição de trabalho
imaterial. E além disso esse trabalho imaterial é um trabalho
comunicativo, naturalmente afetivo, mas comunicativo em senso máximo,
na sua totalidade.
Nesse caso também deveria ser assim. Quando se diz que o trabalho
afetivo e comunicativo significa trabalho comum, o que é senão o tipo
de afetividade que constitui o Comum ? Eu dizia antes que o Comum não
é algo orgânico, fixo. O Comum é algo que construímos continuamente ou
melhor o Comum quer dizer duas coisas: de um lado a condição de nosso
trabalho, da nossa atividade, da nossa produção, mas por outro é algo
que construímos continuamente. O Comum é a base mas também o produto.
E talvez a um certo ponto as coisas cheguem em um nível de acumulação
e, portanto, a um mínimo de realização que nos torna diferentes e
finalmente a um novo conceito de metamorfose de se intensificar cada
vez mais. Porque isso é importantíssimo, não podemos continuar a agir
nessa incerteza. Temos que forçar alguns desses elementos para tentar
torná-lo irreversível. Vejam bem, quando se trata de biopolítica é
muito difícil criar um conceito como o da revolução. Sabemos como é
difícil construir ponto por ponto, momento por momento. O conceito de
revolução é algo tão ligado a esses grandes macro-sistemas, embora
ainda seja válido o conceito de tomada de poder ou algo semelhante. Em
todo caso é relativamente importante dar uma resposta a esse tema. O
que é imprescindível em um sistema biopolítico verdadeiro é como se
modifica, como se consolida e como se torna irreversível.
Esse processo extremamente delicado mas contínuo quando se acumula
determina limites. Qual é a correspondência afetiva desses limites ?
Corresponde a uma evolução do trabalho no Comum, construindo o Comum,
que nos dá o Comum como produto. Há um limite de comunidade mais alto,
mas esse limite de comunidade mais alto não é algo, entendam, não é
uma realização, não significa simplesmente a criação de um hospital.
Criar um hospital é importantíssimo, mas é relativamente secundário em
relação ao que se encontra dentro. E quando se cria um hospital novo
seria necessário que houvesse também uma humanidade nova dentro, uma
série de práticas novas existentes dentro, uma série de inovações
contínuas que existem dentro, caso contrário o hospital mesmo novo
continuará velho.
E daí vem a acolhida. Continuando com o tema, estamos só começando,
mas acho que depois Judith quando falará do vocabulário de Foucault e
da construção poderá acrescentar muitas coisas e especificar.
Trabalhamos tanto tempo juntos por isso podemos nos integrar de
verdade sobre esse assunto. E outros elementos poderão ser
acrescentados.
Falava-se de um outro aspecto importante, o relativo, o conceito de
diferença, de resistência, discutido na outra noite no Teatro Oficina.
Na minha opinião a continuidade do trabalho não é outra coisa senão o
retorno a novos materiais, evidentemente mas principalmente às
contradições encontradas em relação a temas já abordados. E ,
portanto, quando se fala de trabalho imaterial como alavanca
necessária de crescimento do Comum e se qualifica esse trabalho como
construções técnicas por um lado e de outro como construções de
limites comuns, que podem se tornar cada vez mais largas, cada vez
mais amplas. É necessário acrescentar que esse trabalho imaterial é
também qualificado por uma contínua emergência de singularidade,
inovação, novidade, enquanto trabalho imaterial que se estabelece em
rede. Essa novidade não deve parecer uma inovação externa, mas, por
exemplo, nas relações essa novidade se torna imperceptível, teria dito
Deleuze, capaz de adaptar-se às necessidades.
Portanto existe uma inovação especial que intervem na relação porque
ela exige um tipo de delicadeza, de intimidade, de sutileza, de
compreensão profunda e essa relação se renova sempre porque é
singular, não é simplesmente funcional, é criativa porque a função é
definida por essa criatividade.
Acho que o peso das instituições, da rotina, o desgaste das relações
impedem isso. E são esses fatores que determinam os níveis de
resistência. Ficamos indignados de verdade quando isso não é possível,
quando a estrutura na qual trabalhamos nos impede de colher esses
elementos de inovação, de renovação da singularidade, da relação
individual, da impossibilidade de expressar os sentimentos mais sutis
porque são as mais afetivas, inteligentes e dinâmicas da relação.
Acho que a maioria dos processos de indignação e de ruptura ocorre
tanto por parte do operador como por parte do paciente. Na realidade
esses elementos são bem imperceptíveis. Há grande contradição aqui
também porque por um lado podem levar à morte. Acho que o fato de ser
imperceptível pode se tornar altamente criativo quando é ouvido e se
acumula. E os elementos de resistência e de ruptura nesse contexto
podem ser extremamente importantes.
Não sei se posso comparar com a análise de formação, mas talvez seja
possível.
A análise de formação da resistência em uma área, no local de trabalho
sobre o nascimento da experiência de indignação, de ruptura ocorrida
nos hospitais, nos locais de sofrimento, principalmente nos locais de
sofrimento psíquico.
Na minha opinião mais que as grandes contradições é o fluxo das
pequenas rupturas, das pequenas contradições quem determina o momento
da ruptura porque tais momentos podem ser positivos como também
negativos. A ruptura nem sempre é boa. É verdade que existem as lutas,
mas são as lutas positivas que impulsionam a história, que a
atravessam, mas também as lutas negativas, como também existem as
multidões boas e as más, existem as multidões fascistas, como também
as que movem o mundo e a transformam.
Para mim a acolhida deve acontecer nesses níveis que são certamente
funcionais, fundamentais.
Eu, por exemplo, trabalhei como sociólogo quando tive que analisar o
comportamento das caixas nos supermercados. Trata-se de um trabalho de
acolhida. Acolhida de um cliente que não pode pagar o que comprou e,
depois de ter atravessado com muita dificuldade o supermercado, chega
ao limite de um sofrimento enorme. As caixas são muito mal pagas para
fazer esse trabalho apesar de ser um dos mais delicados. Não é verdade
que simplesmente pegam a mercadoria e passam pelo leitor do código de
barras, elas devem analisar sempre o cliente que se torna efetivamente
tal quando chega ao caixa e pega aquele dinheiro que muitas vezes é o
mais importante de sua vida. Portanto elas se tornam as pessoas mais
compreensivas, mais capazes.
Elas me contaram na entrevista que eram capazes de fazer um retrato
psicológico do cliente, sabiam quem tinha dinheiro no bolso ou não,
sabiam quem daria a desculpa de não ter trocado ou se comportaria
desse jeito.
Falo das mulheres porque nesse caso a relação entre trabalho
intelectual e trabalho afetivo é totalmente central. Creio que Judith
poderá hoje à tarde intervir sobre esse assunto. Essas funções comuns
não são simplesmente derivantes da diferença da mulher, aliás, elas
vêm da homogeneização da relação à qual os homens também são
submetidos.
Em todo caso o importante é mobilizar positivamente esses elementos de
resistência porque são elementos de dureza dentro do processo. E
quando se fala do conceito de multidão se fala da possibilidade de
recompor todas as singularidades, isto é, o problema da constituição
de uma multidão, porque não se trata de uma simples condição de
trabalho Comum ou uma condição de produção comum, mas o fato de estar
juntos a partir do reconhecimento da própria singularidade, da própria
capacidade de inovação, da própria capacidade de ser diferente. É o
conjunto dessas diferenças que constrói o Comum enquanto relação,
enquanto circulação, enquanto rede.
Quando se diz que a multidão é também conceito de classe se fala de
algo que é fundamental também, isto é, essa inovação, essa
singularidade, esse trabalho vivo é explorado, funciona dentro de um
nível de exploração. O trabalho imaterial é o trabalho que o capital
mais esvazia porque como se faz para quantificar o valor afetivo ?
A quantificação entre a média concepção marciana estava relacionada à
quantidade de atividade física desenvolvida em um tempo específico. A
relação entre atividade física, força, trabalho e tempo, horário de
trabalho, jornada de trabalho era o que qualificava o valor obtido na
produção e partir da quantidade total do valor obtido na produção, a
quantidade do não valor era subtraído do capital. Quando nos
encontramos diante do trabalho que se torna imaterial , portanto,
intelectual, afetivo, qual é a medida do que é explorado ? Existem
várias tentativas de medir esse tipo de exploração. Provavelmente o
ponto de vista mais importante, mais funcional, mais eficaz seja o de
medir a exploração a partir da intensidade da cooperação. Como é
impossível tocar essa força, prestem atenção para que não se consume,
na realidade é um excedente porque entre aspas tanto um operário da
saúde como um operário da comunicação está em um nível por assim dizer
mais alto embora seja estupidez falar em nível mais alto porque depois
tudo é nivelado, mas em um nível mais alto do ponto de vista de
qualidade do trabalho do que de um outro tipo de operário que
simplesmente trabalha no plano material porque a sua força de trabalho
não se consuma simplesmente. Não é cansaço físico que se consuma, é
capacidade inventiva porque tanto o afeto como a capacidade de criar
relações, como a capacidade de criar linguagem, como a capacidade de
compreender onde está o mal, de tratá-lo, são justamente construções
mentais de afeto, de imaginação, de razão, de técnicas e de amor.
Exatamente como uma relação de amor não pode ser medida esse tipo de
trabalho também não pode. Então como ele poderia ser explorado ?
Explorando as relações. Explorar a cooperação, explorar as condições
imateriais nas quais o trabalho se desenvolve, se reproduz. E
transformar os bens financeiros, econômicos, calculá-los sob esse
ponto de vista. Mas a grande dignidade desse trabalho é a sua
formidável capacidade criativa. E a sua irredutibilidade deve ser
contida sob comando. Porque a verdadeira contradição de classe passa
por isso. Passa pelo fato que a estrutura capitalista quer comandar,
funcionar, reduzir tudo que é irredutível. É por isso que esse tipo de
trabalho pode ser, pode tornar-se vital no processo democrático. Por
causa desse tipo de trabalho mais do que pela nossa experiência
histórica que Ricardo perguntou ironicamente se seria possível pensar
em um novo comunismo.
O problema não é pensar em um comunismo novo ou velho, em renovar o
inventar novas ideologias. O problema é simplesmente pensar que o
patrão se torna cada vez mais sufocante. É cada vez mais insuportável
diante da capacidade de desenvolver forças e invenções, de liberar
continuamente, produzir continuamente subjetividade, singularidade.
E , portanto, sob esse ponto de vista existiriam tantas outras coisas
a dizer. Acho que, uma última coisa, quando insisto sobre a
singularidade, quero dizer algo de muito preciso. Singularidade é
aquela realidade, é uma singularidade corpórea, antes de mais nada, é
sempre um corpo que se une a isso. Mas assim como o corpo a mente
também funciona na relação.
Existe uma concepção filosófica, a partir de Spinoza, existe uma
concepção que é da singularidade que chama de indivíduos essas
pessoas.
Hoje são chamados de indivíduos. O que quer dizer indivíduos ? O
indivíduo é algo com uma substância dentro. Que cada homem não vive na
relação, mas é implantado em si mesmo com uma alma que se refere ao
não se sabe o quê e é sobre isso que são implantadas todas as
ideologias possessivas. Porque o indivíduo em seu completo isolamento
às voltas com a sua própria alma, com a própria substância interior
faz surgir o egoísmo que se torna fundamental e primordial.
Por outro lado quando consideramos a experiência, a realidade, nos
encontramos diante das imagens dessa singularidade criativa que vive,
que vive na relação por isso quando se diz multidão se diz que a
solidão não é possível. Porque desde que a criança nasce se ele fosse
sozinho ou um indivíduo simplesmente não sobreviveria nunca. Não
existe Robinson que possa nascer como Robinson em uma ilha deserta. Se
não existir amor, isto é, essa solidariedade metafísica, ontológica
que o sustenta. Se não existir esse amor que o conduza, que o conduza
na vida, se não existir essa solidariedade, essa capacidade de ir de
si em direção aos outros, dos outros em direção a si continuamente e
de viver na relação não existiria nem mesmo essa contínua metamorfose,
essa prótese formidável, enorme em nossos órgãos que se tornaram
afetivos, amorosos.
Porque o amor não é somente essa forma que nos sustenta, mas é a mais
alta, o amor ontológico, não estou falando do amor da madre, mas
também dele, mas de um amor assim porque você é homem. Porque não
posso viver sem você. Mesmo sendo um paciente, mergulhado na dor.
Porque posso compreender a sua dor somente porque eu também estou
dentro dela. E depois de tudo isso eu também posso morrer.
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Acho que posso responder a essa pergunta. Observem o que acontece com
as pessoas que trabalham com informática.
O prazer do trabalho, de uma atividade totalmente intelectual a
relação se torna fundamental. É lógico que se trata de romper com a
ética protestante do trabalho. O fato de romper de verdade com a ética
protestante do trabalho.
Acho que apesar das oposições, das críticas que receberei de Judith
hoje à tarde, acho que exista uma especificidade que foi pervertida
pela ética protestante patriarcal de encontrar na tradição do trabalho
feminino uma potência extrema, diria Spinoza, de amor, para resolver
esse tipo de problema.
Rogério
Eu vou fazer um pequeno ponto antes de almoçar e depois retomamos para
um debate maior para ouvir Judith e Beppo.
Quanto ao trabalho imaterial, uma pergunta que fazemos é: Como
mobilizar o interesse? Porque podemos pagar, mas não garantimos o
engajamento do interesse. O trabalho imaterial é o cuidar, o se ocupar
de alguém, o criar; nunca podemos saber se está cuidando mais ou
menos; se está criando mais ou menos; mesmo que esteja sendo bem pago.
Como podemos assegurar o engajamento do interesse? Ou melhor, se o
interesse vai além do dinheiro? Vai além do pagamento? É preciso
alguma outra coisa que possa mobilizar o interesse. Se interessar por
alguém. A palavra interesse em latim: "inter-esse": entre duas
pessoas, dois seres, preciso me interessar pelas pessoas, mais do que
ter um pagamento. Porque se alguém tem que produzir um parafuso,
sabemos que produziu esse parafuso, mas se tem que criar, nunca
saberemos se criou mais ou menos, porque nunca saberemos sua potência,
sua capacidade de se engajar. Esse é um desafio do acolhimento, das
singularidades, das multidões, etc... 'Vamos almoçar?'
Prof.a Judith Revel
Eu também estou muito feliz pelo confronto com pessoas que não usam a
linguagem somente como instrumentos abstratos mas a exercita todos os
dias e geralmente a nós filósofos falta a idéia de um terreno, a idéia
de uma situação.
Hoje eu gostaria de fazer o seguinte: a idéia de biopoder e de
biopolítica que são usadas em um certo tipo de discussão não somente
em filosofia, mas em sociologia, em antropologia, em ciência política
por médicos, por psicólogos, por analistas, etc.
Esses termos que aparecem na conferência de Tony como também na de
outros como Michael Hardt possuem uma história, uma história
intelectual.
Não é de meu interesse precisar a história intelectual desses
conceitos, somente por desejo de ortodoxia ou para fazer um curso de
filosofia política, mas porque acho que a maneira como foram
construídos por Foucault nos pode ajudar senão a dar respostas as
vossas, as nossas perguntas, mas a colocar o problema, a abrir um
campo de perguntas mais preciso e indicar alguns caminhos de pesquisa.
Existe em Foucault a idéia que a definição clássica e já superada da
vida como conjunto de forças que resistem à morte e , portanto, que a
idéia do uso, da prática e do valor da medicina como algo que
possibilita à vida as forças da morte, que essa definição seja
completamente errada, falsa e isto significa que a vida e quem
trabalha com a vida e vocês trabalham mais do que todos com a vida,
não com a doença, mas com a vida que pode ser doente ou não, que
aquela vida não pode limitar-se a uma definição negativa, a vida como
conjunto de forças que lutam contra alguma coisa como se a vida fosse
somente algo pré-determinado ao contrário de uma potência maior, que
pode ser a morte, a doença, mas também todas as formas de desvio,
todas as formas de anomalia ou de patologia fisiológica, social, etc.
Há em Foucault a tentativa de falar da potência calmante da vida e
para isso trata de muitos aspectos. Ele diz: "eu oponho o conceito de
força ao conceito de potência". O conceito de potência está em
Foucault. Sei que o conceito de potência e de força, por exemplo, em
Deleuze são bem mais sobrepostos. Em Foucault não existe a vontade de
polemizar, ele não pensa nem mesmo em Deleuze, diz somente que a força
é um conceito mecânico, clássico e que a vida não se limita a uma
definição física, mecânica.
Quando digo uma definição física, mecânica quero dizer uma definição
da vida em termos quantitativos. Uma força pode ser medida. Passar da
análise do que pode ser a vida em termos de potência é procurar a
idéia de parâmetro, medir quanta força tenho no corpo, medir quanto
tenho de febre, mas medir também a distância que me separa do que os
outros definiram como normalidade, isto é, para me encaixar no que não
é normal e Foucault diz: a vida não pode ser reduzida a essa infinita
hierarquia de anomalias porque a vida é muito mais do que isso. E a
tentativa de passar do quantitativo ao qualitativo significa toda a
temática da qualidade. Isso é algo do discurso de vocês que me toca
sob esse ponto de vista. Toda a temática da humanização, da acolhida
não significa ser somente gentis. Foucault a traduz passando da força
à potência. Existem duas outras passagens: de uma delas vou falar
logo, pouco polêmica, mas nem tanto, relacionada com o que ouvi na
outra noite no Teatro Oficina, muito bonita, muito interessante. O
problema da resistência, o jogo de palavras quando se dizia
resistência em uma re-existência. Acho que Foucault riria disso porque
re-existência é recomeçar a existência, não faz sentido. A verdadeira
resistência é existência, não é afirmação contra um poder, o da vida,
contra um poder, o da morte. Não é definir dialeticamente pelo que não
se é, isto é, não estamos mortos, logo, estamos vivos. Infelizmente no
mundo a vida geralmente que nos é oferecida, não me refiro a nós, mas
às camadas na miséria que presenciei aqui no Brasil, mas não só aqui.
Eu ensino na periferia de Paris na zona dos imigrantes. Obviamente o
nível de miséria não tem nada a ver com o que vi aqui ou em países
como a China, Índia e em alguns países africanos. Mas posso garantir
que, por exemplo, o mínimo de um dólar por dia para 80 % da população
é um sonho, as pessoas vivem com menos de um dólar por dia lá também.
E por isso a vida que é oferecida a aqueles 3 bilhões de humanos que
estão aquém do nível de dignidade, o que lhes é oferecido para poder
comer é uma vida de inexistência no sentido de conjunto de forças que
resistem a um poder de luta, contra uma determinação negativa, contra
algo que nos empurra em direção à infelicidade, ao sofrimento, à fome,
à sede.
Acho que a dignidade da vida é uma das palavras da apresentação de
Ricardo. Acho que a dignidade esteja no fato da vida ser resistência,
sempre resistência e mais do que resistência que seja não somente uma
luta contra algo em senso negativo, mas que afirme positivamente um
algo a mais. A vida não é o conjunto de forças que resistem à morte, a
vida é o conjunto de forças que resistem à morte e toda a potência que
a vida produz, aumenta, desenrola, propõe, compõe. E esse algo a mais
qualitativo, algo a mais em termos, me expressei mal porque parece
quantitativo, mas é o incomensurável que é a vida. E do que vocês
chamam de qualidade. Esse é um outro ponto ao qual gostaria de voltar.
Falando brevemente da história do conceito de biopoder e da história
do conceito de biopolítica e do problema da resistência, eles existem
em Foucault, em seus trabalhos de 30 anos atrás, nos trabalhos sobre
vigiar e punir.
Foucault diz: houve uma espécie de grande mudança no final do século
XVIII e início do século XIX. Ele fala obviamente da França. Na França
um pouco antes e em outros lugares um pouco depois, aquela grande
mudança que corresponde à passagem de uma atividade produtiva
manufatureira à uma atividade produtiva de tipo industrial que impõe
uma mudança na relação corpo a corpo. Impõe uma mudança das políticas
que se referem aos corpos porque os corpos antes, os corpos de que não
são bem nascidos, os corpos de quem têm uma vida que não vale, não
valem nada. Eram lixo. E , portanto, matar um, dez, cem ou mil não
quer dizer nada. Não é um problema.
O único problema é assegurar a gama social, isto é, a afirmação do
poder. E por isso a punição do ancien regime é simplesmente o modo:
mandar enforcar alguém em uma árvore na entrada do povoado para servir
de exemplo. É um modo para dizer que aquela vida não vale nada, serve
simplesmente para garantir o equilíbrio social, o da monarquia
absoluta.
Mas chega um momento no qual esses corpos começam a valer e começam a
valer pela força que possuem porque esses corpos são colocados para
trabalhar nas fábricas e não se pode dar ao luxo de enforcar os homens
porque são necessários, são úteis e diz Foucault: são tão úteis que se
tornam dóceis e são tão dóceis que se tornam úteis. Como tornar os
corpos dóceis ? Isto é, como tornar os homens produtivos dentro do
mecanismo de produção ? Eles não são mais punidos, não são mais mortos
porque a vida agora vale, não por gentileza ou por filantropia, mas
porque valem dinheiro. Um braço é um braço e por isso não se pune
mais, se vigia. E vigiar, vigiar ou punir quer dizer corrigir os
corpos, uma espécie de grande anatomopolítica, endireitar os corpos,
corrigir os corpos para poder inserí-los dentro do processo de
trabalho, do processo produtivo. O que é o processo produtivo ?
Conhecem a cadeia de montagem ? O trabalho é totalmente anônimo,
desingularizado onde um trabalhador em uma manufatura mesmo o último
deles, colabora com a própria habilidade, capacidade e saber. O
operário do século XIX para cá vale como força física completamente
desingularizada, não se sabe o seu percurso profissional, o que
aprendeu, lhe é exigida uma atividade que é uma atividade mecânica. O
que é uma grande vantagem. Se alguém morre, se revolta ou faz greve eu
o retiro e coloco um outro em seu lugar. São totalmente substituíveis.
O que mostra Foucault e é útil dizê-lo aqui no Brasil e em geral nos
países cuja história da democracia foi mais difícil, é que o
trabalhador pode ser substituído por um outro.
E por isso o mecanismo de produção, de valorização ainda é a própria
essência do Estado. Sempre na França e no início do século XIX. O
mecanismo produtivo nunca foi interrompido. Não devemos perder tempo.
Existe então uma construção política da noção de indivíduo que passa
através de uma desingularização absoluta na qual a própria idéia de
igualdade é contaminada, é envenenada por dentro, corrompida, a
própria essência da exploração.
Foucault vai ainda mais longe, ele diz que além da posição política do
indivíduo, termo cunhado no século XIX, porque existe um governo da
individualização daí a existência das carteiras de identidade e isso
se torna testemunho. Nome, sobrenome, data de nascimento, profissão,
cor dos olhos. Tudo isso deveria dizer o que vocês são. Mas vocês são
muito mais do que isso. Por isso existe um governo de individualização
que é reforçado por algo que se chama a invenção moderna da cidadania.
Lá também é óbvio que é melhor ser cidadãos e ter os direitos de
cidadania, mas o que significa ser cidadão ?
Para a democracia se vocês olharem os textos de Rousseau um cidadão é
aquele que aceita ser igual a um outro. E Foucault diz que se fosse
assim seria ótimo. Mas aquela igualdade não é uma igualdade de
direitos, de sobras de vida, aquela igualdade é o direito de ser igual
a um outro enquanto ser desingularizado, abbandone o que você é e
então talvez possa entrar em meu grupo. Mas isso não garante que você
terá os mesmos direitos de um outro porque você está na cadeia de
montagem e eu estou do outro lado do poder. É esse o discurso de
Foucault sobre a cidadania.
Existe então esse governo individualizado, isto é, desingularizado.
Vocês dizem que há 17 anos conseguiram no Brasil aumentar de maneira
formidável a difusão da rede sanitária pública, porém agora vocês
colocam a questão da qualidade, isto é, uma vez obtida a igualdade
diante do sistema público dizendo que não basta porque se bastasse não
se colocaria o problema da qualidade e da relação. Bastaria dizer às
pessoas: você é um número, número do INSS, um número e basta. Vocês
têm a carteirinha. O que vocês querem mais ? E isso não é o
suficiente. A carteirinha, o número não basta porque a saúde é muito
mais, porque a vida é muito mais do que isso.
Foucault diz: existe um momento no qual essa disciplinarização
individualizante não basta mais ao poder. Não basta mais ao poder
porque ela precisa atuar em um outro nível, em um outro nível que será
chamado o nível das populações. E dali que nasce o termo biopoder. O
que é biopoder ?
Foucault fala de biopoder e de biopolítica de uma maneira indistinta.
Biopolítica indica o modo pelo qual o poder no início do século XIX
tende a transformar-se não abandonando a disciplinarização dos corpos,
não abandonando a individualização como desingularização, mas
acrescendo algo a isso.
E o que se acrescenta é a individualização enquanto desingularização
mas também criação de macro-populações, determinação de macro-
populações que obviamente não existem in natura, mas o poder inventa
para facilitar a vida, porque é muito mais fácil administrar macro-
grupos, são mais fáceis de administrar, de locomover do que precisar
lidar com uma infinidade de indivíduos. Então eu desingularizei mas
quero poder também administrar mais facilmente em blocos , portanto,
tenho que massificar. Depois de ter desingularizado as pessoas e tê-
los transformado em indivíduos , cidadão, operário eu invento um
classe muito mais cômoda: a força de trabalho. Estão todos dentro, mas
sumiram dentro, o que é a força de trabalho ? Um grande contentor
massificado, comodíssimo.
Aquelas populações têm características que emergem das políticas
públicas do século XIX na França e em outros países, são determinadas
em base a uma característica comum. Não no senso comum de Greano,
característica comum que é um traço biológico ou patriótico comum.
Patriótico comum, faixa etária comum, sexo comum, mulheres, homens,
sobre o problema das mulheres voltarei mais tarde porque discordamos
há anos e isso é motivo para divórcio.
Essas macro-populações que são determinadas e que vocês encontram,
falávamos disso no intervalo do problema do seguro e da noção do risco
atualmente, da noção de risco que é calculada pela seguradora em base
ás populações. Vocês são sempre, vocês têm um perfil por isso vocês
pertencem a essa ou aquela população com presença de risco maior.
Vocês fumam ou não, faixa etária, vocês bebem ou não, vocês são
analisados de um jeito ou de outro. Vocês têm um modo de vida tal, são
paulistas ou cariocas. Vocês têm muitos tipos de café e não têm praia.
Essas populações são objeto de governamentabilidade diz Foucault
usando um neologismo, isto é, de políticas públicas que as
administram, de uma administração e isso quer dizer que o poder sempre
com o objetivo produtivo se duplica, duplica o seu diagrama,
individualização e realização, massificação em termos de populações.
E começa a introduzir dentro das políticas públicas coisas que
possibilitam a produção e que eram totalmente indiferentes ao poder.
No século XVIII na França existem milhões de mortos pela falta de
comida, pela epidemia de peste, de varíola, mas o governo não está nem
aí.
No século XIX do contrário eles contam. Se me morrem 2 milhões de
pessoas, são 2 milhões de mão-de-obra a menos. Não posso me dar a esse
luxo. Tenho que fazer com que a força de trabalho esteja sempre
presente. E então começo a governar aspectos até então estranhos ao
poder, a alimentação, a higiene, a sexualidade, a democracia, etc.
Prestem atenção, isso não quer dizer que toda forma de intervenção na
saúde é uma prática do poder. Foucault diz que obviamente é melhor com
a saúde que sem. Pelo menos historicamente as políticas públicas da
saúde e o que ele chama atualmente de medicina social, isto é, a
atenção à medicamentação da sociedade e o acesso à saúde e obviamente
é algo que se deve à população ainda mais que tanta gente não tem
acesso a ela.
Mas não é tão simples. É algo que se deve à população mas é
terrivelmente ambígua porque aumenta o poder. E Foucault diz que esses
biopoderes que são poderes sobre a vida porque toda a vida já faz
parte da produção. Esses biopoderes invadiram a nossa existência, da
vida afetiva à vida sexual, mais recentemente do modo de vida à
administração do tempo, etc.
O que eu faço diante dessa ramificação, dessa tremenda extensão dos
poderes ? O que eu faço ? Não posso deixar de vacinar a minha filha na
escola porque me dizem que é um órgão público que na verdade
compreende o poder. O que eu faço ? E muito tempo passou desde então,
é desde a metade dos anos 70 que Foucault procura fazer essa
distinção. O que até então chamou indistintamente de biopoder e
biopolítica, procurando distinguir entre biopoder, o poder da vida, é
algo que poderia ser a resposta da vida a esse poder. E a resposta da
vida a esses poderes é o que ele chamará de 78 em diante de
biopolítica. Antes dos confrontos. Biopolítica é o outro nome dado ao
biopoder, do poder da vida.
Depois disso chega um momento no qual ele diz como se faz para
resistir a esses poderes sobre a minha vida. Tenho que dar uma
resposta biopolítica. Se eu der uma resposta biopolítica, isto é, se
resistir aos poderes sobre a minha vida, contra um poder da minha
vida, vou ser sempre enganado porque o poder não é algo estático, não
é uma identidade, o poder se expande, antecipa, recupera. Tenho que
dar uma resposta que não seja da mesma ordem que o poder senão estarei
sempre dentro do poder. Faço sempre parte dele, na verdade serei
sempre idêntico a ele, serei o outro lado do poder, então serei sempre
poder, serei sempre um objeto definido pelo poder.
E Foucault diz que biopolítica é distinto do biopoder porque biopoder
são os poderes sobre a vida enquanto biopolítica é a potência da vida,
é o poder diretamente sobre a vida, o poder de exploração da vida e
potência da vida que é outra coisa e que impõe uma eliminação ao qual
alguém se submete sempre, é óbvio que todos nós somos objeto do poder.
Mas não somos somente sujeitos do poder, nós também somos objetos, por
exemplo, de nós mesmos. A pergunta é esta: come podemos ser sujeitos
de nós mesmos ? E como podemos ser sujeitos de nós mesmos em um tipo
de contexto que é o da vida em geral e o da prática de vocês em
particular, isto é, o contexto no qual alguém tem um saber, vocês
médicos, analistas, psicólogos ou assistentes sociais, nós professores
o mais alguém precisa porque isso cria uma dependência e porque
tradicionalmente essa relação entre saber, o que é o saber, e pergunta
de ajuda sempre foi uma forma de poder, existe um nexo fortíssimos
entre saber e poder. Nós temos o poder porque sabemos mais do quem não
sabe, quem chega com dor ou quem chega com o seu analfabetismo, quem
chega com, etc.
Como podemos agir com a relação sem transformar o outro no meu objeto,
sem produzir o outro ? E , portanto, desingularizá-lo ? É assim que
entendo mas talvez não entendi bem mas o que me interessava era isso.
Foi assim que entendi a tentativa de vocês.
Duas coisas bem rápidas para encerrar, mas talvez voltaremos mais
tarde.
Acho que em Foucault exista essa idéia de que a potência da vida
produz os poderes che produzem objetos, bens. A potência da vida
produz, inventa. Eu sempre digo que a maior mistificação do poder foi
a de ter chamado a reprodução de bens materiais de produção e de ter
chamado a geração dos filhos de reprodução. É o contrário. O poder
reproduz, a vida produz. Então a idéia de Foucault, digo para
Foucault, mas seria verdade para Deleuze também, a idéia é que se a
vida produz a geração biológica de fazer filhos é um exemplo de
produção da vida mas existem tantos outros. Obviamente é um exemplo
importante gerar, mas gerar quer dizer também gerar linguagem, gerar
afetos, gerar relações, gerar valores, etc.
A idéia de geração deve ser desligada desse substrato biológico,
fisiológico e é por isso que é um inciso. Toda a reivindicação em
Europa e em outros países, não saberia dizer aqui, pelo direito de
adotar filhos por parte de pais homossexuais é exatamente essa, o
direito de dar amor, de dar educação e criá-los, não tem nada a ver
com um substrato biológico. Isso vale para os casais estéreis. Não é
somente um problema homossexual.
A geração não está no fato de fazer, não é a matriz, não é o útero,
pode ser isso também mas poder ser também outras coisas. Aqui se gera
hoje e não é certamente o fato de dar a luz com dor, é isso. Isso é a
primeira coisa. A segunda coisa que eu queria dizer era sobre o fato
que se a vida produz e esse é o sinal de sua potência, a vida cria e
isso assinala a sua potência. O que ela cria ? Todos nós enquanto
seres vivos se não somos somentes sujeitos do discurso, de prática dos
outros, mas sujeitos de nossa própria existência, produzimos nós
mesmos a toda hora. Mas nunca sozinhos porque nunca estamos sozinhos,
nós mesmos na relação com o outro e é precisamente porque essa relação
está abaixo de uma diferença qualitativamente irredutível. Eu nunca
serei um outro , portanto, nunca será uma exclusão mensurável. Eu sou
eu e os outros não são eu.
Essa é uma relação diferencial e precisamente o que me possibilita de
construir-me mas vice-versa também o que possibilita ao outro de
construir-se. Eu produzo mim mesma e mim mesma com os outros e através
dessa diferença que é a presença do outro. Esse outro não mais o outro
do mesmo, o outro de, esse outro é o outro e basta, não tem mais
relação comigo. A sua singularidade não é mensurável em relação à
minha, é incomensurável. E isso que me possibilita de produzir-me.
Então porque isso me interessa tanto ? Porque o tema de acolhida de
vocês, o termo acolhida a princípio é um pouco surpreendente mas na
verdade não existe um outro. Porque acolhida parece que alguém acolhe
e o outro é acolhido. Obviamente isso acontece na realidade, mas não
acontece somente isso se não o outro seria sempre o que está em uma
relação de solicitação e vocês as pessoas que são solicitadas, a
doação é sempre uma rua de mão única e intimamente ligada com o tema
do poder, a doação nunca é algo neutro.
Pode não ser algo muito gentil acolher muito bem, isso não quer dizer
que o outro é tratado como uma singularidade, isto é, é visto como uma
singularidade, construído como uma singularidade e depois isso não
quer dizer que vocês mesmos conseguem construir a relação. Tenho a
impressão que será uma relação importante se vocês conseguirem
construir vocês mesmos e não somente o paciente que na verdade não é
paciente porque não sofre, não é passivo, é negativo na relação.
Então construir-se com o outro, Foucault o chama de tratamento, em
francês quando se diz que alguém está atento ao outro enquanto
singularidade se diz que sente "souci". O último livro de Foucault se
chama "Le souci de soi", como produzir si mesmos e si mesmos com os
outros. E depois o tratamento em senso médico o "soin", mas em inglese
é a mesma palavra "care". Atenção e tratamento. E em italiano é a
mesma palavra, o tratamento e a atenção. Acho essa interpretação muito
boa porque vocês médicos fazem um trabalho de tratamento que é
obviamente um trabalho de tratamento médico.
Mas pode ser trabalho de tratamento médico somente porque possui
atenção. E atenção quer dizer deixar o outro construir-se como
singularidade da sua existência e não defini-lo imediatamente como o
objeto do meu discurso de saber médico e das minhas práticas de
intervenção médica. Obviamente vocês tratam e possuem o saber, mas não
podem se limitar a isso.
O problema da dor. Compreender a dor do outro dizia Ricardo hoje de
manhã.
Tenho que dizer que tenho dificuldade com essa idéia de colocar-me no
lugar do paciente para experimentar a sua dor e que isso seja um
elemento fundamental na relação de qualidade, eu não concordo porque
colocar-me no lugar do outro quer dizer que o outro não é singular o
suficiente uma vez que eu posso colocar-me em seu lugar. Lembrei-me de
dois exemplos: um filosófico e um médico. O exemplo filosófico é
Lobstein.
O que eu posso saber da dor sofrida por outra pessoa ? Nada. Não sou o
outro se ele é o outro mesmo. E tenho que aceitá-lo, isso não
significa que estou paralisado, quer dizer que ele não é eu. E em base
a isso que ele não é eu que se possa talvez construir algo de
interessante. O segundo exemplo era de um amigo psiquiatra com o qual
trabalhamos, que trabalhava como psicólogo na prisão, portanto, dupla
pena, a prisão e mais a psiquiatria. Ele dizia que em 80% dos casos
não conseguia compreender ou melhor imaginar ou pensar no que lhe
contavam os pacientes. Não conseguia formar uma imagem que
correspondesse ao que eles contavam, não conseguia mesmo. Existe uma
série de coisas que são impensáveis, existe um limite, não conseguia e
acrescentava que devia ficar atento ao que lhe contavam porque se
tivesse no lugar do outro ele também seria psicótico e além do mais
quem disse que alguém deve se relacionar com o outro só porque é
idêntico a ele. Eu não me coloco no lugar do outro por empatia. Aqui
trata-se ao máximo de simpatia, isto é, de uma possibilidade de
diálogo justamente porque existe a diferença. Aqui é preciso destruir
a idéia de identidade caso contrário não se chega a lugar nenhum,
senão a singularidade não existe, não posso ser idêntico a um outro,
não posso nem menos ser idêntico a mim mesmo porque nunca paro de me
construir. E então porque deveria perguntar a um outro ? E a um outro
que precisa de mim , portanto, já está em uma relação desigual em
relação a mim. Um outro ponto, o sistema sanitário único, último tema
da apresentação feita hoje de manhã.
Tenho muito medo da universalidade. Talvez a força do conceito de
Comum é precisamente a idéia que o Comum é de todos enquanto singular,
mas não é universal. A frase que eu repito sempre porque é uma frase
que me marcou muito há alguns anos e continuo a repeti-la porque é
muito importante. É uma frase de Rousseau, o pensamento democrático
por excelência. Obviamente a democracia é muito melhor do que a
ausência de democracia, porém a democracia em geral não é suficiente,
em particular a democracia está fundamentada sobre valores universais.
Rousseau diz uma faixa social, procuro um sistema que faça com que
todos os bens inclusive a saúde, portanto, que tudo sendo de todos não
seja de ninguém para impedir as desigualdades, etc. Isso é a
universalidade. Tudo é de todos e, portanto, não é de ninguém. O mesmo
sistema sanitário que ofereço ao meu semelhante porque você é idêntico
ao semelhante, portanto, não nego o que você é, o que me diz e essa é
a minha condição para pensar que todos são iguais. Vamos
desingularizar. O Comum é uma outra coisa. O Comum, encontramos um
sistema para fazer com que tudo sendo de todos seja de todos, não de
ninguém, seja de todos de verdade, cada um com a sua singularidade,
isso é o Comum, é o conjunto de singularidades articuladas entre si,
mas que permanecem singulares, não se tornam rebanho para terem acesso
à igualdade.
Estou acabando. Um minuto. As mulheres.
Não posso repetir-me, sentiria vergonha, se fala das lutas das
enfermeiras, trabalho predominantemente feminino porque são tão
delicadas, poderia se falar também das professoras do ensino
fundamental, das professoras, das comissárias de bordo, das
assistentes sociais que são tão estimadas e que escutam tão bem a
infelicidade dos outros, a caixa do supermercado. Que maravilha!
Adivinho quanto dinheiro vocês tem no bolso, eu me preocupo com isso.
Acho que não era o que você queria dizer. Acho que historicamente as
mulheres foram expulsas do que era definido como o âmbito produtivo
onde se produziam os bens materiais e por isso as mulheres eram
expulsas, descartadas e depois recolocadas mas consideradas como não
produtivas. A questão dos filhos, do trabalho doméstico, o trabalho
de tratamento, de tratamento como atenção mas também o trabalho de
tratamento que não estava diretamente ligado a uma posição de saber,
de enfermeira, etc.
Depois há um momento em que o paradigma do trabalho muda. Há um
momento em que não se trabalha mais de maneira fordista, não somente
fordista e cada vez menos na qual a valorização não é baseada mais na
produção de bens materiais, mas na produção de bens imateriais. E
então tudo o que era antes sinal de exclusão das mulheres no mercado
produtivo, o fato que trabalhavam com coisas imateriais é
estranhamente reconhecido mais recentemente como algo de produtivo.
A feminilização do trabalho não significa que as mulheres entraram
maciçamente no mercado de trabalho. É isso também mas não só. È o fato
que as condições historicamente dadas às mulheres se tornaram as
condições de todos. Todos nós tanto mulheres como homens temos um
trabalho fora e dentro de casa. As pessoas que trabalham com o
computador, as que trabalham com o computador em casa, todas as
pessoas que trabalham com o computador para dar uma resposta imediata
o fazem de casa. Não é uma brincadeira. A confusão entre tempo de vida
particular e tempo de trabalho reservada só às mulheres já é uma
condição geral.
Quantas horas vocês estudiosos, pesquisadores, quantas horas não pagas
vocês passam no laboratório, no departamento, quantas horas passaram
domingo lavorando na mesa da cozinha ?
Essa não separação, essa mistura do tempo de vida e tempo de trabalho
se tornou o paradigma geral do trabalho. Isso é tornar-se mulher do
trabalho e é uma condição feita cada vez mais aos homens também. E
esse o lado negativo. O lado positivo, tratamento, afetos, linguagens
se tornaram a matriz da produção imaterial. O que é interessante é que
antes as mulheres foram excluídas da produção imaterial. Agora que a
produção tornou-se hegemonicamente imaterial, pelo menos
tradicionalmente imaterial as mulheres geralmente são transferidas
para a produção material. Caixas. Por que o trabalho das caixas não é
exatamente imaterial. Entenderam ? Existem outras coisas mais.
Por exemplo, na França na luta de 83 eram todas enfermeiras, não ? Mas
não porque fossem enfermeiras sensíveis e decidiram se manifestar, mas
porque se tratava da vida, elas queriam um estatuto. 20 anos depois
mais da metade eram enfermeiros. Onde foram parar as enfermeiras ? São
assistentes de sala. Elas limpam. Esse é um belo trabalho material
porque o tratamento foi valorizado. A mulher não tem as qualidades
porque é sensível, gentil. A mulher não é algo que é definido como
gentil, a mulher é definida pelo tipo de exploração que sofre,
exatamente como o operário, não por ser operário, mas pelo tipo de
exploração de sofre, portanto, ser mulher do trabalho nesse sentido
inclui os homens também.
Uma última coisa.
Não acho que importa que as mulheres tenham sido exploradas enquanto
mulheres. Importa o fato que tenham sido exploradas e para explorá-las
melhor tenha sido dito a elas: vocês são mulheres. A identidade de
mulher, o ser mulher é uma invenção de Foucault, é uma invenção
imposta aos sujeitos que os outros chamaram de mulheres.
E nós mulheres não é uma singularidade que alguém revindique. O nós
mulheres é a integração porque o tempo de uma identificação que não
era nossa já passou, que nos foi imposta e que na mulher do trabalho
de Deleuze, tem a ver com todos nós, entre mulheres assim para nos
tornarmos imperceptíveis, animais, etc.
Não há relação com os animais ou os seres imperceptíveis, há relação
com um movimento que afeta todos. Lá também é preciso destruir a
identidade. Não sei na prática de vocês quanto seja relevante o fato
de ser um médico ou uma médica. Conta o fato que alguém os vê como
homem ou mulher e lhes atribui qualidades que não são vocês. Foi feita
uma construção. Quando vocês têm um paciente homem ou um paciente
mulher não é que o paciente homem ou mulher tem reações diferentes,
essencialmente diferentes. São vocês que atribuem as determinações que
podem ser de fantasia ou podem ser reais. Tudo isso faz parte do jogo
de construção recíproco, faz parte do jogo de invenções da comunidade.
Mas o Comum quando tem relação com o conjunto de multidões não pode
ser construído se não houver antes a aceitação para definir a
singularidade, cada um de nós como indivíduo, dentro de si como uma
multidão.
A acolhida é isso. Acolher cada um como singularidade, isto é, como
multidão dentro.
Prof. Coco
Super difícil e super fácil falar depois dos dois, sobra quase nada
para dizer. Vou ser bastante breve, e sobre o que foi apresentado pelo
Negri hoje de manhã, e pelo que Judith acabou de apresentar, vou fazer
uma série de colocações que pode ser, não sei se vão ajudar a
problematizar, mas pensar em termos de estratégia e prática política
no âmbito de como o projeto de vocês está, vocês como equipe mas
também como o Brasil está em geral hoje. Então, queria lembrar que
estou aqui como convidado, assim como o Negri e Judith, mas sou
professor da UFRJ, na escola de serviço social, e a grande maioria dos
alunos são mulheres, assim como nas escolas de enfermagem, ao
contrário do que a gente pode encontrar na escola de medicina. Minha
primeira consideração é que a escola de serviço social na UFRJ é
ocupada, hegemonizada por um grupo de marxistas, Coutinho, um filósofo
que introduziu (???), Zé Paulo Neto, comunista, e que o pensamento que
introduziram na escola tem a ver com o cuidado, com a cura, e a
problemática da saúde, e em geral com a relação de produção e
reprodução. A luta política e acadêmica que fizeram na escola foi
contra a filantropia, e para usar um termo de Negri, contra o amor,
não o amor na definição Negriana, mas o amor de freira. Quer dizer,
esse amor também pode ser interessante, mas enfim, a filantropia e sua
versão mais recente que poderia ser a responsabilidade social. Em
função dessa luta contra a filantropia, eles trabalham em uma
perspectiva dupla, de ver o papel do assistente social
fundamentalmente como um papel que se articula entre a expansão das
funções do Estado, enquanto ator fundamental na construção dos
direitos, um cardápio de direitos, que os assistentes sociais devem
ser capazes de apresentar aos cidadãos, para se tornarem mais capazes
na medida em que o Estado permite o acesso a esses direitos, inclusive
ao acolhimento, no sistema de saúde. E por outro lado, lutando contra
a filantropia eles são agentes da consciência de classe, agentes de
transformação. Ou seja, a figura do assistente social pensado por esse
marxistas que hegemonizam a escola, que tem influência em nível
nacional, e articula a organização dos trabalhadores assalariados e a
questão dos direitos essencialmente a partir do Estado. O
desdobramento disso é que o ator fundamental de mudança social é o
trabalhador enquanto figura do trabalho produtivo ao passo que tudo
que ele é reproduzível não é reproduzível, exatamente o contrário do
que a Judith acabou de colocar. Isso para ver como é bem aberto, a
idéia é ampliar o debate; para ver o que acontece na UFRJ, é um debate
bem aberto, contraditório, e que o projeto de vocês parece bastante
inovador com relação a isto. Eu acho que a mudança de perspectivas, de
noções teóricas, uma mudança fundamental para que este projeto torne-
se um eixo de definições de novas políticas públicas. Qual é o outro
elemento, por um lado da permanência da visão do trabalho produtivo,
trabalho improdutivo, portanto da separação nítida do entre que é um
trabalho ligado à transformação da natureza e um trabalho ligado a uma
certa instrumentalidade, dentro de uma relação salarial. Se a gente
pega por um lado, pelo que pensam meus colegas, que é a perspectiva de
uma dinâmica de desenvolvimento do trabalho, outro lado da
transformação que leva vocês a desenvolver este projeto, e eu a tentar
introduzir outros conceitos no âmbito da formação do assistente social
é o fato que a relação salarial não é mais capaz de dar conta do que é
o trabalho, na medida que, hoje em dia, o trabalho envolve tempo de
vida e tempo de trabalho. Só que essa difusão social, temporal do
trabalho, no próprio tecido da rede de vida, mas a fenomenologia desta
passagem é a crise do trabalho, é a crise da relação salarial do ponto
de vista de tudo que ela implica sobre o debate, sobre as perspectivas
do desenvolvimento e da cidadania, como eram pensadas e continuam
sendo pensadas no Brasil. Todo debate surge na ditadura,
neoliberalismo, taxa de juros do que foi prometido e conseguido, do
que não foi conseguido é ligado ao fato de que a política econômica do
governo Lula, a estabilidade monetária que vem do governo liberal não
conseguiu resolver o nó da questão do assalariamento em massa do
Brasil, que o crescimento econômico e industrial deveria produzir. E
produzir também na dinâmica do assalariamento, recompor a cidadania de
massa, uma cidadania que seria produzida dentro de uma expansão e
organização do trabalho, dentro da relação salarial.
Portanto, o fato de pensar a questão da política de saúde numa
perspectiva completamente diferente não é algo importante somente
dentro da saúde e da reprodução, mas é algo decisivo que não tem nada
a ver política econômica em si, mas com as condições sociais e
políticas, para repensar não uma outra política econômica, apenas, mas
o próprio estatuto da política econômica, e sua relação entre o
trabalho e mobilização produzida no trabalho enquanto assalariado e
manutenção da vida enquanto tal. Mas, nesse ponto de vista, nessa
problematização que vocês fazem da transformação da quantidade para a
qualidade, a questão do acolhimento, de uma ambigüidade que isso tem,
acolhe alguém que é acolhido. É interessante neste debate superar a
separação ideológica de trabalho produtivo e trabalho improdutivo, em
face dessas mudanças gerais, dessa nova mudança, das condições de
mobilização produtiva da vida enquanto tal, não mais a partir da
expansão da relação salarial. Significa pensar os conflitos sociais no
hospital, entre os serviços de saúde, no serviço público, pensar nos
conflitos é fundamental para pensar a potência das políticas que vão
pensar, sem pensar nisso significa pensar nos movimentos sindicais,
nas greves, a relação que tem, entre essas lutas específicas e a
construção do comum, e a mobilização do trabalho enquanto vida. Ou
seja, numa perspectiva da construção dos direitos, da cidadania, a
partir da construção do Estado, a greve que aumenta o salário dos
servidores públicos, ela tem uma visão expansiva desse direito
indeterminado pelo Estado, e o direito criado entre o que tem que ser
criado entre produção e profissão. Na medida que se misturam toda vida
que é produtiva, a greve do INSS, a greve dos hospitais, greve das
unidades públicas desempenham um papel totalmente diferente, quer
dizer, a relação entre o objeto coorporativo e o objeto geral e
constituição do comum contumaz, é algo contraditório, desloca
completamente.
Nesse sentido, da qualidade enquanto produção de saúde algo que passa
dentro do hospital para fora e vice-versa, ela desloca a questão dos
objetivos dos movimentos, mas isso não deixa de ser um enigma do ponto
de vista dos movimentos sociais e do movimento sindical. Por exemplo,
ontem, com o Negri, tivemos uma conversa com a cúpula da CUT nacional,
e conversamos sobre o que estava acontecendo sob o ponto de vista
sindical. E Negri insistiu muito com eles que se o movimento sindical
não é capaz... Perguntamos como é a relação entre trabalho formal e
informal. Sabendo que os informais nos países centrais é um fenômeno
novo, ligado à precarização da relação salarial.
No Brasil, essa precarização da relação de trabalho relaciona-se com a
informalidade que vem da questão do subdesenvolvimento, dessas massas
que vêm do campo para a cidade e ainda não foram incorporadas na
relação salarial. E essa perspectiva que hegemonizava, e ainda
hegemoniza boa parte do liberalismo, e do governo de esquerda, do
governo Lula, é favorecer o desenvolvimento para transformar todo
mundo e o trabalhador assalariado e integrado nas condições de
cidadania. Essa perspectiva não funciona mais e o próprio
desenvolvimento vai multiplicar as formas de informalidade. E o
movimento sindical vai se restringir cada vez mais nos trabalhadores
formais e perdendo nesses termos relação entre luta e o trabalhador
formal nos que compõe e as lutas gerais. Como pensar numa capacidade
de antecipar esse desenvolvimento que a própria dinâmica do
desenvolvimento vai determinar. Eu acho que o projeto de vocês vai
nesse sentido. Mas, para ir nesse sentido, a única intervenção que eu
quero fazer, pois acho que já foi bastante articulado nas duas falas
anteriores, é preciso entender que há pontos contraditórios nessa
passagem da quantidade para qualidade. E para exemplificar isso,
algumas coisas que colocou a Judith, a partir da afirmação do Zé Celso
de que é preciso pensar em termos de resistência, que Foucault teria
achado ridículo. Bem, eu trabalho muito com esse conceito de
resistência, e o esforço que ela faz é abrir esse conceito, que é
muito forte no âmbito da tradição da esquerda, abrindo uma idéia de
existência, quer dizer, de existência primeiro. Quer dizer, uma
resistência que é primeiro uma existência. Uma resistência, essa
separação do que viria depois, na realidade vem antes. Em termos de
metodologia, a resistência vem em primeiro isso significa que na
passagem da ordem da forma do poder arcaico, da soberania da morte e
vida, de deixar viver para poder disciplinar usando a perenização de
Foucault, para o poder de segurança, embora esses poderes, essas
formas de poder não se substituam, mas se sobrepõem. Na passagem então
da ordem arcaica para a biopolítica da segurança, é um deslocamento
que se deve entender a partir das lutas, se não todas essas
transformações do poder são determinadas pela própria lógica do poder,
e apesar de todos os esforços construíram uma teoria de direitos, e,
portanto de produção do mundo, a gente acabaria sendo mais
trancendente do que um poder que tenta dizer o empenho, que tenta
dizer as lógicas sociais de produção da vida, A distinção entre
biopoder e biopolítica é possível ser feita fora de uma capacidade de
análise, de uma capacidade de aprender quais são as lutas e os
conflitos. E dentro das lutas tem uma determinação, uma capacidade de
distinguir o que é o poder da vida: potência e o poder sobre a vida. E
isso significa que precisamos, com a passagem para a sociedade atual
da flexibilização do trabalho imaterial, é preciso colocar como
deslocamento fundamental as lutas operárias contra a disciplina, as
lutas sociais, as lutas sindicais e a proteção produtiva do espaço da
cidade, portanto, afirmar nesse sentido uma nova qualidade das
contradições, dentro da questão da saúde, desse deslocamento da
quantidade para qualidade, nessa perspectiva de construir os direitos
a partir do Estado, ao fato que se tem singularidades portadoras de
direitos na medida em que se relaciona com os outros e nesse sentido
constitui o acolhimento comum. E aí tem conflitos que são travados. E
temos ao mesmo tempo, eu percebo exatamente, pela minha experiência
dentro da Universidade mas que percebo apenas em parte a gestão da
saúde pública, que acho um eixo de trabalho bastante interessante. E
no âmbito da Universidade, com as limitações que isso tem, primeiro
concordo com a crítica feita pela Judith, em relação à mulher no
trabalho, que eu concordo, no sentido que a mulher no trabalho é o
paradigma geral: mulher no trabalho e todo mundo, do mesmo jeito que
do ponto de vista da relação entre o mode de vida e a relação
instrumental acontece no sentido de que o modo de vida coloniza,
fabrica razão instrumental da ciência, do mesmo jeito as mulheres na
base da relação social, atravessavam todas formas de poder era
delegado essa atividade não produtiva, essa atividade poder hoje em
dia se encontra no cerne de uma atividade que é geral e que acaba com
a distinção sexual no trabalho e portanto com a definição de quem é
homem e quem é mulher. Nesse ponto de vista queria aproveitar para
dizer que o livro fundamental, que vai ser traduzido para o português,
de Cris ?, é genial, do ponto de vista que é o título ambíguo, que
chama "O lugar das meias", ou seja, quando explica o trabalho no pós-
fordismo, aquele que tem cuidado que tem as mulheres, e que ele define
como o cuidado de colocar as meias de um modo ordenado pelas cores, e
que os homens não têm. É um título adequado e ao mesmo tempo ambíguo,
pois introduz um elemento natural quando se trata de um tema
completamente artificial. Agora, como a gente faz para destruir as
identidades? Acho que as identidades não devem ser vistas como nós
vamos destruí-las, mas se deve olhar os conflitos e os sujeitos
portadores da destruição das identidades. Vou dar um exemplo de como
vejo no Brasil essa relação entre biopolítica e biopoder, pela questão
racial. Eu acho que a medicina no Brasil é branca, masculina, e que a
questão racial é fundamental no que é biopoder, , e ao mesmo tempo
esse bloco de biopoder se produz na ligação da identidade ligada à
questão racial. A sustentação retórica e ideológica no biopoder é a
negação da existência de uma atividade racicial. E essa negação passa
fundamentalmente pela transformação do que é a biopolítica - a
potência de vida no Brasil, a miscigenação, transformando a
identidade, como disse Judith, em cinza, que é a cor da identidade do
mestiço, do pardo. No Brasil não há brancos, pretos, várias cores, há
uma cor só, quando se diz de uma luta contra a discriminação racial se
diz somos todos pardos, portanto, não tem como lutar contra o racismo
pois estamos num país miscigenado. Eu acho que os movimentos,
sobretudo o movimento negro, na Universidade, na preparação dos jovens
negros e pobres para o pré vestibular indica uma outra maneira de
lidar com a questão da identidade que é afirmar na multiplicidade a
singularidade. Nesses movimentos não há uma reivindicação de uma
identidade negra contra uma identidade. Não há uma produção de
identidade negativa. Há uma luta contra a retórica do biopoder no
Brasil, que passa pela reivindicação de singularidades nos processos
de miscigenação. Como multiplicação das cores. E portanto necessidade
de lutar e como luta se faz contra a co-relação que existe, as matizes
das cores. Essa capacidade do racismo brasileiro funciona em fluxo.
Quanto mais negro, mais pobre, mais excluído. Assim, essa questão da
identidade não passa por uma afirmação categórica da necessidade de
destruí-la, mas estão dentro dos conflitos que produzem sentido de
valor, e determina a capacidade de distinção, de diferenciação entre
biopolítica e biopoder.
Questões:
1ª intervenção:
A gente via tentando operar com a PNH em cima de dois eixos: eixo da
inseparabilidade entre atenção e gestão, que é um princípio
fundamental no trabalho, quer dizer, como pensar a própria questão
gestão fora dos quadros administrativos, uma questão gestão que
ficaria a cargo do que tradicionalmente se chama de julgar e poder,
mas tentando entender a gestão também como processo de produção da
saúde; o trabalhador de saúde, o usuário, também são elementos
fundamentais nesse processo; entendendo então no campo dos serviços
que é impossível mudar um modelo de atenção, porque mudar um modelo de
produção à saúde requer um "ethos", outra aposta ético-política, e
nesse sentido, a gente ta o tempo todo tentando entrando em contato
com esse funcionamento paradoxal: como construir a humanização dentro
desse eixo, como política pública de saúde entrando em contato com a
máquina do Estado com todas as suas instâncias, burocracias, mas
operando nessa indissociabilidade numa perspectiva de ação da
transversalidade, como produzir fora da máquina do Estado? E esse vem
sendo o desafio da PNH, entendendo como plano da produção de coletivo,
produção do comum. E na realidade, esse tem sido o nó, a grande
complicação, de alterar por dentro da máquina do Estado, e em alguns
momentos conseguimos produzir esse fora, e em outros totalmente
impedidos de fazer esse trabalho avançar. E essa, na realidade, esse
paradoxo que alcançamos, mais especificamente quando a Regina e o
Gastão constroem esse processo, é de operar em meio a isso, a esse
funcionamento paradoxal. E essa é uma questão que por um lado nos
move, e é também muito difícil de enfrentar e de lidar, e que remete a
essa discussão que a Judith traz, e o Coco ao final, como pensar essa
dimensão da produção do comum quando também se opera para um certo
princípio de universalidade no campo do direito. E esse é o paradoxo?
Como não pensar a saúde nessa dimensão. E aí temos que pensar o
sentido que vamos pensar a universalidade, esta não no sentido do
igual, do homogêneo, mas talvez dentro do ponto de vista para qualquer
um. E aí nessa questão do direito à saúde essa é uma questão que se
coloca bastante forte. Uma outra questão que ocorre quando se trabalha
com a questão do acolhimento que eu acho bastante interessante esse
assinalamento. O acolhimento como pressupondo o ser demandante e por
outro lado o outro conjunto de profissionais que teriam ali a
responsabilidade de responder essa demanda. Eu acho que esse tem sido
o sentido clássico do acolhimento, e não necessariamente efetivado,
porque se tivesse sendo efetivado, estávamos em um rumo, e nem isso a
gente tem.
Por outro lado, quando pensamos o acolhimento na perspectiva da
humanização, como um dispositivo, a gente tenta pensar o acolhimento,
e eu acho interessante quando o Ricardo traz a Rede de Conversações,
pensar o acolhimento é pensar um espaço de construção que nos remete
ao plano da experimentação, por isso às vezes as pessoas dizem: vocês
falam tanto em acolhimento, como é que é isso? A gente tem alguns
princípios, mas o modo de operar o aolhimento ele implica o processo
de construção, de invenção, de extra e nesta relação, onde na
realidade a demanda que vem acaba se dissipando, nessa relação e a
resposta também já não é do profissional de saúde necessariamente, é
algo que se opera ali, e é claro é muito fácil entender teoricamente,
mas lá no serviço esse vem sendo o grande desafio: como é que se dá
isso e opera nessa dimensão, no trabalho de coletivo, de equipe, em
que o que se constrói nesse processo de experimentação onde a gente
vai operar nessa possibilidade de construção de comum é essa
dissipação de saberes, demarcação de saberes, de alguma forma de
lados. Esse é o desafio, e essa é a questão que temos perguntado, e
pensado: se por um lado a gente fica tentando escapar dessas
oposições, dessas totalizações até que ponto a gente não poderia
pensar alguns desses princípios como estratégias no sentido de
produzir outro modo de saúde, e que às vezes é possível acontecer,
outras não é possível. O acolhimento eu entendo como um dispositivo
disparador das reflexões, das análises, das problematizações, dos
modos de operar a clínica. Dos modos de operar o processo de produção
de saúde. Isso é que queria compartilhar.
2ª intervenção: Lilia
Depois dessa rica exposição, fazer uma espécie de reflexão em público
a propósito de algumas questões sucitadas nas três falas entre os
conflitos que a natureza histórico-cultural do modo contemporâneo de
produzir cuidados em saúde e a questão do acolhimento. Vamos ver se é
possível elaborar pensando alto. Eu vou começar com a idéia de que
talvez o trabalho em saúde, na verdade, é o trabalho de assistência às
pessoas que adoecem, tenha feito um movimento histórico de atualização
na modernidade é uma espécie de contraponto até ao revés do trabalho
de produção de bens materiais. Porque o trabalho de saúde inicia-se
com o trabalho moderno atreves da produção do pequeno produtor
privado, do médico que tem consultório de prática liberal que é uma
situação que hoje pode-se dizer que é aproximado daquele trabalho que
é feito no computador, em casa, em que a divisão do que é o trabalho,
do que é a vida fica um pouco borrado, a questão da clareza da
definição dos tempos, das relações de trabalho, enfim. Então, eu diria
que o trabalho em saúde começa com essa qualidade e se atualiza na
divisão do trabalho, no assalariamento, que é uma forma de
atualização, de entrada. E ocorre que na primeira forma histórica
moderna desse trabalho, ocupa uma posição central na produção do
trabalho a noção da filantropia, muito em função do servir ao outro,
do cuidado com o outro, nessa idéia hierárquica da filantropia em que
o outro é menos que eu, o cuidador é mais - e eu acho interessante a
questão do assistente social que está no centro dessa contradição. Mas
é de alguma forma a realização de um trabalho que é também uma
consagração de si, nesse sentido é um aumentador do status, da
emancipação, do valor, do reconhecimento desse profissional na
sociedade para si mesmo, como um indivíduo, como um sujeito de valor
de si por cuidar do outro, num certo sentido, aqui, o cuidado do outro
é também um cuidado de si, o cuidado com o outro, o desenvolvimento de
certo afeto em relação ao outro é também o situar-se de forma afetuosa
com seu trabalho. E isto é o que é codificado na direção da
atualização do trabalho em saúde, em que o assalariamento e as
condições de institucionalização, mesmo fora de assalariamento, não é
pelo assalariamento, mas as condições de divisão intensa de trabalho,
repartição, individualização, segmentação, independência, vão dando a
esse trabalhador que vai se concretizando na área da saúde, também
essa sensação de ruptura, da vida, tempo da vida custa o tempo do
trabalho, do cuidado de si mesmo como não sendo mais ligado a esse
tempo do trabalho e muito mais ligado ao cuidado com o outro. Então,
de que maneira uma certa recuperação através da idéia ainda pouco
amadurecida, bastante introdutória de acolhimento, uma certa
recuperação desta interação, desta relação entre médico, profissional
de saúde, e este outro, de que maneira se recupera esta relação, de
que o outro é um pouco de si, cuidar-se de si é também cuidar do
outro, liberto da noção de filantropua, liberto dessa idéia
hierárquica, envolvimento tanto afetuoso quanto responsável, sobretudo
ético em relação ao outro. E aqui a palavra ética tem um sentido
importante que um pouco não discutimos essa dimensão e que talvez deva
ser introduzida. De que maneira colocar-se eticamente na relação com o
outro mede essa ética é uma abrir-se a esse outro. Eu acho que essa é
uma das questões que pode trazer um grande conflito na implementação e
desenvolvimento de projetos de acolhimento. No sentido de que com
acolher o outro que em certo sentido tornou-se algo em oposição a mim,
ou como reassumir que não é em oposição a mim, mas se livrar da noção
antiga de filantropia e desse outro é alguém que eu me presto apenas
porque vale menos que eu, ou seja, num certo sentido. Queria colocar
isso para debate.
3ª intervenção: Adair Rolo
Em relação, a gente faz uma grande aposta e a gente tem visto a
potência de juntar gente nessa aposta, de compartilhar, sobrevivência,
compartilhar criação de trabalho. Então, a saúde pública junta muita
gente com essa expectativa. Essa aposta de que no trabalho a gente se
realiza, produz, cria, consegue sobreviver, cria qualidade, um
território vivencial prazeroso, diversidade, nos hospitais, sistemas
de saúde é uma força que a gente tem observado com muita freqüência. A
grande questão é a questão dos atravessamentos, e aí a questão do
poder. O território da saúde é muito disputado, tem atores do ponto de
vista da produção de insumos e medicamentos, que disputam com muita
competência e estratégias o espaço, assim como o espaço da
racionalidade política, do poder, da estratégia, dos governantes que
se valem da saúde ponto simbólico. Então, como a gente consegue manter
em movimento que nos são belos, que nos encantam, que se perdem nesses
atravessamentos de ordem econômica, do imediatismo político que
destroem coisas muito importantes que estão sendo feitas pela
sociedade. E isso tem sido uma freqüência nas políticas públicas no
nosso país.
4ª intervenção: Ricardo
Eu também vejo como uma espécie de meio do caminho entre problemas
circunstanciados de investigação sobre uma coisa como o acolhimento de
que, com toda imaturidade que ainda essa categoria tem, sobretudo no
tratamento empírico, como lembrou Lilia, mas acho que há um problema
geral trazido pela reflexão do Negri, das multidões e do que foi
discutido aqui que eu acho interessante tentar colocar a semelhança
que haveria entre uma questão colocada no plano propriamente político
que é de uma legitimação do poder político que no projeto da multidão
não está mais dado na idéia de soberania popular, mas numa
produtividade biopolítica na multidão e que coloca um problema que
para nós se retraduz num plano de pesquisa empírica, porque mesmo se
pensarmos num tratamento, é, a questão mais genérica da legitimação do
poder político tomado como base a soberania popular a gente pode achar
um caminho que acaba indo de encontro a uma métrica, que seja a
contagem dos votos, que seja um tratamento mais sofisticado da eleição
e da decisão individual como na situação do Condorcet, que, seja na
questão da sondagem de opinião, mas de alguma forma há um tratamento,
há uma métrica traduzindo e se introduzindo no problema da
legitimação. Esse é um problema para nós, e o que eu queria retraduzir
aqui, colocando a questão em dois planos, quer dizer, a gente tem
feito com o problema de buscar indicadores para o acolhimento, seja lá
o que isso quer dizer. Eu não sei se a gente poderia se inspirar em
pouco a partir de uma resposta que eu gostaria de ouvir num outro
plano que é o problema justamente das possibilidades que se abrem hoje
para uma legitimação do poder que esteja dado nessa produtividade
biopolítica da multidão e que implica numa outra quantidade. E é o
último ponto que gostaria de introduzir conceitualmente, porque mesmo
na fala dos três, apareceu repetidas vezes que não estamos tratando
com uma quantidade mas com algo qualitativo. E aí que vejo a
possikbilidade de entrar uma quantidade, ainda que uma quantidade não
mensurável que é a potência, como quantidade e como critério, porque
ela acaba introduzindo uma variável quantitativa, em outras palavras,
é como que colocar a quantidade, referida à potência, esta enquanto,
ainda que com todas as dificuldades métricas que ela coloca, diz
respeito a uma quantidade, em que medida a gente teria possibilidade
de construir um projeto de legitimação política, tendo como base um
valor, por exemplo, a alegria. E em que medida isso nos lança a um
desafio em relação à possibilidade de construir indicadores também.
5ª intervenção: Melissa
Vou fazer só a metade da minha pergunta porque a outra o Ricardo já
inaugurou. Será que faria alguma diferença se a gente falasse em vez
de políticas nacionais de humanização, humanização das políticas
nacionais, um pouco no sentido de que o que acontece hoje também é
humano, tudo que está acontecendo já é humanos, somos nós mesmos que
estamos fazendo. E se de repente a gente decide instituir um pedacinho
de política que é para humanizar, a gente pode cair muito numa questão
de que ponto de partida estamos saindo e para qual ponto de chegada
queremos chegar. Como a gente conseguiria, em vez de pensar em como
humanizar alguma coisa, fazer humanizar direto, sem ter que fazer uma
coisa para humanizar, desumanizar, sair humanizando de uma vez. E como
que é isso porque se a gente não pode, não seria interessante partir
dessa idéia de que há uma coisa que é instituída e que é a partir
disso que eu vou realizar seja ela essência, política, indicador ruim
porque também se vai buscar. Mas, enfim, como conseguir fazer uma
humanização de políticas que vai se constituindo e que tem um eixo,
que é um pouco da vetorialização que vocês colocam, tem um eixo
direcionador. Muito mais no sentido de inspirador de vida, de
potência, e não de direcionamento de humanização. E essa questão dos
indicadores é uma outra qualidade de quantidade. A gente consegue
falar talvez em intensidade, mas a gente tem buscado essa questão dos
indicadores porque - eu me questiono: qual é a nossa necessidade de
indicadores? Porque a vida se faz incessantemente, e indicadores são
para medir a política ou a vida? O que é indicador nesse sentido? Como
a gente ta colocando isso e que categorias a gente podia pensar para
medir o quê? E o engraçado é que tenho falado em indicadores a todo
momento e agora to revendo algumas coisas. Queria falar isso, que
humanos todos já somos, e que a vida já ta bem humana, e a idéia é
fazer coisas humanas diferentes.
6ª intervenção:
Quer dizer, uma política de humanização que seja transversal às demais
políticas, aos demais programas de saúde. Quer dizer, essa necessidade
aparece, e, além disso, precisou-se de uma política que passe e
perpasse pelas demais políticas e os demais programas, e que tenha uma
característica específica, o que ela sugere de uma humanização? É isso
mesmo, humanos todos somos, estamos falando de algo a mais, afirmando
a indissociabilidade entre o modelo de atenção ao modelo de gestão. Aí
bate ao que eu queria falar antes que houve a necessidade de trazer, e
acho que essa é a minha pergunta, uma coisa é que todos concordamos,
que não existem tantas diferenças no que está sendo dito, mas na
prática, no nosso trabalho cotidiano de consultor de política pública,
como nos aproximamos dos trabalhadores, dos usuários, de fato, esse
discurso encanta essas pessoas, na nossa dificuldade enorme, e que
afeta, pega a questão do poder, é em relação ao gestor. Para nós, a
humanização é a indissociabilidade entre gestão e atenção. Ninguém
muda, ninguém faz um acolhimento mudando os processos de trabalho, com
todas essas características que a gente está fazendo e que é uma
escuta, se o gestor local, e a gente tem essas referências, onde o
gestor de uma unidade de serviço, e está comprometido a fazer um
trabalho de saúde que seja bom para todos, trabalhador e usuário, é
muito diferente dos lugares onde o gestor não é comprometido, não quer
perder seu poder de decidir, de controlar o trabalhador, enfim. Nosso
grande desafio é pensar a questão da gestão da saúde pública. Como
avançar com todos os dispositivos que temos? Temos ouvidoria,
colegiado gestor, conselho gestor, enfim, muitos dispositivos estão
colocados ofertando dessas ferramentas, nas, por exemplo, no Rio de
Janeiro, onde a gente chega, é difícil convencer os gestores de que é
possível mudar a atenção mexendo na gestão. Eles não querem mexer na
gestão.
7ª intervenção: Hernani
O que eu acho é que é parte de um pressuposto emergente, sai de baixo
para cima, a organização da multidão tem uma atualização que é mais
caótica de que quando a gente pensa de política de cima para baixo. Eu
trabalho com inclusão digital que é um campo diferente, porque é mais
hierárquico que a saúde, porque a saúde pelo menos é mais
descentralizada, no sentido de chegar aos pontos, quês dizer, se a
gente conseguisse na inclusão digital ter o modelo da saúde seria o
máximo. Mas ao mesmo tempo é o seguinte, a gente busca um modelo de
gestão diferente de tudo que foi proposto até agora, um modelo de
multidão, que eu penso, teria que ser uma coisa que tivesse uma
entrada muito mais forte nessa conversação, nessa troca com as pessoas
- com as singularidades. A questão de não expor se torna um pouco
hierárquica. E isso aí, é lógico que, pelo menos na inclusão digital,
a gente não consegue ter muita penetração quando a gente começa a
criar castas, e poderes, micro poderes, e a gente consegue ter
resultados melhores quando a gente rompe com essa formação de poder a
gente influencia diretamente na microfísica do poder. A gente consegue
ter soluções mais interessantes, de romper esse viés do poder. O foco
que pensamos é na descentralização, da voz, do poder, em que qualquer
ator dessa rede tenha o mesmo poder de voz, aí a gente consegue alguma
coisa. Eu gostaria de discutir mais o que é a política da multidão,
onde essa política entra e interfere nessa daí. Porque uma coisa que
tenho percebido é que a gente acaba fazendo uma gestão da tecnologia,
saúde também acaba sendo uma coisa que você ta levando uma tecnologia
para a vida. E essa tecnologia, quando você via influenciar numa
comunidade, ele tem que interferir de modo que construa uma coisa de
forma de baixo para cima. É o que eu tenho pensado e visto, e acho que
tem algumas soluções de conseguir em modelos mais independentes, numa
política mais caótica, a gente consegue resolver. Acho que esse debate
que interessa.
8ª intervenção: Rubens
Pensando no termo acolhimento, e voltando a focar mesmo no
acolhimento, como uma coisa "entre" acolhedor e acolhido. O
acolhimento na clínica não dá para fugir muito do que o paciente vem
para ser acolhido, naquilo que ele precisa ser acolhido nas suas
necessidades. E o acolhedor é aquele que dá condições para que as
necessidades daquele que precisa ser acolhido possam fluir e existir
da melhor forma possível. Minha pergunta aqui - se falou muito em
gestão, política - qual a experiência que tem aquele que acolhe como
acolhedor e como acolhido na história da vida dele? Qual é a
experiência que tem um gestor como acolhido e como acolhedor.
Concordando com a Judith de que a gente não se considera idêntico um
ao outro e de fato o idêntico é só idêntico - onde a gente vai
encontrar uma singularidade, uma sintonia que não seja perfeita,
porque nunca é, e que nessa imperfeição a gente vai conseguir chegar a
um significado necessário para que o acolhido seja compreendido
naquilo que ele precisa. Em dois níveis ou três, no nível corporal,
porque normalmente vai à clínica com alguma somatização; qual é a
experiência do gestor ou do acolhedor em ser acolhido, no olhar, no
toque, no movimento, no som da palavra. Em nível não só da
consciência, mas em nível das sensações, justamente onde a
identificação perfeita não funciona, mas sim essa sintonia de afeto,
que fala tanto o Daniel Stern. Uma outra questão, que acho importante,
uma pergunta complicada, se falou tanto de amor aqui, um amor mais
simples, como o da mãe e do bebê,um amor mais primitivo, um amor que
tem essa força ontológica, que falou o Negri, que transcende e nem é
heróica, uma força que nos mantém vivos, mantém o processo, mas esse
amor que vai complicando entre dois adultos, como lidar com o amor no
acolhimento, que é um aspecto muito importante, dentro da complexidade
da relação humana. Era isso que queria trazer.
9ª intervenção: Regina
Meu trabalho não está diretamente vinculado à área da saúde, mas sim
daquilo que é uma tradição na prática de uma experiência de cultura de
paz, com foco na sustentabilidade e valores éticos. E a gente percebe
que a discussão que acontece aqui acontece em todos os segmentos de
atuação, há poucos anos atrás a pergunta seria o que é isso, e hoje a
pergunta é a que está surgindo aqui, como é se faz. E a mudança da
pergunta é um grande indicador da transformação, ou seja, não estamos
satisfeitos com um modelo que deixou de ser hegemônico e deixou de ser
pensado. E aí a gente precisa encontrar, e todos fazemos um esforço,
tenta encontrar encaminhamentos práticos para consolidar esse outro
modelo, que até agora foi esse debatido assistencialismo e criar e
vislumbrar, que aí a gente vai nessa perspectiva que está sendo
colocada aqui que é a potência criativa da vida, e existem alguns
mecanismos quando a gente fala de potência e que está muito aqui à
flor da pele, que são sos mecanismos de transformação. Esta, a própria
palavra já nos diz isso: é ir além da forma atual. Da forma
disponível, e provavelmente muitas das soluções e encaminhamentos
desse novo modelo não estarão enraizadas na forma atual e a gente de
fato está falando de potência criativa da vida, num salto quântico de
criação. Porque quando a gente se detém ao modelo já existente, a
gente ta, no mínimo, ou corrigindo o modelo, e corrigir é um passo
atrás. Ou seja, eu já conhecia o modelo, o certo, quando eu retomo o
ponto anterior, eu corrijo o que estava errado. A gente pode fazer uma
melhoria, dar uma "acertada" no que já existia, e fazê-lo acontecer,
de uma forma mais aprazível, acolhedora. Mas ainda estou falando de
uma coisa conhecida, que já é praticado. Mas diante dos desafios que
temos, seguramente não será puxando o fio da meada que nós vamos dar
conta de lidar com esses desafios, e aí estamos falando de uma
realidade quântica, ou seja, eu tenho que partir para um novo formato,
num salto para aquilo que não é vislumbrado. Essa é uma tradução do
salto quântico. Enquanto eu quiser enraizar uma nova atuação no modelo
conhecido, eu tô usando a física clássica, partindo de uma realidade
concreta para mensurar o que eu já conheço e já domino, e se a
discussão é uma humanização da política de saúde, é salto quântico, é
tentar introduzir um outro modelo de política a partir de um conjunto
novo de pressupostos, e aí sim a gente ta falando de transformação, e
seguramente, será este novo modelo que vai encontrar respostas que
estão sendo aqui colocadas. Eu também estou colocando como questão,
não estou oferecendo resposta, e essa é uma grande questão, porque não
estamos conseguindo encontrar respostas no modelo conhecido. As
questões estão surgindo a partir do vislumbre de um novo modelo, e
este ainda não está formatado para oferecer respostas, então estamos
buscando o desconhecido, e a nossa raiz também será desconhecida. E
essa não é uma metodologia que a gente domina. E a gente tem que ter
muita tranqüilidade ao confrontar com esses novos desafios, não vamos
nos iludir pensando que temos algum modelo para construir essas
respostas, ele ainda não está disponível, ainda está em processo de
gestação.
10ª intervenção:
Pautar um pouco essa coisa dos indicadores, na medida em que começou a
aparecer a questão, complexa por demais na área, mas aí eu fico
pensando, essa perspectiva do acolhimento como está traduzida, que
resgata a produção do sujeito, se pudéssemos resumir toda a produção
que vai além da produção material. Ela, por mais sedutora, no campo do
trabalho e dos serviços, dos profissionais, das equipes, ao serem
seduzidos até mesmo para acolher e implementar esses modelos, não tem
sido fácil, ou seja, esta perspectiva que o acolhimento traz,
imprimindo essas novidades, ela também desestabiliza. As práticas
sanitárias não têm sido permeadas pela idéia do acolhimento que
pretendo imprimir ou resgatar delas, como achamos que é quase natural
na atividade humana, ser permeada por essas características da
produção imaterial e etc. e tal. E aí muito mais complicado ainda
quando se trata de sedução do gestor e para o gestor. E aí também
passa nesse caráter de sedução, evidentemente por métodos de fazer
isso. É aí que entra essa questão dos indicadores que tem me
inquietado um pouco, e eu vi o debate aqui e me inquietou mais, é o
seguinte: por desestabilizar, por tensionar e fazer as linhas de
conflito, por mais que se seduzam pessoas, mas para fazer a prática
efetiva, nesse meio todo, como desestabilizar a gente fica para além
de um desafio teórico-metodológico de trazer em indicador, fica
naquela angústia em ter algo que mostre a concretude do ponto de vista
pegável, para fazer com que aquilo se legitime frente ao gestor e ao
movimento dessa prática, pra dizer que vale a pena, mas como buscar na
nossa parte, de amuletos, de alguns lugares que falam da produção
tradicional em meio localizado num âmbito mais tradicional, o que que
nos habilitaria e nos autorizaria como mais elementos para ajudar
nessa tentativa de continuar espalhando e disseminando essas práticas.
Então daí que eu acho que ficamos o tempo todo de calças curtas, assim
vale a pena esse investimento em algo, com desafios teórico-
metodológicos, em pensar que vale a pena medir, ainda que com medidas
não tão clássicas, ou temos que seguir caminhos mais práticas mesmos
de aprofundar em outras situações ou outros caminhos que nos habilitem
entrar, autorizem, nos dê mais elementos para divulgar essas práticas
tão desejadas.
11ª intervenção: Tuto
É o seguinte, uma política nacional de humanização pressupõe que uma
política não é humana. Ta aí, é muito humano. Parafraseando Nietzsche,
humano, demasiado humano. Então, é de uma outra humanidade que estamos
falando. Isso me lembra um trecho do Calvino, em que ele fala da
cidade, diz assim: bom, há outra coisa nessa cidade infernal que nos
suga a todos, que a gente faz estando juntos? Quem pergunta é o Kan(?)
e A(?) responde a Kan: bom, talvez a questão seja descobrir, nesse
inferno, que não é inferno, e abrir espaços. O comum me parece que é
tal como Negri nos trouxe, da ordem não do amor romântico, mas desse
amor trágico, que é buscar que tipo de produção de diferença é
possível ser engendrada., naquilo que é bastante humano, que são
nossos infernos, sejam eles do ponto de vista das construções
isngulares de cada sujeito, sejam eles dos segmentos e dos grupos,
sejam eles das políticas públicas, nos governos, e nos Estados. Se for
assim, aquilo que o Ricardo trouxe de pensar em critérios para
produzir indicadores até porque de algum modo essa percepção do que
não é inferno, pressupõe um movimento dinâmico, e a cada vez tem
começado de definições de valor de verdade, ainda que quando se define
um emblema de como, fazendo um abuso conceitual, ele deva estabelecer
em algum nível algum tipo de contrato social, que pode ser
renegociado, reinventado, reorientado a cada vez. Essa condição,
natureza facultativa, provisória e instável do critério, do indicador,
parece que nos coloca em uma posição de abrir mão de alguns
enunciados, já que a questão também é a linguagem, que muitas vezes se
apresenta como armadilha, como por exemplo, armadilhas que tendemos
precisar por um apetite de apaziguamento dos nossos fantasmas. Então a
gente, por exemplo,, a fome de modelo. Talvez nem se trate de fazer um
modelo alternatido ao modelo, mas de substituir a idéia de modelo por
uma idéia de produção, ou de processo, que exigiria, naturalmente, uma
outra ética, sem dúvida, a meu ver, passaria por tentar discriminar
cada vez, de novo me remetendo à idéia do amor, e remetendo a
Espinosa, que o Ricardo também lembrou, talvez separar, ou tentar, em
um exercício pendente e generoso, separação entre o que Espinosa
chamava de paixões tristes e paixões alegres, aquelas que sugam e
enfraquecem nossas potências vitais e aquelas que expandem a
capacidade de procuzir mais vida. Nesse sentido, a meu ver, e para
concluir, a própria idéia de acolhimento perde a razão de ser se a
gente pensar de maneira polar, ou seja, pensar a partir de termos
estabelecidos, quem acolhe, como, prá quê, quem é acolhido, como, prá
quê. A idéia comum de novo, me pareceu, que no sentido de que se faz
em ato, como se faz em ato, nesse "entre" um e outro, entre
seguimentos, grupos e é esse entre que constitui essa multidão da qual
se falava, portanto, o acolhimento é um efeito que produz termos, e
não uma relação entre termos previamente definidos: quem acolhe e quem
é acolhido. Se sou capaz de produzir novas texturas relacionais, delas
talvez seja possível nascer novos modos de relacionamento, portanto,
formas novas ou renováveis de acolhimento.
Prof.a Judith Revel
Há uma coisa que para mim que não sou médico ou não trabalho na área
de vocês, eu já perguntava antes e depois no final fez florescer em
mim várias perguntas, a questão dos indicadores.
Em um intervento anterior foi perguntado o que são os indicadores, o
que eles indicam, se precisamos deles ou não. E você falava disso em
sua resposta. É algo para nós que não trabalhamos na mesma área. De
fato a pergunta é: o que indica um indicador ? Porque não é óbvio para
nós. Eu não sei o que é um indicador na sua área. Tive a impressão que
tinha a ver com duas coisas diferentes, de um lado a legitimação
diante de quem administra e imagino que se trate de políticas
públicas, quem distribui os fundos, etc, e do outro lado o indicador
como um certo tipo de práticas novas de estratégia com um interesse
que produzem sofrimentos prazerosos e aumentos de vida.
Eu vou dar dois exemplos bem pequenos, mas que não são indiferentes.
Um é na França que é o meu país, a reflexão sobre a qualidade do
sistema sanitário que chegou bem recentemente, pelo menos uma dezena
de anos, através de uma reflexão sobre o tratamento da dor que é uma
visão muito específica. Isto é, sobre o direito do paciente de não
sofrer. Esse é um fato que me afeta muito porque sofri muito e ainda
sofro um pouco mas muito menos de fortes enxaquecas, fui tratada em um
hospital por um neurologista pelas crises de enxaqueca que me impediam
de ter uma vida normal com uma série de remédios fortíssimos e me
lembro que em uma consulta, na metade dos anos 80, o neurologista me
explicou, uma vez que foi diagnosticado tratar-se de enxaqueca, que eu
me encaixava em uma faixa de dor que era identificada e à qual
correspondia uma dosagem de remédios bem preciso. E me lembro porque
eu me encaixava abaixo da dor de quem tinha cálculos renais mas acima
de quem estava dando a luz e isso me fazia rir. Aquele tipo de
nomenclatura para dizer que vocês têm aproximadamente o mesmo tipo de
problema, por exemplo, eu penso na experiência que tivemos com
psiquiatras na Itália quando vocês fizeram a classificação das
patologias e dos tratamentos na psiquiatria, o método americano é
esse, não ?
Hoje é algo bem estúpido, mas há dois anos nos serviços de emergência
que chegam primeiros aos locais de acidente na França, há dois anos
somente, usam a escala da dor. A primeira coisa que fazem é pedir à
pessoa se estiver consciente de quantificar a sua dor em uma escala de
0 a 10. E em base a ela se administra a morfina porque é muito simples
proceder assim.
O que é interessante é que se trata de uma quantificação, eu posso
dizer dois, posso dizer oito, posso dizer dez porque é insuportável e
quero que me injetem morfina porque estou mal.
O médico não diz mais você está com a perna quebrada ou você quebrou
uma vértebra ou então você tem e por isso dou isso porque eu sei o que
você tem. O médico pergunta ao paciente e aquele contato que
aparentemente é quantitativo na realidade é completamente qualitativo.
Quando Ricardo dizia antes se não me engano, tenho que encontrar o
ponto, falava da relação entre quantidade e qualidade, falava da
quantidade da qualidade. Acho que seja justamente o contrário, isto é,
a qualidade da quantidade, uma qualidade da quantidade.
A pessoa que diz, eu tenho três, está pouco se importando com a dor,
pouco se importando se é verdade ou não, o que quer dizer a verdade ?
Ela diz, eu sou assim, e eu aceito essa frase. Não é que eu acolha um
paciente com o meu saber. Eu o acolho e de fato é a relação que
permite a cada um de construir-se. Eu acolho alguém que me diz o que é
enquanto sujeito.
E o diz em modo aparentemente quantitativo, na verdade o diz em modo
qualitativo porque me diz quem é naquele momento e como se sente. E
embora o que é, como se sente seja totalmente provisório e não
definido e que, portanto, os indicadores se valham em certas
situações e nunca em modo universal, fora do tempo e fora de qualquer
contexto, me parecem inadmissíveis. Vocês me perguntaram se é preciso
também dar uma satisfação aos administradores sobre a eficácia dos
novos métodos.
Eu não sei. Não vivi por muito tempo na Itália, na França o diretor do
SUS é um administrador, é um administrador empresarial do sistema
sanitário e cada vez mais se exige uma produtividade em outros países
europeus.
Do ponto de vista da acolhida tenho a idéia que administração e
atenção sejam a mesma coisa, não me parece algo essencial. O indicador
simplesmente é que a pessoa está melhor e não quer dizer que a pessoa
corresponde à idéia de normalidade que tenho em mente ou parte da
idéia de patologia que eu tenho. Logicamente que existem as
patologias, é óbvio que são patologias mas o quanto de normativo da
definição entre a patologia e a normalidade eu tenho.
Se eu conseguir suprimir uma dor, por exemplo, o que é esse estado ?
Não sei o instrumento, se posso tratar de uma pessoa, mas consigo
suprimir aquela dor que pode ser física ou psicológica. O que eu fiz ?
Um gesto médico ou não ? O que eu fiz ? Eu permiti um sofrimento
prazeroso ou continuo a dizer que existe uma doença e que fracassei
como médico ? Eu não sei, essa pergunta me parece importante. O que se
faz, o que fazemos com os incuráveis ? O que se faz com o
acompanhamento da morte que também faz parte do processo ? Isso também
é a vida de modo positivo. A última coisa consistia no abandono das
velhas modalidades nas quais se pensa.
De fato por isso podemos falar da área de vocês, da nossa, existe um
léxico a ser construído, todo um conjunto de estratégias a serem
inventadas, estratégias que de fato atravessam a esfera pública do
Estado. O associacionismo, por exemplo, não é mais do Estado, não é
exclusivo, não é um ou outro. Ele está em toda parte, onde puder.
Talvez na França a crítica do Estado está mais avançada porque é mais
velha e por isso houve um atraso muito grande das políticas, existe
uma crise muito grande do Estado e por isso é fácil fazer uma crítica
do Estado na França e não no Brasil, imagino, não importa onde, não é
esse o problema, fora o dentro.
Prof. Antonio Negri
O movimento do sistema sanitário, da retomada do sistema sanitário.
Acho que o que foi dito no início volte e se repita no final como
resposta só que enriquecida em relação ao que era o esquema inicial,
mas fundamentalmente verificado como estrada a ser percorrida.
Estou totalmente de acordo quando se insiste sobre o paradoxo da
questão. O paradoxo da questão é que do outro lado emerge já como
problema político constitucional, digamos em todo o desenrolar da
democracia ocidental. E da relação entre uma série de necessidades que
já são insustentáveis dentro da complexidade do governo capitalista,
mas que falta no comando capitalista ao qual o Estado se adapta com a
revolução para libertar-se fortemente adaptado e por outro lado uma
insistência democrática de movimentos mais ou menos vindos de baixo
mas também transversais que se tornam cada vez mais importantes.
Seria muito longo procurar entender agora a conjuntura específica na
qual nos encontramos mesmo porque essa conjuntura compreende a Europa,
os Estados Unidos, a América Latina como os outros países
intercontinentais e se torna extremamente genérico tentar defini-la em
termos bem precisos.
Mas é verdade que essa incompatibilidade ou melhor esse paradoxo,
encarando o paradoxo na verdade como uma destruição real, resumindo,
surge como uma impossibilidade dialética, como impossibilidade de
superação. Portanto trata-se evidentemente a esse ponto de deslocar,
de mudar os termos do discurso.
Eu não sei, no campo da saúde, vou deixar para a Judith, à sua
sensibilidade de interpretar os fatos. Eu vejo as coisas muito mais do
ponto de vista constitucional e político.
Acho que a relação entre movimentos e políticas públicas seja
absolutamente fundamental e que vá em todos os níveis também naqueles
da saúde que é tão importante porque alguém dizia no início, um dos
mais biopoliticamente importantes sobre o qual se deve insistir. Essa
relação movimentos-governo, prestem atenção, é uma relação que de
qualquer forma nos é proposta atualmente pelas políticas públicas
também, porque as políticas públicas atualmente não conseguem
funcionar se não estiverem dentro dos mecanismos de governo, portanto
não tanto reduzindo a direita de comando, mas através de uma
contratação contínua que se desloca sistematicamente como comando em
todos os níveis enquanto por outro lado devem diluir-se dentro da
contratação da relação pelo menos.
Isso se encontra em todos os lugares, não saberia medir o quanto a
potência do governo se aplique na estrutura pública brasileira porque
não a conheço, mas sei que ocorre no mundo inteiro. Na Europa se
tornou a única forma de governo possível. Só que essa única forma de
governo possível na realidade se diluiu para se tornar a força central
do Estado na política pública, mas embora diluída consegue impor-se,
com exceção das rupturas. Mas são rupturas que normalmente são depois
re-equilibradas por deslocamentos de controle, de comando em outros
setores.
Na minha opinião somente a inserção de uma operatividade eficaz dos
movimentos e em particular dos movimentos que significam operações
solidárias de serviços porque do ponto de vista profissional são de
extrema, alta força. Por outro lado a construção de redes entre
pacientes, famílias e tudo o que vem por trás disso, centros
sanitários específicos.
E depois o movimento da saúde em senso público, os movimentos pela
vida, movimentos biopolíticos reais. Por isso na minha opinião também
quando se diz Comum não significa um resultado, qual é a diferença
entre o Comum do público e do privado ?
A diferença do Comum público e privado é que enquanto o privado é
privado, é uma apropriação individual. O que é o público ? É a
compreensão do governo. O Comum, existe sempre o caráter capitalista,
existe sempre no armário do público.
O Comum é o fato que o ente público que é administrado por nós. A
administração se torna uma democratização forte, uma participação cada
vez mais forte, uma apropriação que é também construção do Comum. A
relação entre singularidade e Comum é uma relação ativa, o Comum não
compreende singularidades. O Comum é fato de singularidades, de uma
rede de singularidades por isso foi difícil.
Uma outra coisa que chamou também a minha atenção na discussão foi
essa história dos indicadores. Fiquei confuso por causa do intervento
sobre a inclusão, o risco caótico, não há dúvidas que é um risco que
vale a pena correr, é um risco caótico que tem a ver, que não pode ser
na minha opinião, que faz parte da inclusão de cidade, de tudo o que
ser quiser.
É um risco catastrófico de verdade, sempre presente e é algo que tem a
ver com a constituição do Comum porque na realidade as multidões
negativas, as multidões tristes são na verdade o resultado
catastrófico dessa tentativa de construção do Comum.
Atrás do fascismo há sempre a catástrofe de uma tentativa de construir
outras coisas e isso vale para todos os níveis e é algo que sob alguns
pontos de vista dá medo.
E se tratava também do discurso que ouvi da pessoa sentada atrás de
mim que dizia em de qualquer maneira valia a pena de arriscar. Eu não
sei bem.
E quando se fala de indicadores é preciso porém, eu sempre insisti
sobre a confusão dos indicadores. Acho que exista uma outra coisa,
existe o nível mínimo na elaboração da estrutura comum, existe o
contrário da assim chamada catástrofe pública que pode nos ajudar nas
indicações do Comum. É claro, eu digo, por exemplo, Deleuze falava em
termos de intensidade, acho que não seja um termo tão filosófico, que
porém é muito indicativo, não é simplesmente analógico.
Fonte pesquisa google:
http://cv-acolhimento.bvs.br/tiki-download_file.php?fileId=71